[Opinião] A greve na UFSC está forte e apenas começando: a urgência da greve

Foto: UFSC à Esquerda

Pedro de Faria* – Redação – 29 de setembro de 2019

Publicado originalmente no Universidade à Esquerda.

Os estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 10 de setembro de 2019, deflagraram greve estudantil por tempo indeterminado. No dia seguinte, a decisão foi acompanhada pelos estudantes da pós-graduação. Eles ousaram se posicionar pela defesa intransigente da Escola Pública.

Os estudantes da UFSC tomaram para si uma tarefa histórica que está muito além do alcance do corpo estudantil de uma única universidade, pois avança em um dos terrenos mais quentes da luta de classes no Brasil. Significa, enfim, declarar como inimigos forças sociais muito poderosas, aqueles capitais que estão há décadas definindo a política do Estado brasileiro para a Educação. Para isso, os estudantes colocaram na ordem do dia a construção de uma Greve Nacional da Educação.

Essa não foi, de forma alguma, uma decisão irresponsável. Ela culminou um processo de debate sobre o projeto dos capitais para a Educação Superior, debate que vem há anos sendo travado nessa universidade.  Depois do lançamento do programa Future-se, em julho de 2019, e das notícias de cortes que levariam à suspensão do funcionamento do Restaurante Universitário, o debate sobre os rumos da Educação Superior tornou-se muito massificado e vivo, e o corpo estudantil confirmou que havia disposição para se lançar na construção da greve.

Procurarei resgatar, neste texto, algumas das razões que provam justeza e urgência da greve na UFSC.

Por que a Greve é urgente? Para o ano que vem, o governo federal tem, com a efetivação de sua agenda econômica, a promessa de um imenso acúmulo de forças.

As principais pautas da agenda econômica do primeiro ano do governo Bolsonaro, ao lado do plano de privatizações, são a aprovação da Reforma da Previdência e do programa Future-se. Caso esses dois projetos sejam aprovados neste ano, isso não significa apenas uma derrota acachapante dos trabalhadores. Significa, além disso, a liberação de um imenso manancial de recursos para os capitais, que poderão capitalizar somas que eram antes fundo público.

Os capitais saem mais fortes, mais capazes de desarticular a luta dos trabalhadores e de organizar a repressão. Eles são fortalecidos de formas complementares: poderão, com os recursos tomados do fundo público, contrariar a tendência às perdas, impostas pela crise econômica; com a concentração de suas riquezas, terão mais força para impor politicamente seu projeto econômico e social contra o dos trabalhadores.

Se a luta contra esses projetos fracassa hoje, nos próximos anos os enfrentamentos terão dificuldade redobrada. A falácia de que “quanto piores as condições materiais, maior é o potencial de conscientização e de luta” precisa ser refutada sem demora. Quanto piores as condições materiais da classe trabalhadora, mais deletérios são os efeitos da divisão entre as frações dessa classe, que precisam competir entre si pela venda de sua força de trabalho, e mais forte é o poder do capital de impor seus interesses sobre o conjunto. A história dará razão à inspiração de urgência que moveu os estudantes da UFSC a entrar em greve.

Parar de lutar e esperar um momento mais propício no futuro? NÃO! Lutar hoje para criar esse momento futuro.

Há outra falácia que merece a mais decidida atenção. Essa é a de que haverá, no futuro, um momento mais favorável à luta dos trabalhadores. O argumento é o de que, na atual conjuntura brasileira, não há perspectiva de lutas vitoriosas. Seria, então, estratégico bater em retirada, acumulando forças para uma próxima investida, no futuro. Essa transposição de conceitos da ciência militar para a política cria uma confusão sobre os rumos da luta de classes no Brasil.

Há de se considerar, primeiramente, que não há perspectiva de que os ataques contra a organização dos trabalhadores irão diminuir no próximo período. Ao contrário, esses ataques irão intensificar em razão da crise do capital. Além disso, cada uma das vitórias obtidas pelos capitais na luta contra os trabalhadores dá aos capitais condições mais favoráveis para desferir futuros golpes. De forma complementar, a cada luta que é perdida ou que se deixa de lutar, os trabalhadores são relegados a um terreno mais desfavorável para sua organização e união.

Segundo, há de se considerar o papel das direções dos instrumentos políticos dos próprios trabalhadores para o acúmulo de derrotas dos últimos anos. Não será preciso estender-se nesse ponto, basta recordar o que foi a atuação do Partido dos Trabalhadores, negociando a Reforma da Previdência nos estados, e da União Nacional dos Estudantes, sentando com o Ministério da Educação para negociar termos do programa Future-se. Se essas direções vêm de uma trajetória de consecutivas traições dos trabalhadores, que sentido faz esperar delas uma mudança de posição no futuro? Que sentido faz esperar da UNE um chamado para uma Greve Nacional da Educação por tempo indeterminado? São essas mesmas direções as que propagam a falácia de que o momento é de se manter recuado para acumular forças.

Essa leitura não é ingênua, mas sim uma distorção proposital, que justifica a linha política duvidosa. Para as correntes do Partido dos Trabalhadores, há um horizonte estratégico em recuar, que é deixar passar as reformas do capital para se viabilizar eleitoralmente para 2020 e 2022. Para muitas das organizações políticas de esquerda, a escolha por recuar também é estratégica: evitam tomar riscos e podem então reservar as energias para a construção de suas organizações, ainda que ao custo de derrotas dos trabalhadores. Essas duas linhas, mantendo distanciamento entre si, convergem num ponto: entregar direitos e conquistas sem lutar. É uma política de derrotas.

Só uma resposta diametralmente oposta será capaz, não sem riscos, de um verdadeiro acúmulo de forças: manter-se na defesa intransigente de todos os direitos e conquistas. Manter-se, no tema em questão, na defesa intransigente da Universidade Pública — ainda que essa possua um sem número de problemas e deformações —, na luta pela rejeição integral do programa Future-se, na defesa intransigente da reposição dos recursos para a Educação Pública. Em suma, lutar para construir outro horizonte, onde as lutas poderão ser vitoriosas, e não esperar que esse futuro seja oferecido.

É espantoso que a linha política de certas organizações ditas de esquerda, no âmbito da UFSC, tenha sido a de abdicar de construir esse futuro, entregando a greve estudantil da UFSC ou, o que é pior, trabalhando ativamente para pôr fim a ela. Um parêntese: Isso não é, por si só, uma traição; é antes canalhice e oportunismo. Mas os canalhas estão na antessala da traição, e merecem a desconfiança de todos.

Não há lugar seguro para onde fugir, para onde os direitos dos trabalhadores serão salvaguardados, não há caminho para defendê-los senão o front de batalha. Um “recuo tático” é uma derrota quando ele permite que nossos inimigos avancem sobre nós. É urgente a manutenção da greve forte na UFSC e a ampliação nacional dessa greve. Esse não será, naturalmente, um processo rápido, como quando a convocação de greve em âmbito nacional vem de forma centralizada, por uma entidade. Para que a greve na UFSC seja vitoriosa, ela vai precisar inspirar coragem e solidariedade dos estudantes e trabalhadores de todo o Brasil. Construir uma Greve Nacional da Educação a partir de uma universidade é uma tarefa grande, difícil. No próximo texto, procurarei demonstrar como esse esforço de nacionalização, apesar das dificuldades, tem dado sinais de avanço.

 

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a posição do Jornal.

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