Foto: Victor Tonelli/OECD.
Nina Matos* – Redação UàE – 15/04/2021
Lançadas as orientações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a alguns países da América Latina, a organização segue pautando as diretrizes que seriam “oportunas” para alavancar o desenvolvimento — mas o desenvolvimento de quem? Em qual sentido?
Ao todo, o Going for Growth 2021 promoveu uma análise de 46 países, sendo destes, seis da América Latina — Brasil, Chile, Argentina, Colômbia, México e Costa Rica. Dentre os temas tratados nas orientações a cada país, destaca-se a necessidade de uma gestão eficiente dos gastos, superação de desigualdades sociais e a reorientação da educação para atender às necessidades do mercado de trabalho.
As recomendações, que a princípio podem soar como preocupação genuína, omitem a centralidade dos problemas que a América Latina enfrenta desde que assim passou a ser conhecida. Submetida, primeiro enquanto colônia, agora como economias dependentes constantemente cerceadas frente a qualquer tentativa mínima de subversão dessa lógica — e a OCDE cumpre um importante papel nesse processo.
Tomando os documentos emitidos ao Brasil, os objetivos estão muito claros. A abertura dos relatórios econômicos já demarca o viés de uma “gestão eficiente”, trazendo na capa a mensagem “acelerando as reformas”.
Ao longo da exposição de dados e gráficos sobre desemprego, recessão, previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) e resultados fiscais, a OCDE recomenda “garantir a sustentabilidade fiscal aderindo às regras fiscais atuais, incluindo o teto de gastos”, “revisar as estruturas de remuneração dos funcionários públicos” e “pisos de gastos obrigatórios”, atrelando a tais medidas à aceleração e aumento de concessão de programas sociais, tais quais o Bolsa Família.
O discurso da OCDE muito se assemelha ao discurso da atual gestão econômica do governo Bolsonaro, em que as reformas (nunca ou quase nunca especificadas) seriam o caminho para a recuperação econômica do país. A “gestão eficiente”, portanto, é uma gestão de crises que entrega aos capitais aquilo que desejam para investirem na economia brasileira por algum período. Diminuição de tarifas, restrições de mercado, impostos e uma classe trabalhadora educada para servir ao capital.
Por isso, não ficam de fora as recomendações da OCDE sobre a educação na América Latina. “Habilidades” é a palavra que tende a acompanhar o tema nas recomendações. O argumento central da OCDE é de que as escolas latinoamericanas não preparam crianças e adolescentes para o mercado de trabalho.
Ao apresentar uma correlação entre baixa escolarização e informalidade, a OCDE tenta sugerir que há uma relação de causa e consequência no sentido de que pessoas com menor escolaridade não conseguem empregos formais. Entretanto, deixa de dizer que não é esta a causa direta da informalidade, tendo em vista que ela cumpre um papel específico dentro da economia, reduzindo exigências como salários e condições de trabalho decentes.
Além do mais, a informalidade atinge uma grande parte da classe trabalhadora, inclusive entre aqueles que possuem nível superior. Quanto maior o grau de formação, a expectativa é que o salário seja valorizado, porém, muitos acabam não sendo contratados para funções que esperavam com a longa formação.
Um trágico exemplo é o quadro de professores nas universidades: enquanto nas públicas o perfil tende a docentes doutores com dedicação integral, nas privadas são mestres com dedicação parcial.
Não é à toa, portanto, que entre as recomendações ao Chile a OCDE sugira que o país inverta os investimentos em educação, favorecendo a educação básica em detrimento da superior. Não pelo país possuir mais crianças, mas sim por a OCDE entender que a educação superior não deve ser um direito a todos aqueles que desejarem uma formação mais complexa.
O tema atrela-se com a “gestão eficiente” proposta à América Latina. Cortar os gastos na educação superior, no serviço público, “enxugar o Estado” é colocado como essencial para que o investimento em programas sociais sejam efetivos — discurso idêntico ao de Guedes.
Não há nas recomendações da OCDE nenhuma menção sobre captar mais recursos públicos para aumentar os investimentos em serviços públicos essenciais como saúde, educação, programas sociais diversos e etc. Ao contrário disso, a organização define como estratégia o remanejo, opondo os direitos sociais, como se necessariamente para garantir um o outro precisasse ser sucateado.
Há uma série de armadilhas nos discursos das diversas organizações internacionais quando definem estratégias, recomendações ou expressam suas preocupações com os países da América Latina. São interesses políticos que estão em jogo e que aparecem nas entrelinhas dos documentos, nos termos de cunho progressista empregados para que as orientações soem mais humanizadas e científicas.
Não restam dúvidas de que tais recomendações objetivam manter os países latinoamericanos nas margens do desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, com a anuência dos capitais nacionais — ainda que um ou outro setor da burguesia entrem em conflito para tomar um lugar privilegiado na obtenção de lucros. As saídas econômicas que nós precisamos não serão encontradas nos relatórios produzidos com o dinheiro que de nós é expropriado.
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