José Braga* – Redação UàE – 01/03/2018
As aulas começaram na universidade. Um novo semestre, o retorno dos veteranos a chegada dos calouros. Vida nova no campus. Vida que segue no campus. Aulas. 07:30; 14:00; 18:30. Professores e estudantes se encontram na sala. 08:00 às 18:00, e o expediente segue nos departamentos, secretarias. Técnicos. Terceirizados.
Fora do campus não é diferente. A vida segue. Café e pão amassado. O ônibus lotado. A pressa pra chegar ao trabalho. O trânsito parado. A pressa pra voltar logo pra casa. Seguir. E seguimos. Afinal, a vida urge. Interpela, convoca nossas energias ao cotidiano. Mas, há algo errado. Estranho. E sabemos disso.
Há uma intervenção militar no estado do Rio de Janeiro. Um estado foi entregue às mãos dos generais pelo presidente da República – Michel Temer.
O mote: o combate ao crime organizado; a segurança pública. As atribuições e o comando da segurança no Rio são agora do interventor – o general de plantão, Walter Souza Braga Netto. E seus poderes não poucos. Não apenas a secretaria de segurança pública e a chefia das polícias lhe foi entregue, mas terá poder sobre os recursos financeiros, tecnológicos, humanos da administração pública, dos órgãos civis e militares do estado para execução da intervenção. Tampouco se submeterá as normativas estaduais. Este é o texto do decreto.
O Rio que desde 1992 já tem visto os militares nas ruas atuando na segurança pública. Foram a ECO 92, a Copa do Mundo, as Olímpiadas, os decretos de Garantia da Lei e da Ordem para intervenção nas favelas, que desde a redemocratização, nos diferentes governos, abriram as portas aos militares. Mas, a dimensão neste momento é ainda mais grave.
E as arbitrariedades já começaram. Militares fichando e fotografando moradores das favelas. Militares subindo e descendo morros. Aumentando as proporções da “guerra ao tráfico”: na verdade ao “varejo” das drogas nas periferias que efetivamente violenta e extermina a classe trabalhadora negra e pobre moradora das favelas.
Na prática a segurança, uma questão séria para a vida do povo, é novamente usada contra o povo. O atacado do tráfico de drogas, os grandes fornecedores, e principalmente o alto escalão do tráfico de armas segue intocado. Aviões, helicópteros com quilos de drogas ficam esquecidos; armas ora desviadas dos quartéis, ora entrando ilegalmente no país também. Esta, como as últimas, intervenções e operações de segurança tratam muito pouco da segurança do povo. E se a preocupação fosse à violência contra o povo outros nove estados tem taxas de mortes violentas mais altas que o Rio.
Não bastasse isso, declara o interventor que o Rio é um laboratório para o Brasil. E a afirmação do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, de que as forças armadas precisam de garantias para não enfrentar uma nova comissão da verdade… Ironicamente, na mesma semana em que foi identificada a ossada de Dimas Antônio Casemiro, operário fuzilado pelos militares em 1971, e enterrado em uma vala clandestina no cemitério do Perus em São Paulo.
A proporção da violência desta intervenção contra o povo cresce a cada dia, com mandado de busca e apreensão coletivos; a possiblidade para os militares com o PLC 44/2016 de que militares que assassinarem civis em suas atividades sejam julgados pela Justiça Militar e não a comum.
Temer tenta ganhar força. E para isso põe a vida dos trabalhadores negros e pobres na conta da (momentaneamente) moribunda reforma da previdência. A vida nas favelas não segue a mesma, e para muitos nem mesmo seguirá.
Quero dizer, com isso, que se aqui a vida segue saibamos que ela também não é a mesma. Não pode ser. Há duas semana há uma intervenção militar no Rio. E o Rio não está apartado de nós, por mais que tentem fazer parecer assim. Para nós universitários, calouros e veteranos, professores e técnicos, esse é um momento que nos convoca – a debater, refletir, pensar, criticar, nos debruçarmos sobre as saídas. E a lutarmos lado a lado com a nossa classe para que as atrocidades de 1964 não sigam se repetindo e com cada vez maior intensidade. De nos comprometermos efetivamente com a vida.
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