EaD
Imagem: Montagem por UFSC à Esquerda com base na foto de Henrique Almeida Agecom/UFSC.

[Opinião] Minuta em discussão na UFSC pretende regulamentar EAD nos cursos presenciais – posição do EED

Imagem: Montagem por UFSC à Esquerda com base na foto de Henrique Almeida Agecom/UFSC.

Leila Regina – Redação UFSC à Esquerda – 27/10/2021

A Universidade Federal de Santa Catariana – UFSC, tem discutido em seus órgãos colegiados uma minuta que pretende regulamentar a carga horária em ensino a distância (EaD) nos cursos presenciais da UFSC (Processo 23080.027960/2021-11). A minuta foi enviada pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)  a Câmara de Graduação (CGrad), mas esta nesse momento em debate em alguns departamentos e centros de ensino.

Esta regulamentação da UFSC se apoia na portaria do Ministério da Educação – MEC, nº 2.117 de 06 de dezembro de 2009, que dispões sobre a carga horária de EaD em cursos de graduação presenciais. A UFSC por meio da PROGRAD em outubro de 2009 designou comissão para elaborar regulamentação para os cursos de graduação da UFSC. A comissão encaminhou em julho de 2021 a proposta de resolução normativa ao Pró-reitor de graduação que encaminhou em seguida para a Câmara de Graduação, há no processo relato de agosto de 2021 favorável a aprovação da minuta.

Entretanto a minuta não foi votada na câmara ainda e foi encaminhada para discussão nos centros de ensino, vários centros tem feito a discussão e neste dia 26/10 o Colegiado do Departamento de Estudos Especializados em Educação (EED) do Centro de Ciências da Educação (CED) divulgou a posição do departamento.

Na posição divulgada o EED faz uma série de questionamentos, um dos pontos levantados é que as atividades não presenciais realizadas nos últimos semestres por conta da pandemia  tiveram um caráter “emergência” devido as contingências de saúde pública, desta maneira elas teriam um caráter provisório.

Esse argumento da posição é importante para questionarmos a tentativa de “aproveitar” a pandemia para passar medidas que foram definidas como emergências em práticas permanentes em nossa vida universitária, sem sequer uma avaliação rigorosa da experiência que estamos tento, e sem considerar os prejuízos que sabemos que o ensino não presencial tem tido na aprendizagem dos estudantes.

A nota destaca ainda a importância da vivência no campus e destaca o “empresariamento” e “platafromização” da educação, como questões conjunturais que tem prejudicado a qualidade do ensino. É defendido que esta minuta levaria a uma fragmentação e fragilização da formação, trazendo também dificuldades para organização da vida estudantil. É feita uma defesa por um uso crítico das tecnologias e não um uso meramente instrumental. Além de citar a precarização do trabalho docente prevista na minuta que não prevê garantia de infraestrutura para esta modalidade e tem a previsão da existência de tutores, o que certamente divide a carreira docente.

A minuta prevê uma mudança estrutural na formação e nos projetos pedagógicos do curso, antecipa propostas de ensino hibrido e mudanças presentes no Reuni Digital. O conjunto das propostas de alterações nas universidades tem gradualmente, implementado mudanças no próprio sentido da universidade e descaracterizando sua função primordial. Essa constatação é ainda piorada quando pensamos que elas são feitas em um contexto de cortes orçamentários, o que só confirma a hipótese da existência de um projeto de sucateamento da educação superior pública no país.

A posição do EED finaliza assim:

Por fim, avaliamos que a Minuta de Resolução é totalmente inadequada para a formação numa universidade pública que preza pela qualidade formativa, nos posicionando contrários a minuta em questão.

 

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O Diretório Central dos estudantes (DCE) já discutiu a minuta no Conselho de Entidades de Base (CEB) do dia 10/09, a posição do CEB foi de rechaço completo da minuta e de qualquer proposta de implementação do EaD em cursos presenciais. Assim, o movimento estudantil da UFSC já se posicionou contrário ao EaD nos cursos presenciais.

A Associação de pós-graduandos da UFSC – APG e outros Centros Acadêmicos também promoveram uma aula magna realizada em 09/09 com o tema: “Contra a Universidade Fictícia: do ensino digital à privatização!” para debater esse projeto para o ensino superior público brasileiro. Você pode conferir como foi o debate AQUI.

A universidade não pode aderir de forma acrítica a qualquer ditame do interesse dos grandes capitais. Para manter inclusive esse papel de crítica é que se faz necessário defender os cursos totalmente presenciais e manter a vigilância sobre a naturalização da adoção dos recursos usados de forma emergencial em nosso cotidiano de forma permanente. Que a posição do EED e dos estudantes da UFSC circulem e possam embasar um posicionamento coerente e responsável da universidade na defesa da educação superior de qualidade.

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Leia a íntegra da posição do EED sobre a Minuta de Resolução de EAD nos cursos presenciais da UFSC, retirada em reunião de Colegiado:

 Posição do EED/CED sobre a Minuta de Resolução Normativa para regulamentar de Carga Horária em EAD nos Cursos Presenciais da UFSC.

Tendo em vista a Minuta de Resolução Normativa enviada pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), que procura regulamentar a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância (EaD) nos cursos presenciais de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, o Colegiado do Departamento de Estudos Especializados em Educação tece as seguintes questões e considerações:

  1. Por que a administração central da UFSC está fazendo a opção pela EaD nesse momento?
  2. Por que fazer uma proposição como esta que altera a modalidade de oferta dos cursos de graduação presenciais, sem o tempo necessário para o debate amplo entre professores e estudantes?
  3. Quais as consequências desta Resolução para o ensino, para o currículo dos cursos presenciais e para a vida acadêmica?

Em virtude da necessidade de isolamento social advinda da pandemia da Covid-19, estamos iniciando o quarto semestre no formato remoto, portanto, todos nós (professores e estudantes) estamos vivenciando uma experiência de atividades não presenciais, via encontros síncronos e assíncronos. Tal experiência deve ser registrada e avaliada de forma ampla e profunda (considerando os índices de evasão, trancamento e matrícula em ZZD2020, bem como os resultados em termos de aprendizagens) antes de fazermos

quaisquer alterações que as tornem permanentes.

Após quase dois anos sem frequentar o campus universitário, observando-o praticamente abandonado sem a presença da sua comunidade, consideramos que a vivência no campus é uma das mais importantes experiências que um/a jovem universitário/a tem em sua vida; o campus não se restringe às salas de aulas e aos conteúdos do currículo; é muito mais do que isso! É espaço de troca, de debates, de atividades artísticas e culturais, de alimentação, de estudo, de interdisciplinaridade, de experiência intergeracional e de convívio com as diferenças. Objetivamos uma formação que amplie os horizontes e nosso próprio processo de humanização.

Durante a pandemia, passamos a desenvolver nosso trabalho mediados pelas plataformas digitais. Contamos com a plataforma Moodle, customizada e gerenciada pela UFSC e todas as suas possibilidades (e também limites, dada a falta de investimento), mas também assistimos a entrada das empresas de tecnologia (Google e Microsoft) e os gastos dos parcos recursos públicos investidos nestas mega empresas, resultando no empresariamento da educação e no compartilhamento dos nossos dados sem sabermos o que será feito com os mesmos.

Antes dessa discussão proposta na Minuta de Resolução, deveríamos estar problematizando: a UFSC, como toda universidade pública, deveria produzir tecnologia e não se sujeitar ao uso de tecnologias de corporações como Google e Microsoft. Nessa direção, caminha-se para um processo de “plataformização” da educação, o que agrada aos reformadores empresariais da educação tanto no ensino superior quanto na Educação Básica. Ademais, uma coisa é usar tecnologias nos cursos presenciais como recurso; outra é transformar e reduzir a formação presencial em EaD. É a ressignificação do que é o ensino presencial. A formação acadêmica deve estar sintonizada com o uso crítico das tecnologias. Tecnologia essa que se pauta por conteúdos sistematizados e integrados às diversas disciplinas de um currículo, visando uma formação crítica para uso das mesmas e não apenas o uso instrumental.

Todos estamos sentindo como é difícil gerenciar as tecnologias – a Resolução Normativa não prevê nenhum apoio ou infraestrutura aos/às professores/as que vão ter que continuar a fazer e bancar financeiramente toda a produção e gestão das tecnologias. Isso acentua a precarização do nosso trabalho, o que não será minimizado com a atribuição de uma hora a mais no semestre.

Outro agravante é com relação aos tutores mencionados na Minuta, não temos elementos concretos para garantir que estes serão contratados, em qual quantidade, com que formação e com quais recursos.

Vivemos momentos difíceis na educação pública brasileira, em particular nas universidades, dados os crescentes cortes orçamentários. Sabemos que o ensino à distância, como transposição do ensino presencial – que já seria uma visão limitadora do que deveria ser a EaD – pode ser um meio de diminuir os gastos e representar uma economia nos recursos públicos. Entretanto, a natureza da universidade é formativa e não pode buscar alternativas econômicas que tragam prejuízos à qualidade da educação.

A modalidade à distância favorece a reprodução e o empacotamento dos conteúdos. Para que isso não aconteça são necessárias estruturas de produção e acompanhamento pedagógico permanentes.

Em síntese, dialogando com a Minuta da Resolução Normativa encaminhada pela PROGRAD, fazemos as seguintes ponderações:

  1. i) A possibilidade de oferta de disciplina integralmente a distância em curso presencial (Art. 6º) nos parece um contrassenso óbvio. Provavelmente os efeitos se refletirão especialmente sobre disciplinas de natureza teórica. Soa no mínimo estranha a formulação do Art. 3º, quando menciona que “a distância” garante a presencialidade e o processo de ensino-aprendizagem. O Art. 4º refere-se ao curso presencial com disciplinas integralmente à distância, então o curso deixará de ser presencial, passando para a modalidade semi-presencial, o que assinala uma alteração estrutural na formação e nos Projetos Pedagógicos dos Cursos;
  2. ii) A previsão de mais uma alteração no Projeto Pedagógico dos Cursos (Art. 9º), concomitante a outras alterações (Res. 02/2019; Curricularização da Extensão, etc.), sem que haja menção recíproca entre elas, prenuncia um descaso com a formação oferecida pela instituição;

iii) A Minuta induz uma perspectiva pedagógica para os cursos ao se referir às “habilidades e competências” (conforme os Artigos 11º e 18º), secundarizando ou até mesmo negando a universidade como espaço de difusão do conhecimento e da formação de mais alto nível. Em síntese, a Minuta fere a autonomia dos cursos e sustenta-se em referências aderentes à pedagógica hegemônica do capital;

  1. iv) A responsabilização da Unidade de Ensino (Centro) pela garantia de disponibilização de infraestrutura adequada para os estudantes (Art. 12 º) é absolutamente imprópria, considerando as suas limitações em termos administrativos e principalmente orçamentários;
  2. v) A exigência de formação específica de professores/as para atuar em disciplinas com carga horária EaD, especialmente substitutos/as (§4º do Art. 15 º) apresenta-se como mais um obstáculo à garantia da oferta dessas disciplinas, independentemente do contexto relacionado ao afastamento do docente efetivo, seja por saúde ou para formação;
  3. vi) Não temos entendimento suficiente sobre “disciplinas financiadas” (Art.21 º), salvo nossa ignorância, é cabível uma séria e problematizadora interrogação a esse respeito;

vii) A combinação de disciplinas presenciais, semi-presenciais e totalmente a distância num único curso significa fragmentação e fragilização da formação, sem mencionar as dificuldades de ordem prática para a organização da vida estudantil. A fragmentação também se observa na diferenciação entre professores, o que não é salutar. Avaliamos ser uma forma de incentivar a implementação do ensino híbrido e uma preparação para o Reuni Digital, criando uma discriminação entre os docentes. Além disso, os custos do trabalho na modalidade à distância são do professor e dos estudantes na aquisição e manutenção das tecnologias;

viii) O Art. 10 º regula que os projetos dos cursos definirão quais disciplinas serão a distância, o que nos leva à seguinte preocupação: Quais serão os critérios para tal definição? Os professores individualmente escolherão a modalidade à distância?

Por fim, avaliamos que a Minuta de Resolução é totalmente inadequada para a formação numa universidade pública que preza pela qualidade formativa, nos posicionando contrários a minuta em questão.

Florianópolis, 26 de outubro de 2021.

Colegiado do Departamento de Estudos Especializados em Educação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (EED/CED/UFSC)

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