Município de São João Batista. Foto: Cristiano Estrela/Secom/Governo do Estado de Santa Catarina

[Opinião] Impacto das fortes chuvas evidenciam a crise urbana e ambiental em Santa Catarina

Maria Helena Vigo – Redação do Universidade à Esquerda – 06/12/2022

Chuvas torrenciais estão ocorrendo em Santa Catarina desde o dia 26 de novembro, atingindo fortemente diversas famílias da classe trabalhadora, em diversas regiões do estado, com inundações, alagamentos, deslizamentos de terra, erosões do solo e interdições de rodovias.

Domingo (4) trinta municípios do estado tiveram situação de emergência reconhecida pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, o que permite acesso a recursos da união para ações de recuperação. São estes:

Araquari, Campo Alegre, Canelinha, Canoinhas, Corupá, Doutor Pedrinho, Garuva, Gaspar, Guaramirim, Itajaí, Itapoá, Jaraguá do Sul, Joinville, Luiz Alves, Mafra, Major Gercino, Massaranduba, Nova Trento, Orleans, Palhoça, Paulo Lopes, Rio dos Cedros, Rio Negrinho, Rodeio, Santo Amaro da Imperatriz, São Bento do Sul, Schroeder, Tijucas, Timbó, Três Barras.

No entanto, os decretos de situação de emergência foram realizados também por outras prefeituras, como Águas Mornas, Anitápolis, Antônio Carlos, Armazém, Benedito Novo, Biguaçu, Brusque, Florianópolis, Rancho Queimado e São José.

Segundo o site Brasil 61, até a tarde do dia 4, a última atualização da defesa civil era de que 60 cidades catarinenses haviam registrado ocorrências em função das chuvas.

Nesta segunda (5), ocorreu uma reunião do Fórum Parlamentar de Santa Catarina para tratar dos danos nas cidades diante das fortes chuvas. Nela estiveram presentes o governador Carlos Moisés, o ministro do Desenvolvimento Regional Daniel Ferreira e o secretário nacional da Proteção e Defesa Civil, Coronel Alexandre. 

Segundo a colunista Dagmara Spautz, do jornal NSC, o prefeito de São João Batista, Pedro Ramos, saiu da reunião aos gritos, diante da morosidade com os problemas decorrentes das chuvas. A cidade ficou praticamente toda embaixo d’água, mais de 10 mil pessoas ficaram desalojadas, desabrigadas ou ilhadas apenas neste município e sequer havia ocorrido fornecimento de água aos atingidos.

A previsão é que a chuva perdure no estado até pelo menos o dia 8 de dezembro, quinta-feira, gerando uma apreensão quanto a novos incidentes.

É importante lembrar que em setembro deste ano foi anunciado um corte de 99% dos recursos para mitigação de desastres naturais para o ano de 2023, caindo de R$ 2,8 milhões para R$ 25 mil reais. Já os recursos para execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas, foi cortado em 94%, indo de quase R$ 54 milhões para R$ 2,7 milhões.

Vidas perdidas e inúmeros danos materiais para as famílias trabalhadoras

Pelo menos quatro mortes foram registradas: um homem foi soterrado por um deslizamento no quintal de casa, em Brusque, e outro faleceu eletrocutado no município de Palhoça. Duas vítimas foram levadas pelas águas e foram encontradas após quatro dias, no último domingo (04/12): um homem que foi arrastado pelo rio que transbordou em São Joaquim, enquanto tentava atravessar uma ponte na fronteira com o Rio Grande do Sul; o outro foi o bombeiro Tiago José Teodoro, no município de Navegantes, que desapareceu após o barco em que estava realizando o socorro de vítimas da enchente virar no rio Itajaí.

Cidades inteiras ficaram embaixo d’água, assim, além das inúmeras famílias desabrigadas e desalojadas com as enchentes e os deslizamentos, há aquelas que ainda que possam retornar para suas casas, precisam lidar com uma série de pertences danificados pela água, sendo necessário readquirir móveis, eletrodomésticos, roupas, alimentos, entre outros bens pessoais. Além de terem tido contato com uma água insalubre, que pode causar problemas e doenças muitas vezes subestimadas.

Na capital, regiões que não costumam sofrer com inundações foram atingidas, casas tiveram perdas de parte de suas estruturas e até mesmo a Universidade Federal de Santa Catarina teve alagamentos em diversos centros de ensino.

Nos arredores da terra indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, houveram deslizamentos de terra e transbordamentos de rios e cachoeiras que interditaram a rodovia BR 101 e afetaram famílias da comunidade Tekoa Yakã Porã.

Municípios do interior da região metropolitana de Florianópolis foram fortemente atingidos e diversos deles tiveram inundações em quase todo o seu território.

O município de Angelina teve todos os seus bairros atingidos com inundações, deslizamentos, abertura de crateras, perda de pontes. Em um deslizamento que atingiu três casas, houveram três feridos e uma pessoa soterrada que foi socorrida. Até a sexta (2) o acesso ao município estava inviável em função de barreiras de terra, assim como alguns bairros se encontravam isolados e o mesmo se encontrava sem água e luz desde quarta-feira (30).

No município de Santo Amaro da Imperatriz houveram mais de 50 deslizamentos de terra e 94% das casas do município ficaram sem luz após as inundações da semana passada. Com o retorno das chuvas no domingo (04), o município voltou a ficar debaixo d’água e a BR 282 ficou interditada no trecho entre Santo Amaro e Rancho Queimado.

Na fronteira entre o município de Corupá e São Bento do Sul, uma erosão do solo abriu uma cratera de 15 metros na BR 280, na manhã desta segunda (5).

A prefeitura de São José se aproveitou da difícil situação para realizar o despejo de 50 famílias que viviam na ocupação Vale dos Palmares na manhã de ontem, sem reassentamento, fazendo uso da cavalaria e de forte aparato policial.

Diversas ações visando ações de recuperação e campanhas de solidariedade vêm sendo realizadas por prefeituras, ONGs, instituições religiosas, movimentos sociais e organizações de esquerda nos diversos municípios.

Apenas um fenômeno climático?

As chuvas persistentes e volumosas, nas quais o acumulado de água em poucos dias é muito maior do que a média prevista para o mês, são explicadas por fenômenos climáticos como a circulação marítima, ciclones, entre outros. 

No entanto, é preciso colocar em questão quais os investimentos, e de que forma são feitos, em infraestrutura básica, como saneamento, coleta de lixo, permeabilidade dos solos e outros cuidados estruturais no conjunto das cidades, que poderiam permitir que o impacto desses eventos ambientais fossem contidos.

Isto é refletir sobre o que se estabelece como modelo de cidade, quais as prioridades que se estabelecem na infraestrutura dessas diante das demandas de circulação e reprodução do capital em determinadas localidades. 

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Por exemplo, em uma cidade como Florianópolis, se prioriza um projeto como o “asfaltaço” promovido pelo ex-prefeito Gean Loureiro, em diversas vias do município; a revisão de um plano diretor que busca quebrar diversas barreiras que dizem respeito à proteção e ambiental; o alargamento das faixas de areia de uma série de praias, entre outros projetos de “modernização” da cidade. 

Enquanto isso, as famílias mais pauperizadas são cada vez mais empurradas para os morros e encostas, para os bairros mais afastados das regiões centrais, ou mesmo para os municípios do interior. É uma cidade cada vez mais aburguesada para os propósitos do turismo e para receber os negócios “inovadores”, vendida como grande polo tecnológico, com inúmeras atrações culturais e de lazer, até mesmo gratuitas, enquanto as condições de vida seguem deteriorando-se e o “novo” asfalto vai perdendo o seu brilho na primeira chuva mais intensa que acontece.

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Aqui se passa também pela reflexão sobre a especulação imobiliária e a alta dos aluguéis, que leva tanto ao aumento de grandes construções sem qualquer preocupação com o impacto ambiental e urbano que proporcionam, quanto jogam as famílias mais pauperizadas para os lugares com menor infraestrutura e por vezes, com eminente condição de risco.

Além disso, é preciso considerar também os efeitos da privatização e terceirização de serviços públicos que são fundamentais para o fornecimento de serviços básicos à população.

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Em Florianópolis, a Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), que faz a coleta de lixo, resíduos, entre outros diversos serviços de manutenção urbana, vêm sofrendo um forte ataque da prefeitura, desde a mudança que transformou a empresa pública em uma autarquia, à implementação de serviços de coleta por empresas terceirizadas em algumas regiões da cidade. 

As terceirizadas já foram denunciadas por inadequado descarte de chorume, por não oferecer equipamentos adequados aos seus trabalhadores para a realização da coleta, por mal realização desse serviço e agora, nas chuvas recentes, moradores registraram que estas empresas não mantiveram regularmente os serviços nos bairros que atendem, enquanto a Comcap seguiu fazendo um importante trabalho de recolhimento, mesmo com enchentes, que permitiu evitar que os impactos das chuvas fossem ainda maiores.

Assim, é preciso colocar em questão como muitos destes desastres urbanos, que ganham corpo durante condições climáticas adversas, dizem respeito a como o modo de vida capitalista negligência aquilo que é o necessário para garantir qualidade de vida e segurança nos locais de moradia e trabalho das famílias que precisam se submeter à venda de sua força de trabalho, das mais pauperizadas às mais pequeno aburguesadas.

Afinal, as catástrofes com chuvas têm sido frequentes em diversas regiões do país. O estado do Espírito Santo e do Sergipe também também estão sentindo os efeitos das fortes chuvas nesse início de dezembro. Petrópolis, no Rio de Janeiro, sofreu com trágicos deslizamentos no início do ano, resultando em mais de 200 mortes. Santa Catarina tem problemas recorrentes com inundações e alagamentos e periodicamente essas tomam grandes proporções, como no ano de 2008, em que ocorreram 114 mortes e houveram mais de 27 mil desabrigados e mais de 50 mil desalojados em todo o estado.

Em abril deste ano, o jornal Universidade à Esquerda e a Efop Vânia Bambirra realizaram um debate com o professor Cláudio Ribeiro sobre a Crise ambiental e urbana em nosso país. Confira o debate na íntegra no youtube.

 

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