[Opinião] Crítica ao programa educacional da candidatura de Guilherme Boulos

José Braga* – Redação UàE – 04/10/2018

A candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), coligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), para a Presidência da República tem sido incapaz de se apresentar efetivamente como uma alternativa da esquerda socialista para o Brasil. Seu programa rebaixado é possivelmente um dos grandes motivos de sua insignificância nas intenções de voto – sendo superado por candidaturas como as de Cabo Daciolo, Álvaro Dias e João Amoêdo.

No campo educacional este é um problema grave. Afinal, se trata hoje no Brasil de uma área estratégica – um campo em que o Capital cresce tanto do ponto de vista de sua valorização, com a oligopolização e financeirização das grandes empresas de educação superior que estão expandindo para o ensino básico e para o mercado editorial, como do ponto de vista de sua capacidade de definir o conteúdo formativo da educação da classe trabalhadora.

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A candidatura não foi capaz de incorporar as principais lutas de docentes, trabalhadores, estudantes e tampouco absorver a crítica dos intelectuais de esquerda às políticas educacionais dos governos dos Partido dos Trabalhadores (PT). Afinal, embora seja necessário, não basta criticar o golpe de 2016 e as medidas de Temer sem uma leitura incisiva das políticas educacionais dos governos de conciliação de classes do PT. Apenas com isso é possível apresentar uma estratégia que enfrente o avanço dos empresários a educação.

Aliás, em suas 220 páginas, não há no programa um balanço sério do que significaram aqueles governos. Neste sentido o programa de Boulos poderia ser o de Hadadd. Vejamos alguns pontos de seu programa para educação:

Citam ao menos 5 vezes o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE – Lei n. 13.005/2014), em todas indicando a necessidade de cumprir suas metas – ora algumas delas especificamente, ora de modo geral. Como se pode ler na passagem:

O nosso governo assumirá no dia 1º de janeiro de 2019, faltando cinco anos e meio para o encerramento da vigência do atual Plano Nacional de Educação. Nesta lei estão inscritos desafios que precisarão do esforço conjunto do governo federal e dos governos estaduais e municipais. A União assumirá as suas responsabilidades redistributivas e supletivas para com a educação básica e se concentrará no cumprimento das metas que são de sua responsabilidade. (Programa Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil – PSOL/PCB)

Esse plano tem sido duramente criticado pelos movimentos e pelos intelectuais do campo da educação nestes últimos 4 anos. Mas a candidatura do PSOL/PCB parece ignorar isso, ou pior, faz um esforço para se afastar das críticas.

E elas não têm vindo de graça, situam-se na denúncia de seu forte teor privatista – desde a influência de grupos burgueses, como o “Movimento Todos Pela Educação”, à alteração do significado de educação pública:

“§ 4º O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do anexo desta lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de Plano Nacional de Educação 2014-2024 financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal” (PNE 2014-2024, Art. 5º).

“Mas… O que propor?”, alguns diriam. Afinal o plano estabelece as metas de universalização da educação, um projeto para educação brasileira. “É uma lei”, diriam outros. Ora, Boulos não propõe a revogação da Base Nacional Comum Curricular, da Reforma do Ensino Médio, da Reforma Trabalhista, do teto de gastos? Por que não propõe também a revogação do PNE?

E a partir daí estabelecer um projeto próprio, classista, para a educação. Retomando o Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, (documento esse elaborado por professores, estudantes, trabalhadores da educação organizados nos movimentos e sindicatos reunidos no II Congresso Nacional da Educação em 1997); e escutando aqueles que não deixaram a perspectiva crítica de lado nos últimos 16 anos. E que tem se reunido no Encontro Nacional de Educação desde 2014, espaço de debate de projetos educacionais e articulação programática das lutas que vem sendo, inclusive, construído arduamente por tendências do PSOL e pelo PCB. Ora, este não seria efetivamente o trabalho de uma candidatura de esquerda num momento de tamanha polarização?

Outros poderiam ainda dizer que o programa de Boulos apresenta outros caminhos para combater a privatização e os interesses empresariais na educação. Afinal a candidatura defende “verbas públicas exclusivamente para educação pública”; “educação não é mercadoria”; “combate a oligopolização do setor”. E assim a candidatura não estaria ignorando as críticas, afastando-se delas e por consequência do enfrentamento ao Capital.

Vejamos então quais medidas são propostas para isso – regulamentação do setor privado e transição das vagas subsidiadas pelo Estado em iniciativa privada para oferta pública. Leiamos as passagens:

“Considerando a obrigação constitucional de regulação do setor privado e o peso que este possui atualmente na oferta do ensino superior, será encaminhado ao Congresso Nacional uma Proposta de Regulação do Setor Educacional Privado

i.Combate a oligopolização do setor; ii. Regulamentação da participação acionária de empresas transnacionais na propriedade de estabelecimentos privados, como parte de uma transição que leve ao seu impedimento;”

“Os recursos públicos atualmente carreados ao FIES já superam o total de gastos com manutenção e desenvolvimento da educação superior do governo federal. Isto é inaceitável. Os últimos dados mostram mais de 41% de inadimplência no programa. Isso significará uma revisão no peso e no formato dos programas ancorados em repasses financeiros ao setor privado, operando uma transição que não provoque descontinuidade nos contratos existentes, após feita a auditoria do funcionamento dos atuais programas, mas que implemente uma dinâmica na qual a prioridade será o investimento público na rede pública

i. Será feita auditoria em todos os programas federais que repassam recursos públicos para o setor privado; ii. Visando defender o direito dos alunos que foram beneficiados pelos atuais programas (PROUNI e FIES) será feita uma transição da oferta subsidiada pelo Estado para a oferta pública; iii. Serão encaminhadas ao Congresso Nacional, no prazo menor possível, normas de regulação do exercício privado da oferta educacional, tendo como fundamento os preceitos constitucionais e a garantia de um padrão de qualidade com remuneração condigna para os trabalhadores do setor; iv. Diante do alto índice de inadimplência no seio da juventude beneficiada com empréstimos do FIES, nosso governo proporá uma moratória de 1 ano para as dívidas estudantis, seguido de um Programa de Refinanciamento das Dívidas a ser discutido com os/as próprios estudantes! Não é justo que os nossos jovens, os que menos oportunidade de emprego possuem em meio a crise, também sejam vítimas de penalizações dos bancos públicos”. (Programa Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil – PSOL/PCB)

Mas não só, o programa ainda indica a criação de 1 milhão de vagas em Universidade Federais como reza o PNE. Em parceria com os Institutos Federais, interiorizando a oferta, estabelecendo um planejamento para oferta pública. Regulações, transições, planejamentos, a criação de uma “dinâmica na qual a prioridade será o investimento público na rede pública”. O que está na prática proposto é um palavrório vago que tem como única função rebaixar o programa e não colocar-se de frente contra o Capital e seus interesses na educação da classe trabalhadora.

É possível ampliar o acesso da classe trabalhadora a educação superior e enfrentar ao mesmo tempo, de modo, incisivo os conglomerados financeiros e empresas educacionais, por exemplo,  expropriar a capacidade instalada e tornar todas as matrículas do ensino superior públicas, vedando de imediato a exploração econômica nesse âmbito e perdoando as dívidas dos empréstimos estudantis subsidiados. O que seria um duro golpe para estas empresas e seus proprietários.

E nada mais justo, afinal sua capacidade de expansão e sua abertura de capitais dependeram em grande medida da apropriação do Fundo Público através de programas como o FIES e ProUni. E em consequência poderia ser vedado também sua entrada na educação básica e no mercado editorial, nacionalizando as editoras de material escolar e colocando-a sob o controle de trabalhadores da educação e estudantes.

Isso indicaria, aproveitando o processo eleitoral, que a esquerda tem respostas sérias e radicais para os dilemas da sociedade brasileira. O que, por sua vez, seria um papel importante para uma candidatura socialista nessa eleição.

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Mas continuemos. O programa ainda trata da recomposição do orçamento em Ciência e Tecnologia, o que poderia lhe render algum crédito. Vejamos:

“É justamente para impedir consolidação de um ambiente de avanço tecnológico e inovação que o Golpe de 2016 ataca centralmente as universidades e a ciência brasileira. Promoveu o fim do “Ministério de Ciência e Tecnologia, e pesados cortes de gastos, inclusive em bolsas e programas inteiros de troca científica. […] Para reverter esse quadro trágico e constituir um projeto de desenvolvimento justo, soberano e sustentável, nosso programa busca articular Ciência e Tecnologia e Inovação com uma ação estatal forte e democrática. ii. Fundamental consolidar o processo de regulamentação e aplicação do Marco Legal da Ciência e Tecnologia, já aprovado pelo Congresso Nacional. iii. Além disso será fundamental elaborar um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em um processo participativo envolvendo comunidade acadêmica, tecido produtivo e a sociedade civil…” (Programa Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil – PSOL/PCB)

Novamente esquecem que a política de cortes nos orçamentos das Universidade Públicas e na área de Ciência e Tecnologia tiveram início em 2014, no governo Dilma – o que só agravou um quadro de recursos que já não eram suficientes para implantar com qualidade a expansão de 2007 nas universidades. Ambos duramente criticados pelo movimento estudantil, por docentes e técnicos administrativos em educação. Os cortes foram combatidos em 2015 com uma grande greve nas universidades. Mas nada disso parece fazer eco no programa.

Além disso, tampouco incorporaram as críticas à política de Inovação que vem tomado o lugar do avanço da produção científica densa em nome da valorização mercadológica de processos e produtos. E ainda reafirma o Marco Legal de Ciência e Tecnologia – outra política duramente criticada pelo movimento docente.

Um último ponto significativo é como o programa de Boulos encara as Conferências Nacionais de Educação. As conferências têm sido seguidamente repudiadas pelos movimentos que se mantiveram críticos aos governos do Partido dos Trabalhadores por ter encapsulado, no seio do Estado, as disputas pela política educacional, dissipando a força das lutas.

O programa tampouco reivindica espaços como o ENE construído por trabalhadores da educação e estudantes como decisivos. Poderia propor que as políticas educacionais e administração da educação em todos os níveis fosse realizado pelos estudantes e trabalhadores da educação, expulsando os tecnocratas e a burocracia do Estado da definição dos rumos da formação da classe trabalhadora.

Nem mesmo o resultado final da Plataforma Vamos, que serviria de base para o programa da coligação, parece ter feito tantos compromissos aos interesses do empresariado. Assim é de se perguntar a que serve esta candidatura se não é capaz de absorver as lutas mais avançadas de nossa classe na educação? Para que se propor disputar e perder uma eleição desta forma? Bom, é certo que não se tratou de apresentar uma alternativa socialista, mostrando a milhões de trabalhadores que a esquerda não se resume ao PT e que pode ter um programa sério e consequente de efetiva transformação social. E isto não é pouco.

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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