Foto: Logo das chapas que concorreram ao DCE, retiradas de suas respectivas páginas no Facebook.
Maria Alice de Carvalho * – Redação UàE – 09/11/2018
No dia 08 de novembro deste ano, tomou posse a chapa eleita pelos estudantes da UFSC para gestionar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) no período 2018-2019, a chapa “Canto Maior”. Esta chapa é composta por uma unidade de esquerda e se propõe a dar continuidade a gestão “Ainda Há Tempo”, a qual compôs o DCE no período 2017-2018.
A chapa “Canto Maior” se elege em um período histórico extremamente complexo. A conjuntura nacional em nosso país apresenta um cenário com o qual os nossos estudantes não possuem familiaridade alguma e, diante da vitória do candidato Jair Bolsonaro para Presidência da República, a chapa “Canto Maior” aparece para os estudantes como a fuga de uma ascensão do ultraconservadorismo também na UFSC, com a possível eleição da chapa “Zero”.
A chapa de unidade de esquerda é eleita, então, neste cenário que propulsiona uma política gerenciada pelo medo e que sequer dependeu muito de campanha nos espaços da universidade. A própria disputa política e acirramento da conjuntura nacional foi suficiente para os estudantes depositarem nas urnas tanto o medo de um DCE que representasse o assalto ao futuro da universidade pública quanto a esperança em uma esquerda que estará disposta a lutar pelo grosso dos estudantes.
Porém, é importante questionarmos aqui: o que mudou no cotidiano dos estudantes e quais lutas foram travadas em defesa daqueles que se encontram nas condições mais precárias possíveis em nossa universidade, após termos sido representados durante um ano por um DCE que se propunha ser de esquerda?
Os estudantes da UFSC foram representados, durante quatro anos, por um DCE de direita e, quando foi eleita a chapa “Ainda Há Tempo” no ano de 2017, essa apareceu como uma vitória do movimento estudantil e, talvez, como uma saída ao imobilismo e apaziguamento das principais lutas que vivenciávamos na universidade. Esperava-se pela apresentação de um projeto de esquerda. E, passado um ano, continua-se esperando.
Cabe mencionar que se os conflitos entre as diversas organizações que compunham a antiga chapa de esquerda já levaram ao estancamento da gestão, agora que o espectro político ampliou com a junção das organizações petistas (Juventude do PT e Juventude Revolução), e quase da União da Juventude Socialista, os conflitos de interesse e posição entre as organizações vão apenas aumentar.
O que foi presenciado durante a gestão de esquerda do DCE foi o movimento e esforço da gestão em transformar as disputas políticas em disputas burocráticas. Diante de problemáticas, as propostas apresentadas limitavam-se à regulamentações e reuniões com reitoria. Inclusive, na reunião do Conselho de Entidade de Bases (CEB) em que foi discutida a repressão da Polícia Militar no campus universitário (07/11) e na reunião do dia seguinte em que foi declarada posse da nova gestão, ficou escancarado que, de fato, essa nova gestão se propõe a dar continuidade à anterior. Principalmente no que tange aos seus esforços em impedir qualquer radicalidade e autonomia do movimento estudantil.
Na reunião do CEB citada, o esforço dos membros da chapa para evitar uma Assembleia Estudantil que discutisse a repressão policial não apenas na universidade, mas na cidade como um todo, foi vergonhoso. A apresentação de um “Regimento de Festas” como saída ao movimento estudantil para garantir o seu lazer na universidade, foi desanimador. A contenção de um movimento de ato que fosse até o gabinete do reitor exigir pronunciamento sobre a PM no campus, em prol de marcar uma audiência avisando antecipadamente o reitor para que este se prepare – estratégia que vem servindo apenas para que os estudantes sejam “ensaboados” pela reitoria e que esta possa sair à francesa -, foi deprimente.
Porém nada disso nos surpreende, até mesmo porque é esta mesma esquerda do movimento estudantil que, em 2015, se reunia pelas costas dos estudantes com a reitora responsável por cercar o campus e por contribuir com o arrefecimento do movimento estudantil.
O movimento estudantil que ocupa os principais espaços de disputa política, às custas do imobilismo dos estudantes independentes, constrói sua prática política não na luta por um projeto de universidade e sociedade, mas sim por interesses partidários e cargos políticos. Um exemplo claro disso foi o quanto a gestão antiga do DCE foi ausente nas principais lutas estudantis, quando precisava-se de um DCE forte, em prol de inflar suas organizações e construir palanque político como ficou explícito na calourada 2018.2 nos campi, onde as mesas de debates eram compostas pelos pré-candidatos das organizações do DCE. As principais lutas do Movimento Estudantil foram travadas ao largo do DCE, como a luta pela Moradia e movimentos como o da ocupação do CCS contra as Organizações Sociais.
O que expressa que essa unidade de esquerda é feita acima de qualquer questão e que eles estão dispostos a qualquer prática, mesmo sendo ela desonesta com os estudantes, para garantir seus interesses específicos.
A chapa de esquerda para o DCE da UFSC foi reeleita, então, através da política do medo e de uma busca para medidas imediatas que apaziguassem o desespero dos estudantes. Porém, precisamos nos questionar se permitiremos que todo o próximo ano que enfrentaremos pela frente se dará dessa mesma forma. Através de uma política que refrea qualquer potencial de radicalidade do movimento estudantil para canalizar sua energia apenas em reatividade ao que já estamos vivenciando, evitando que construamos, de forma lúcida, uma luta por um projeto de universidade que queremos.
O imobilismo dos estudantes capazes de construir um movimento de fato de esquerda, ou seja, que seja radical em sua essência, ameaça essas organizações que se encontram hoje no DCE e em muitos Centros Acadêmicos justamente por não se colocar passivo e colocar em jogo seus interesses e acordos políticos.
O cenário no qual nos encontramos e as lutas que somos convocados a lutar nos próximos anos não dão espaço para que o movimento estudantil despenda suas forças com cooptações, crescimento de partidos políticos e disputa por cargos, como vem sendo nos últimos anos. Continuar nessa prática nos fadará ao fracasso. Cabe a nós, a esquerda do movimento estudantil, decidir então se continuaremos dessa forma ou se de uma vez por todas saíremos desse imobilismo que alguns lutam tanto por manter. Cabe a nós decidirmos se de uma vez por todas retomaremos a radicalidade que o movimento estudantil possui no âmago de sua essência.
Cabe a nós cobrarmos, incansavelmente, essa gestão que se elege como esquerda. E, ainda assim, não depositarmos nela todas as nossas possibilidades de luta política. Devemos continuar disputando e realizando as rigorosas críticas tão fundamentais e ao mesmo tempo tão raras atualmente.
O que difere a luta da categoria estudantil da luta das outras categorias da universidade é exatamente a nossa possibilidade e capacidade de ser radical, independente e de ultrapassar o que já nos está dado. De não simplesmente seguir os trâmites legais e construir nossos horizontes dentro dos muros da burocracia.
Nós não lutamos por aquilo que somos, nós lutamos por aquilo que sonhamos ser.
A luta daqui pra frente será difícil. Será complexa. Cabe a nós decidirmos se estamos dispostos a nos diferenciar, politicamente, dessa “esquerda” que luta pelo imobilismo e colocarmos o movimento coletivo acima do egoísmo e interesses partidários.