Imagem: Gravação do pronunciamento do Presidente da República, Jair Bolsonaro para o Dia do Trabalhador em 2019. Foto: Alan Santos/PR
Publicado originalmente no Universidade à Esquerda
Flora Gomes* – Redação UàE – 23/09/2020
Na Assembleia do 75º aniversário da Organização das Nações Unidos (ONU), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um discurso sobre elementos da conjuntura brasileira, tocando em assuntos como a pandemia, o meio ambiente e a economia, omitindo fatos públicos importantes para o debate sobre a real situação do país, o que gerou indignação em diversos setores.
A ONU é um instrumento internacional que nasceu no fim da Segunda Guerra Mundial (1930-1945) sob argumento da necessidade de haver uma instituição acima dos conflitos entre as nações e que visasse a paz entre todos. Na prática, a organização é um instrumento poderoso do exercício da hegemonia de países de capitalismo central, como os Estados Unidos. Os ritos de espaços como o da Assembleia são marcados por momentos em que líderes dos diversos países marcam seus posicionamentos políticos e diplomáticos.
Neste ano, os discursos dos chefes de Estado foram feitos na modalidade online. O presidente brasileiro apresentou uma fala extremamente ideológica, mentindo sobre a situação do país e sobre suas escolhas políticas frente à grave crise que atravessamos. O relator especial da ONU, Baskut Tunkat, responsável pelos temas de direitos humanos e resíduos tóxicos, enviou uma recomendação oficial para que o governo seja internacionalmente investigado por suas políticas ambientais e de direitos humanos.
Inicialmente, Bolsonaro se colocou como um sujeito preocupado com a situação da pandemia e do desemprego, afirmando ter feito tudo para salvar as vidas e a economia, diferentemente, segundo ele, da “mídia” que defendeu apenas o isolamento social para preservar vidas.
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A grave crise catalisada pela pandemia forçou diversos países a elaborarem políticas sanitárias fundamentadas em concepções próprias sobre a economia no papel da reprodução da vida. O coronavírus avançou sobre a vida social em um momento delicado, já que a crise econômica já anunciada foi atencipada e intensificada.
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Entretanto, diferentemente do que pronuncia publicamente o presidente, a escolha do Governo foi apostar que os profundos efeitos da catástrofe econômica, tamanha a magnitude, gerariam maior desespero do que a própria morte de milhares. Desde o início da pandemia, o presidente sai às ruas para incitar sua base a colocar-se em oposição a qualquer política de isolamento. Ao contrário do que diz Bolsonaro em seu discurso, sua política foi a de incitar indiferença e egoísmo entre os trabalhadores como forma de garantirem o pão de cada dia.
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Nenhuma outra força soube contrapor a proposta do governo com uma política econômica que pautasse a economia em defesa da vida. Grande parte da oposição ao presidente reforçou a falsa dicotomia entre vidas e economia. O resultado foi a retomada de diversas atividades econômicas para atenuar a catástrofe já instalada, sem justificativa nos números relativos à pandemia. São mais de 4,5 milhões de casos no país e cerca de 140 mil mortos. Dessas vidas, muito pouco se fala nos jornais e em nada mobiliza qualquer sentimento de solidariedade nas bases de apoio ao Governo.
Para além das mentiras sobre o desemprego e a pandemia, outro tema levantado foi o da questão ambiental, em voga sobretudo pela situação do pantanal, cerrado e amazônia.
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O presidente alegou ser um defensor da causa ambiental e apontou o Brasil como o país “com a melhor legislação do planeta”. Por estratégia e não por amnésia, não cita a posição do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Na reunião ministerial de 22/04, divulgada um mês depois, o Ministro afirmou que a pandemia seria uma oportunidade para “passar a boiada” do afrouxamento de normas e legislações ambientais. Além disso, não mencionou os cortes feitos no final de Agosto em operações que afetam o combate a incêndios no Pantanal, e nem reduções orçamentárias previstas na pasta do Meio Ambiente em 2021. Como de costume, distribuiu os custos políticos do drama vivido pelos brasileiros. Culpou a mídia por “desinformação” ao noticiarem as queimadas. Também colocou na conta dos “índios e caboclos” (sic) a origem dos incêndios quando, pelo que apontam perícias, as causas são a ação humana que historicamente estão ligadas a setores como agronegócio, transporte, entre outros.
Em sua fala também destacou o Brasil como produtor mundial de alimentos. A parte omitida e fundamental é que mesmo produzindo alimentos em larga escala, o preço de produtos básicos da alimentação da classe trabalhadora tem subido muito nos últimos meses. Isso porque, ao contrário do que afirmou Bolsonaro sobre a defesa da soberania do país, a elevação nos preços dos alimentos tem fundamento justamente na intensificação da exportação desses produtos.
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Bolsonaro também afirma incentivar pesquisas, mas não cita a redução orçamentária das universidades públicas em 2019 e o novo corte confirmado pelo Ministério da Educação na última quinta-feira (17). O presidente não apresenta abertamente o caráter da educação em curso no país pela ação do Estado e dos grandes capitais. A “inovação ” que incentiva, na verdade, acentua a distinção entre a educação para pobres e a para os ricos. Instaura-se um modelo educacional que ajusta a massa para a nova etapa do modelo produtivo brasileiro.
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O chefe do executivo reafirma o papel das contrarreformas implementadas no seu governo como alternativa para a crise sentida diariamente pelos trabalhadores brasileiros. Bolsonaro louva a aprovação da Reforma da Previdência em 2019, mas não cita o lucro dos bancos, nem tampouco os custos pagos pelos trabalhadores e a reestruturação dos laços entre gerações. Utiliza-se do espaço para promover a necessidade das reformas administrativa e tributária.
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Percebe-se que as mentiras ditas pelo presidente não dizem tanto sobre a insanidade pessoal de uma figura esdrúxula como Bolsonaro, mas sim, sobre uma forma de gestar a política que não se constrange em fazer o que for necessário para distribuir os custos da crise nas costas dos trabalhadores.
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