Ana Júlia e Maria Alice de Carvalho *- Redação UàE – 04/05/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
No dia 29 de abril, em nova Portaria Normativa (359), o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) anunciou novamente a suspensão do calendário acadêmico, prorrogando até o dia 31 de maio todas as atividades da universidade, com exceção dos setores de saúde e segurança. Essa foi a terceira vez que o semestre é adiado para um mês posterior, sem que nenhuma informação adicional seja transmitida à comunidade acadêmica.
Essas medidas de suspensão estão sendo tomadas, segundo o documento, priorizando “o isolamento social como elemento essencial à redução de propagação e contaminação pelo COVID-19”; e com esse ponto temos total acordo, pois não há razão para que se continue o funcionamento “normal” das universidades, que reúnem um grande número de pessoas cotidianamente, no momento em precisamos conter o avanço da disseminação do COVID-19.
Ao mesmo tempo, em documento enviado pela reitoria aos Diretores dos Centros de Ensino no dia 23 de abril, o Grupo de Trabalho da reitoria, junto à PRODGESP , PROGRAD, PROPESQ e PROPG, propôs um planejamento de retorno gradativo das aulas, de forma emergencial, para conseguir a todo e qualquer custo realizar o 1º semestre letivo. Com o objetivo de “pensar fora da caixa” e entendendo que “a universidade deverá se adaptar à nova realidade de isolamento social e de retomada das atividades”, as propostas de ações da universidade durante a pandemia proporiam o ensino remoto emergencial para a turmas de graduação e de pós-graduação, com diminuição do número de semanas para conclusão dos semestres.
Sobre o assunto, o movimento estudantil parece também não apresentar nenhuma saída. Em Conselho de Entidades de Base (CEB) no dia 27 de abril, a proposta apresentada pelo mesmo foi de que o “CEB entende que não há condições para aulas (sejam presenciais ou EàD), evitando prejuízos aos estudantes; defende a garantia da manutenção de contratos, programas, auxílios; cobrança perante a reitoria sobre a posição da ANDIFES em relação a suspensão; participação da comunidade universitária no processo de tomada de decisão acerca do retorno das atividades”, ou seja, preferem dar um passo atrás, se resguardando de uma posição mais direta, e aguardar o posicionamento de outras instituições sobre o assunto.
Como tem sido em outras universidades públicas do país?
Tomamos como exemplo a UFSC, porém nas outras universidade a situação não se difere. Apesar de todas as universidades públicas estarem mantendo a suspensão das atividades presenciais como forma de prevenção à pandemia, a maioria se encontra preocupada em preparar um plano de retorno gradativo das aulas, estendendo o calendário do 1º semestre letivo, diminuindo o número de dias letivos previstos para realização dos semestres e readaptando suas disciplinas ao formato de atividades remotas. Assim como na UFSC, todas permanecem de mês em mês renovando a suspensão do semestre.
A UNICAMP, por exemplo, que foi a primeira universidade pública a suspender as aulas como prevenção ao COVID-19, em 13 de março, já estendeu seu calendário acadêmico até 31 de agosto e planeja retomar as atividades com 97,5% das disciplinas dos cursos de graduação replanejadas na forma de atividades remotas emergencial, de forma parcial ou total, para finalizar as atividades letivas no prazo. De acordo com o reitor Marcelo Knobel, o objetivo é evitar o excesso de estudantes em aulas e laboratórios.
Em algumas universidades públicas, o ensino remoto está ocorrendo desde o início da suspensão das atividades presenciais. Na UFSM os professores podem sugerir atividades remotas à distância, que podem ser recuperadas por estudantes sem acesso à internet mais tarde; na UFRGS, a continuidade de aulas em regime remoto ficou a critério das comissões de graduação de cada curso, sem uma política única de enfrentamento à pandemia e de manutenção da qualidade do ensino e de realização de pesquisa. Na PUCRS as aulas seguem ocorrendo “normalmente” de forma remota por tempo indeterminado.
Qual é o melhor para o futuro das universidades e de seus estudantes?
Um primeiro passo para chegar a uma conclusão mais certeira sobre o que precisa acontecer com as universidades é pensar sobre a seguinte questão: por que se manteria o semestre neste momento? Qual o compromisso das universidades e qual a urgência em completar o semestre letivo a todo custo?
Por parte das reitorias das universidade públicas, compreende-se que o cancelamento pode resultar em devolução de uma parte do orçamento recebido para o semestre, bem como processos judiciais, tendo em vista que o próprio ministro da educação, Abraham Weintraub, já ameaçou que reduzirá os recursos daquelas universidades que não retornarem às aulas. Porém, essa dinâmica de cortes no orçamento já estava imposta antes da chegada da pandemia ao país; e não passa de mais uma das ameaças que buscam mistificar a principal razão da diminuição dos repasses do orçamento da educação para as universidades.
O reitor da UNICAMP, Knobel, em sua afirmação de que “o objetivo é evitar o excesso de estudantes em aulas e laboratórios”, demonstra como a preocupação é muito mais com a garantia da realização de um semestre a qualquer custo, do que com a qualidade da formação de seus estudantes.
Imaginem como uma aula de laboratório, a qual depende do manuseio de equipamentos, pode ser substituída por uma aula online? Ou, até mesmo, como um semestre de aulas práticas pode ser substituído por reposições em dois meses com diminuição de conteúdos (pensando que as aulas poderiam ser repostas no período de junho e julho)? Para aqueles que se preocupam com a formação séria e de qualidade, nenhuma dessas substituições emergenciais e desesperadas podem dar lugar a uma formação universitária.
Sabemos que há alguns estudantes que se preocupam em se formar e que, próximos disso, o cancelamento representaria um atraso no ano de formação. Porém, muito mais prejudicial, é a diminuição de uma parte significativa de conteúdo, que nos últimos anos da formação, com as disciplinas mais específicas e com estágios curriculares importantes, significa a precarização de uma das partes mais decisivas do curso, em que se desenha quais os rumos possíveis depois da conclusão deste.
Sendo assim, por parte dos estudantes, e deveria ser também das reitorias, não há razão alguma para a defesa de “empurrar o semestre com a barriga” apenas para garantir que alguns dos estudantes no fim do semestre obtenham um diploma, pois a universidade não é o local de distribuição de certificações, mas o local onde faremos nossa relação com o conhecimento científico, com outras pessoas, com a pesquisa, com os debates sérios, com formulações de teorias e desenvolvimento de tecnologias.
Imaginem calouros que acabaram de entrar na universidade e que necessitam da mediação do professor para criar laços tanto entre si quanto com a universidade, e que terão apenas um começo conturbado e totalmente diferente de seus outros colegas, sem passar por experiências importantes de iniciação, como debates em sala de aula, momentos de lazer, festas e outros espaços formativos para além das salas de aula.
É preciso exigir das universidades tudo aquilo que elas têm como objetivo a nos oferecer, como citado acima, e que caracteriza-se como uma formação completa, não apenas uma certificação de que fizemos um curso. Por isso, defender o cancelamento do primeiro semestre é o mais sóbrio a ser defendido. Apoiar-se na suspensão indefinida do calendário acadêmico e iniciar o preparo de um semestre fictício para dizer que houve o primeiro semestre do ano é defender que as aulas cotidianas e presenciais não têm valor algum, que prevalece um certificado a uma formação de qualidade.
Soma a isso o fato de que a incerteza sobre o possível retorno desse semestre é prejudicial àqueles estudantes que têm se mantido longe de suas cidades de origem, pagando aluguéis exorbitantes, pois as reitorias ainda não tomaram a decisão de cancelar o semestre e indicam que este pode voltar a qualquer momento. Se fosse cancelado o semestre, esses estudantes poderiam economizar alguns meses de aluguel, o que os auxiliaria a voltar no próximo semestre e poder sobreviver à crise que vai, com certeza, prejudicar a permanência dos mesmos nas universidades.
Portanto, o melhor para o futuro das universidades e de seus estudantes, no momento, não é se adaptar ao “novo” normal, como afirmou o reitor da UFSC Ubaldo Balthazar, que ainda nem é de nosso conhecimento, mas sim compreender que para que não percamos aquilo de mais fundamental em nossas instituições, o necessário agora é exigir o cancelamento do semestre, para que possamos dedicar o momento atual para conhecer qual será a possibilidade de um “normal” pós pandemia e, assim, voltar para a convivência e construção de conhecimento na universidade.
*O texto é de responsabilidade das autoras e pode não refletir a opinião do jornal.
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