Renato Milis* – Redação do UFSC à Esquerda – 14/06/2022
A rebeldia estala agora em Córdoba e é violenta porque aqui os tiranos tinham muita soberba e era necessário apagar para sempre a lembrança dos contrarrevolucionários de maio. As universidades foram até aqui o refúgio secular dos medíocres, a renda dos ignorantes, a hospitalização segura dos inválidos e o que é ainda pior – o lugar onde todas as formas de tiranizar e de insensibilizar acharam a cátedra que as ditasse. As universidades chegaram a ser assim fiel reflexo destas sociedades decadentes que se empenham em oferecer este triste espetáculo de uma imobilidade senil. Por isso é que a ciência frente a essas casas mudas e fechadas, passa silenciosa ou entra mutilada e grotesca no serviço burocrático. Quando em momento fugaz abre suas portas aos altos espíritos é para arrepender-se logo e fazer-lhes impossível a vida em seu recinto. Por isso é que, dentro de semelhante regime, as forças naturais levam a mediocrizar o ensino, e o alargamento vital de organismos universitários não é o fruto do desenvolvimento orgânico, mas o alento da periodicidade revolucionária. (Manifesto de Córdoba – 21/06/1918)
Em 7 dias, nós estaremos celebrando uma luta fundamental para nossa classe na América Latina: a Revolta dos Estudantes de Córdoba de 1918! É o marco da publicação do Manifesto de Córdoba! Nesse período nós sempre nos dedicamos à memória dessa experiência, sua importância, seu significado – e o que podemos extrair dela para que este seja um exercício para contribuir nas lutas. Mas, desta vez, tendo em vista a situação da Universidade brasileira, recobrar Córdoba me parece ainda mais fundamental.
Aquele foi um momento de profunda coragem e radicalidade dos estudantes argentinos que, pelo seu exemplo, conquistou os estudantes de todo o continente! E acho que é dessa coragem, dessa radicalidade que precisamos agora!
Frente a uma sociedade arcaica e conservadora, e uma universidade decadente, os estudantes de Córdoba ousaram se levantar. As lições de Córdoba são muitas para nós! Mas, talvez a principal é a coragem com que aqueles estudantes decidiram romper com a indiferença e lutar para construir uma Universidade a altura do seu tempo histórico!
Do meu ponto de vista, a coragem de Córdoba não reside em apenas enfrentar o professorado, o governo argentino, às oligarquias que queriam manter a universidade inerte. Mas, fazê-lo com um senso estratégico de colocar em questão como a Universidade Latino-Americana pode contribuir com os processos de transformação social de nossos países. Para aqueles estudantes latino-americanos, a Universidade tinha um papel significativo em contribuir nas lutas por uma outra sociedade. Lutar pela universidade, por autonomia universitária, por democracia interna, por liberdade de cátedra, era para eles fundamental porque para eles a universidade tinha um papel estratégico no interior das lutas por transformação social.
Depois de passar por uma greve em nossa universidade (a UFSC), em que nós vimos concretamente, nas condições terríveis da infraestrutura do campus, a crise pela qual a universidade brasileira passa; Depois de aprender no mini-curso da EFOP – “A morte da universidade pública e o triunfo dos indiferentes” como essa crise tem sido produzida pelas classe dominantes para destruir a Universidade; estou cada vez mais seguro que precisamos daquela coragem!
Precisamos da coragem da revolta de Córdoba, porque mais uma vez estudantes e trabalhadores são chamados a lutar pela universidade! E nós sabemos também que em nossas fileiras (no movimento sindical e estudantil), há aqueles que estão dispostos a rifar a universidade em nome do seus pequenos interesses. Por isso, ou nós faremos uma luta à altura de contrapor o projeto de destruição da universidade pública, ou ninguém o fará.
Eu me recuso a aceitar que nossa luta será derrotada pela indiferença! Que nós, estudantes e trabalhadores, recuperemos a coragem e a radicalidade dos estudantes de Córdoba!
Córdoba vive!
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