Foto: Júlio Nascimento/PR.
Arland de Bruchard Costa – para o Universidade à Esquerda – 13/10/2020
1) Haverá eleições presidenciais em 2022
A eleição de Bolsonaro e o permanente conflito que o Presidente estabelece com as instituições do Estado brasileiro motivaram, com razão, o receio – à esquerda e à direita – de que a normalidade eleitoral estava em risco. Com o mandato chegando à sua metade, é razoável supor que em 2022 haverá eleições sem qualquer alteração relevante e que Bolsonaro não possui força para impedir que isso aconteça.
2) Haverá segundo turno
Não parece haver nenhum candidato com força para fazer mais de 50% da votação.
3) Bolsonaro estará no segundo turno
3.1 – No segundo ano de mandato, Bolsonaro venceu a batalha política mais importante de seu mandato: a pandemia. A aprovação popular de seu governo, em queda antes e nos primeiros meses da crise sanitária, cresce de maneira consistente e saiu definitivamente do patamar em que impeachment pode ser cogitado, ultrapassando em outubro a marca dos 50%. Portanto, Bolsonaro concluirá seu mandato e será candidato à reeleição.
3.2 – Como Lula em seu primeiro mandato, Bolsonaro perdeu gravemente apoio da classe média dos centros urbanos que o elegeu, mas passou a receber o apoio dos brasileiros mais pobres do interior, principais beneficiados por políticas compensatórias. Esse setor vota desde de 1994 em quem já está no Governo: foi com o PSDB entre 1994 e 2002, com o PT de 2006 a 2018 e, ao que tudo indica, está migrando para Bolsonaro.
3.3 – A estratégia de criar pontos de conflito permanente com o sistema político se provou acertada e vitoriosa não apenas para vencer a eleição, mas também para governar: É tão eficiente quanto o presidencialismo de coalizão para executar a agenda liberal, mas tem a vantagem de manter Bolsonaro com a imagem de líder que luta contra o sistema político em um momento que o Brasil atravessa a mais grave crise de sua história e as instituições não gozam de nenhum prestígio popular. Há, portanto, pressão para acelerar a agenda econômica, mas a burguesia brasileira já não desconfia mais da capacidade de Bolsonaro de entregar resultados.
4) Haverá uma chapa da direita apaziguadora, como foi FHC em 1994
4.1 – Fernando Henrique Cardoso, eleito Presidente em primeiro turno em 1994 e 1998, encontrou uma fórmula de governar com estabilidade um país que vinha de 21 anos de ditadura seguidos de uma década perdida e um impeachment que derrubara o único presidente eleito em 29 anos. À brutal liberalização que implementou na economia brasileira, FHC deu um perfil republicano e conciliador, sintetizado na expressão de presidencialismo de coalizão. Acusando a direita (militares) e a esquerda (oposição à ditadura) de populistas, FHC criou para si a imagem de técnico que responde às tentações do poder com racionalidade: restrição fiscal, privatização e destruição da indústria nacional seriam as únicas opções para o Brasil crescer com eficiência.
4.2 – Depois de 8 anos de FHC, por 4 eleições os tucanos hegemonizaram a direita brasileira com essa tática, mesmo que derrotados eleitoralmente pelo PT – José Serra em 2002 e 2010, Alckmin em 2006 e Aécio Neves em 2014. Em 2018, Bolsonaro passou como um trator sobre a segunda tentativa de Alckmin e o PSDB não apenas perdeu sua quinta eleição consecutiva, como também 80% de seu eleitorado migrou para Bolsonaro e deu a ele a nova hegemonia eleitoral à direita.
4.3 – Bolsonaro utiliza a tática de permanente tensão pública como fazia a Ditadura Militar Brasileira, estratégia simbolicamente antagônica àquela apaziguadora que consagrou FHC. Com o desgaste de Bolsonaro na classe média, em especial no Sul e no Sudeste do país, há espaço eleitoral para um candidato que acuse a esquerda (Lula) e a direita (Bolsonaro) de populistas como FHC fez com militares e opositores da ditadura. A proposta será a manutenção do ultraliberalismo como agenda econômica, alterando apenas o método de tensão permanente para retornar ao presidencialismo de coalizão. Essa candidatura defenderá Paulo Guedes por suas ideias supostamente técnicas e criticará Bolsonaro, supostamente um freio de mão puxado para conter o ímpeto racional do Ministro da Fazenda. Esse é precisamente o discurso hegemônico na mídia brasileira desde que Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto em 2019 e, portanto, com potencial de crescimento na classe média urbana.
4.4 – Haverá vários candidatos com este perfil – em 2018 havia Meirelles, Alvaro Dias, Alckmin e João Amoedo –, mas apenas um contará com apoio financeiro e midiático massivo. Talvez, pela primeira vez na Nova República, esse candidato não seja do PSDB. Esse nome ainda não está definido, mas provavelmente será um ex-aliado que traiu o Presidente Bolsonaro, como João Dória, Sérgio Moro ou Henrique Mandetta.
4.5 – As candidaturas com esse perfil em 2018 somaram apenas 9% dos votos em 2018, enquanto Bolsonaro fez 46% e a esquerda fez 41% (PT 29% e PDT 12%). Para chegar ao segundo turno, a direita conciliadora precisa angariar parte dos votos que Bolsonaro está perdendo na classe média dos centros urbanos e ainda contar com grande redução do tamanho eleitoral da principal candidatura de esquerda, em uma combinação entre diminuição do conjunto dos votos na esquerda e um aumento de sua divisão interna. Ao ultrapassar o patamar de 20% dos votos, passa a ser uma candidatura viável se aumentar a divisão entre os candidatos de esquerda.
5) Ciro e PT vão reviver o primeiro turno de 1989
5.1 – O impeachment de Dilma em 2016 e a vitória de Bolsonaro tiraram o PT da Presidência, mas não a hegemonia petista na esquerda brasileira. Em 2018, o indicado de Lula chegou ao segundo turno e o partido elegeu 4 governadores – em estados nordestinos que somam mais de 30 milhões de habitantes – e a maior bancada da Câmara de Deputados.
5.2 – Lula é o principal nome eleitoral da esquerda brasileira desde que derrotou Brizola no primeiro turno de 1989. Naquele momento, Brizola representava a memória de Getúlio Vargas e defendia o trabalhismo derrotado em 1964 como guia de ação política para a redemocratização. Lula, por outro lado, representava a rejeição, pela esquerda, da memória de Getúlio Vargas como símbolo de luta contra os responsáveis por seu suicídio em 1954 e pelo Golpe Militar de 1964.
5.3 – O PT foi absolutamente vitorioso em sua batalha contra Brizola-Getúlio: desde 1989, foram 31 anos e 8 eleições presidenciais com o PT tendo a hegemonia da esquerda brasileira, com 4 vitórias e 14 anos exercendo a Presidência da República. Do ponto de vista simbólico, Getúlio Vargas e sua trajetória (a Revolução de 1930, a Carta-Testamento) foram colocados em segundo plano e substituídos por uma história que priorizava a resistência democrática à Ditadura que, iniciada nos anos 1970, culminou na criação do PT em 1980.
5.4 – A esquerda brasileira fará o balanço do período petista em 2022, como fez em 1989 em relação ao trabalhismo. Haverá duas candidaturas de esquerda politicamente relevantes: uma do próprio PT reivindicando seus governos como inspiração principal para a retomada do poder e outra de Ciro Gomes que imputará aos petistas responsabilidade pela maior crise da história nacional, que já teria sido deflagrada antes do impeachment de Dilma, sendo aprofundada por Temer e Bolsonaro.
5.5 – A primeira batalha entre Ciro e PT foi disputada no primeiro turno de 2018, quando Haddad fez 29% dos votos contra 12% de Ciro. O ponto de partida, portanto, é extremamente favorável ao PT. Há, entretanto, 4 fatores que contam a favor de Ciro Gomes:
- a) No início do governo Bolsonaro, havia a expectativa de que um eventual fracasso levaria ao crescimento do PT por contraste. Nada indica que isso esteja acontecendo. Ao contrário, as pesquisas eleitorais apontam que o PT deve amargar resultados terríveis nas Eleições Municipais de 2020, sem governar nenhuma capital e quase nenhuma das 100 maiores cidades do Brasil.
- b) O PT ainda não tem candidato para 2022 e não poderá repetir a estratégia eleitoral de 2018, quando Lula foi inscrito oficialmente como candidato e posteriormente substituído. Ciro, por outro lado, já está em campanha há 2 anos.
- c) Em 2018, Lula conseguiu impor o isolamento a Ciro constrangendo seus aliados em potencial. Para 2022, Ciro contará com o PSB e, ao que tudo indica, também com a Rede e o PV. Sua estrutura de campanha – dinheiro, acesso à mídia e palanques regionais – será no mínimo o dobro da última eleição e, provavelmente, de proporções semelhantes à petista.
- d) A popularidade de Bolsonaro cresce na população mais pobre, que votou majoritariamente em Lula-Haddad em 2018. Entretanto, a classe média urbana, setor em que Bolsonaro perde apoio, não parece migrar ao PT.
5.6 – Para o derrotado, a consequência será devastadora, como foi para o PDT de Brizola em 1989. Se Ciro não for sequer ao segundo turno, praticamente encerram-se suas chances de tornar-se Presidente e o PDT perde a melhor oportunidade de reencontrar seu protagonismo após 3 décadas de coadjuvante. Para o PT, perder eleitoralmente para Ciro significaria a maior derrota dos seus 40 anos de história e teria consequências imprevisíveis.