Marcos Meira para UàE – 20/03/2018
O Gabinete da Reitoria da UFSC recusou-se a declarar luto pela execução de Anderson e Marielle. No texto publicado ontem (20), Ella Zara argumentou sobre o pedido formulado pelo Coletivo UFSC à Esquerda e ignorado pelo Gabinete do prof. Ubaldo:
“O documento protocolado diretamente no Gabinete do Reitor é simplesmente um pedido de declaração de luto. Concretamente, isso significaria baixar a bandeira da universidade à meio mastro e deixar um oficio explicativo aos passantes. Algo muito simples, mas com uma mensagem poderosa: a universidade se importa com essa vida e com o significado de sua execução para toda a sociedade brasileira”.
O silêncio que se seguiu ao pedido não é apenas a ignorância diante dos acontecimentos. Afinal, a execução de Anderson e Marielle estampou os principais jornais do país, mobilizou sessão especial da Câmara dos Deputados, levou milhares de pessoas às ruas – somente em Florianópolis, foram pelo menos 5 mil pessoas – além de reverberar no cenário internacional de forma contundente, os parlamentos em praticamente toda a América Latina fizeram tributos à Marielle e ponderaram sobre a situação da democracia e da proteção aos direitos civis e humanos no Brasil; o parlamento comum europeu debateu a suspensão das negociações comerciais com o Brasil e ponderou a dramática situação do Brasil nas relações exteriores; a imprensa internacional repercute diariamente o acontecimento e relembras centenas de execuções políticas ocorridas no país nos últimos anos. Não há como declarar ignorância diante dos fatos. O silêncio do Gabinete é uma escolha política: para essa classe dirigente, algumas vidas parecem importar muito mais que outras.
Isso denota a perda de importância que a UFSC vem sofrendo diante da sociedade catarinense e do conjunto da vida nacional. A ascensão da universidade nos rankings mais variados não tem significado que a UFSC cumpra maior papel intelectual. Ao contrário, a UFSC tem se posicionado cada vez menos, e a reitoria é grande causa disto. Afinal, antes de ser um zelador ou empreendedor, o que se espera de um Reitor de uma das maiores instituições de educação superior da América Latina é que ele seja a expressão intelectual máxima do espírito universitário. O Reitor tem que ser a imagem vigorosa da capacidade dessa instituição de colocar os questionamentos, a crítica e perguntas sobre nosso modo de vida e nossos futuros.
Portanto, o silêncio que ecoa do gabinete diante de um dos maiores acontecimentos do tempo presente mostra que aqueles que estão lá não são e não serão a expressão deste vigor intelectual.
Após as críticas do texto publicado ontem, a Reitoria nos encaminhou mensagem afirmando que o decreto de luto seria uma prerrogativa da Presidência da República. O Coletivo jamais pediu um decreto, pedimos uma declaração. Pedimos o hasteamento da bandeira da universidade à meio mastro. Pedimos um posicionamento político da Universidade.
Difícil acreditar na incapacidade de interpretação textual. A inação da reitoria é a expressão pro tempore da falta de liderança política e intelectiva.
Para nossa comunidade universitária resta apenas contemplar e sonhar com uma reitoria capaz de se posicionar sobre os grandes temas que nos tocam. E que, por enquanto, podemos vislumbrar no exemplo magnífico do Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher. No mesmo dia 15, último, no qual protocolamos o pedido de declaração de luto, a reitoria da UFRJ imediatamente determinou 3 dias de luto oficial. Em nota, o reitor afirmou:
“O brutal e covarde assassinato de Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes nos provoca profunda consternação, tristeza e indignação. A UFRJ é solidária à família, às amigas e aos amigos, às companheiras e aos companheiros e aos que tinham em seu mandato um lugar de fala, de luta e esperança contra as injustiças sociais, a desigualdade, o racismo e as múltiplas expressões do machismo.” […] “A Reitoria declara luto oficial de três dias”.
Só podemos sonhar com uma reitoria verdadeiramente comprometida com toda a sociedade (e não apenas uma parte dela). E esperar que esse sonho atravesse as urnas nestas eleições.