Projeto de badminton inclusivo em escola regular na Zona Oeste de Natal (RN) Foto: Marcello Nicolato/Diversa

[Opinião] “Nova” política educacional permite retorno das escolas especiais

Projeto de badminton inclusivo em escola regular na Zona Oeste de Natal (RN) Foto: Marcello Nicolato/Diversa

Nina Matos* – Redação Universidade à Esquerda – 07/10/2020

No dia 30 de setembro, Bolsonaro assinou o Decreto nº 10.502 que “institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida” (PNEE). Em uma canetada, o presidente finda com a obrigatoriedade de que todas as escolas sejam inclusivas, abrindo precedentes para que estudantes com deficiência possam ser recusados em escolas regulares.

Ao longo de todo o texto da PNEE, o que se percebe é uma “pseudoingenuidade” de que a melhor política é uma que trabalhe uma suposta liberdade de escolha, entre permitir a inclusão de estudantes com deficiência à escolas regulares ou manter em um ambiente que possa oferecer cuidados especiais.

Há algumas emboscadas que tal política enrasca famílias e estudantes com deficiência. A primeira é a consequência dentro das próprias escolas regulares, a segunda é a consequência no maior âmbito da sociedade.

Num primeiro momento, podemos pensar ser muito mais vantajoso ter a possibilidade de escolher onde matricular a criança/adolescente, se numa escola especial ou regular. Contudo, o que muitas famílias enfrentam hoje são escolas que desincentivam a permanência de estudantes com deficiência, seja por discursos acentuando que numa escola especial ele receberia uma melhor educação, seja pela ineficiência no combate ao bullying, etc.

Soa como uma profunda ignorância com a realidade vivida pelas pessoas com deficiência que esse ideário de “liberdade de escolha” seja considerado como intrínseco em nossa sociedade a ponto de não precisar de políticas que garantam com firmeza a adequação de todas as escolas às necessidades específicas que cada deficiência traz.

Partindo da diferença que a PNEE institui entre as escolas — já que se existem  as regulares inclusivas, as regulares não inclusivas, portanto, ficam subentendidas —, abre-se precedentes para que que escolas recusem matrículas de estudantes com deficiência por não serem intituladas “escolas regulares inclusivas”. Seja qual for o motivo que uma instituição não queira ou não possa buscar os meios para se tornar inclusiva — prática comum especialmente em escolas particulares, que até mesmo cobravam matrículas mais caras a estudantes com deficiência, o que só foi proibido com a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015.

A outra emboscada armada pela PNEE é a segregação das pessoas com deficiência. Atualmente, estudantes com deficiência têm a possibilidade de receber atendimento educacional especializado no período do contraturno — seja para que possam compartilhar as questões em comum que pessoas com deficiência têm, seja para que possam ter reforços naquilo que estão aprendendo na escola ou até mesmo complementar aprendizados sobre autocuidado, higiene pessoal e demais questões que muitas famílias podem ter dificuldade.

Todavia, a PNEE poderá privilegiar que toda a experiência escolar de estudantes com deficiência seja limitada às escolas especiais, impedindo que muitos estudantes sem deficiência sequer possam aprender com colegas com deficiência, podendo ampliar visões limitadas e preconceituosas que a ignorância muitas vezes perpetua.

Se a aposta é por uma vida escolar com menos sofrimento, preconceito e bullying, não apenas a PNEE posterga essa dolorosa experiência ao restringir uma maior socialização através da escola, mas também amplia o abismo construído entre as pessoas com e sem deficiência.

A PNEE é uma política de educação que busca, nas entrelinhas de seu projeto, reduzir os custo que são arcar com a adequação de toda e qualquer escola para que todo e qualquer estudante possa usufruir dela da melhor maneira possível. De maneira mesquinha, o governo Bolsonaro tenta esconder suas pretensões de continuar sucateando a educação sob a fachada da “equidade” e “inclusão”.

O contato imediato com a diversidade tem um imenso potencial de romper com as barreiras do preconceito. Obviamente, não cabe apenas deixar que estudantes se degladiem até que entendam sozinhos suas diferenças — o que se dá muitas vezes de forma agressiva —, mas de proporcionar um espaço onde a diversidade apareça sem que possamos ignorá-la, encarando de frente as construções sociais que se fazem de pessoas com deficiência, tendo professores que possam mediar esse contato, de modo a levar uma compreensão de mundo livre dos preconceitos que vemos hoje.

Para que todas as escolas sejam inclusivas são necessárias reformas e constante capacitação do quadro de professores. Com a retirada da obrigatoriedade de que todas as escolas se adequem, basta que crie-se algumas escolas especiais, concentrando a estrutura física necessária para abarcar a diversidade, podendo inclusive abrir caminho para que as parcerias público privadas possam atuar dentro dessas escolas especiais.

Cabe, ainda, um adendo: a política de inclusão que tínhamos até então está muito longe do que é necessário para que a inclusão de fato seja alcançada e retomar isso pode ser importante para que não se perca do horizonte as lutas possíveis quando um retrocesso como a PNEE avança sobre os direitos.

Dentro desse sistema onde é imprescindível a existência de uma parcela de excluídos — sendo que essa massa de excluídos estrutura-se sob diversos critérios, um deles o capacitismo — políticas educacionais e sociais terão inevitavelmente um limite — além da constante possibilidade de perdas dos direitos, como o que está acontecendo atualmente com a política de inclusão e tantas outras reformas que ceifaram a classe trabalhadora.

* Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

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