Foto: Movimento Contra as EJs
Flora Gomes* – Redação UàE – 29/09/2020
São diversos os fatores empíricos que fazem dos anos na universidade pública um momento extremamente impactante para aqueles que têm a oportunidade de poder experienciá-la. Por ser uma instituição que ainda resguarda potencial crítico, costuma estar banhada constantemente pela efervescência política. Não à toa, pois o movimento estudantil costuma marcar presença frequente na composição de atos, manifestações e greves em diversas cidades. Esses momentos ensinam que os dilemas cotidianos não tem como causa a imediaticidade e as saídas são coletivas. São estas, muitas vezes, as primeiras experiências políticas de muitos. Mas se estamos diante de uma grave situação nas universidades públicas, por quê não estamos verificando uma presença marcante das entidades estudantis como em outros momentos? O que as entidades de base têm feito pelos estudantes? Como a política tem sido pautada nos meses de isolamento social?
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Como afirma Slavoj Zizek, parte do problema é a forma como se organizam as perguntas. As políticas a reboque da reitoria, como têm sido apresentadas pela gestão “Canto Maior”, continuidade da anterior “Ainda Há Tempo”, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e muitas gestões de Centros Acadêmicos (CAs), organizam as coordenadas políticas com base estrita no que é proposto nos espaços institucionais. Após algumas semanas catastróficas com o Ensino Remoto (ER), muitos estudantes têm se perguntado quais outras alternativas poderiam ter sido adotadas. Por que o conjunto dos estudantes sentiu como inevitável a adoção do Ensino Remoto? Por que outras alternativas, que não a redução de danos a partir do que propunha a administração da universidade, não foram amplamente debatidas?
Nos últimos meses, temos visto as entidades de base servindo não como organizadores da luta, mas como órgãos para consulta de opinião ou cadeia de comunicação do que ocorre nos espaços institucionais. Por que essa política nos leva a constantes derrotas?
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Durante o período de isolamento social, muitas direções dos CAs têm generalizado o modelo de pesquisa de opinião do corpo discente, como enquetes, respostas de formulários, etc, como forma de organização geral da política. A consulta aos estudantes do curso não é um problema em si. Entretanto, ela não pode ser o norteador, o fim último, de uma gestão política comprometida com a transformação social. Ao basear-se nisso, a direção da entidade consegue, no máximo, tornar-se uma cadeia de comunicação entre espaços institucionais e o corpo estudantil.Passando informações e adequando alguns detalhes, sem politizar o cotidiano estudantil e, consequentemente, atando as mãos às possibilidades de construir, com a base, resistências ao que a instituição apresenta como única saída.
Uma gestão é eleita não porque se coloca como instrumento de vontades alheias, mas porque sua base confiou no direcionamento político proposto para a entidade. Em um momento como este, no qual os alunos estão extremamente angustiados, as entidades estudantis devem, além de organizar sua base, ter uma posição firme e exata na defesa do interesse geral dos estudantes. Um DCE ou CA relevante para o cotidiano estudantil, principalmente em um momento como este, precisa retomar as questões fundamentais da conjuntura, ainda que a contragosto inicial de membros de sua base.
Frente à incapacidade de construir uma política efetiva, temos visto a generalização da política de “autoconstrução”, de membros das gestões comunicando constantemente aquilo que fazem em nome de suas bases. Do buraco da falência política emerge a construção da autoimagem.
O que permite a construção de vínculo permanente na política, é justamente a possibilidade de transformação constante dos valores com os quais se inicia a vida universitária. As direções das entidades precisam assumir a responsabilidade de construir junto à base o que é fundamental na conjuntura, mesmo que isso signifique a contraposição com as percepções imediatas dos estudantes. Pois, diferentemente de alguns movimentos que crescem e morrem com a conjuntura, as entidades estudantis estabelecem uma memória no espaço no qual se inserem. Isso significa que cada gestão deixa um legado que é transmitido às gerações. Os acertos e erros entram, inevitavelmente, na conta da história.
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