Montagem: UFSC à Esquerda.
Caroline Custódio e Rita Pereira – Redação UFSC à Esquerda – 29/03/2021
Dois anos já se passaram desde as últimas eleições do Centro Acadêmico Livre de Psicologia (CALPsi) da UFSC, em que foi eleita a gestão Da Unidade vai Nascer a Novidade. Dois anos em que ao curso de psicologia resta se haver com um Centro Acadêmico (CA) ausente e sem interferência alguma no seu cotidiano. Até quando vamos tolerar que seja assim?
As últimas eleições levantaram e convocaram os estudantes de Psicologia aos debates políticos, afinal, havia duas chapas concorrendo ao pleito, coisa que há muito não ocorria. Infelizmente, esses debates acalorados morreram ali, pois como resultado da eleição tomou posse uma gestão que pretendeu construir apenas as fileiras de seu partido, a Unidade Popular (UP), coisa que por um bom tempo não víamos nesse curso.
Durante a pandemia, o imobilismo foi de mal a pior: os estudantes que compõem atualmente a gestão (resistem aqueles que entram na UP, os outros pulam fora do barco) utilizam como justificativa que a conjuntura está muito difícil para conseguir construir lutas e mobilizações.
Porém essa é uma justificativa que não cabe, tendo em vista que desde o ano de 2019, meses após sua posse, a gestão recém empossada já dava sinais de qual era sua prioridade, se fazendo ausente em momentos fundamentais e abrindo mão de tradições políticas fundamentais no curso de psicologia. Evento marcante foi o fato de que o CALPsi se manifestou e lutou pelo fim da greve contra o Future-se no ano de 2019.
Para além disso, por mais que o momento seja difícil — e justamente por isso —, houve tempo o suficiente para que as entidades de base pudessem se reorganizar e pensar sobre como dar conta do que exige a conjuntura e do que exige sua base.
O ano de 2020 foi um ano que marcou o movimento estudantil de forma sem precedentes: alguns dos nossos se foram, outros desistiram por motivos de causa maior, a vida universitária se descaracteriza com o advento do ensino remoto, a crítica e o debate em sala de aula se esvai cotidianamente, o conhecimento parece deixar de ser importante; nossa formação se transformou em um mero cumprimento de calendário e realização de atividades virtuais incongruentes — o que para os estudantes deveria significar algo inegociável. Esse deveria ser, visto isso, o momento em que um CA se faz mais presente do que nunca.
Porém, o que se observou no CALPsi foi justamente o movimento contrário. As reuniões, antes semanais e abertas, deixaram de ser convocadas publicamente — até que a gestão chegou a assumir ter espaços fechados de deliberação. Nos poucos espaços abertos chamados, a gestão constantemente alega dificuldade e sobrecarga, o que, segundo ela, seria um impeditivo para tocar as atividades que a base demanda — até mesmo as reuniões abertas deixaram de ocorrer semanalmente.
Mesmo alegando sobrecarga dos membros da gestão, houve um intenso movimento de boicote contra aqueles estudantes que buscaram se dedicar cotidianamente para reconstruir a entidade. E aqueles que apresentassem qualquer discordância com a direção do CA passaram a ser chamados de oposição e confabuladores.
Houve momentos em que a gestão defendeu que o CA deveria ter uma linha a qual não pode estar em disputa pela base; em que chamaram de “distantes da realidade” aqueles que se dispunham a travar uma luta contra a adesão acrítica ao ensino remoto; em que chegaram a afirmar que não valia a pena os estudantes perderem tempo debatendo e deliberando sobre o curso em reunião pois, mesmo que por vitória da maioria, o CALPsi não faria nada do qual os poucos da gestão discordassem.
Após árduas disputas de estudantes da base, as reuniões semanais da entidade se mantiveram e em algumas foi possível deliberar atividades importantes, como formações, atividades de agitação e propaganda, assembleias, intervenções políticas, lives, entre outras. Atividades que, quando aprovadas, eram organizadas por estudantes de fora da gestão, que até mesmo discordavam das atividades ou argumentos — quando ficava a cargo desta última, simplesmente não ocorria.
O cerne da questão é que em pouco tempo se mostrou evidente que o único e exclusivo interesse da gestão que hoje toca o CALPsi é a autoconstrução do partido da UP — que aparece nos espaços como Movimento Correnteza, seu braço no Movimento Estudantil — pouco lhe importando um compromisso com a base do curso, a qual, inclusive, a elegeu.
Para trazer um recente exemplo disso, nas últimas semanas a base deliberou em reunião aberta por construir um espaço formativo para o curso que abordasse os temas da educação, da pandemia e da crise econômica. O CA, na mesma reunião, afirmou que não tinha condições nem disposição para tocar tal tarefa, mas que a base poderia organizar-se sozinha a fim de promover o espaço deliberado.
Uma semana depois, a gestão do CA chamou os estudantes do curso para uma formação sobre “A luta pelo orçamento das universidades e institutos”, a ser ministrada por um estudante de direito e presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, uma formação que nunca foi conversada em reunião aberta e que foi construída mesmo “não havendo disposição do CA”.
No dia da atividade, essa se mostrou uma “formação” na verdade ministrada pelo Movimento Correnteza, na qual o militante convidado apresentou a linha da UP aos poucos que compareceram no espaço.
Printscreen da apresentação de slides apresentada na formação.
É em momentos como esse que fica claro para que fins a gestão do Centro Acadêmico possui, ou não, condições e disposição de militância.
A instrumentalização e consequente imobilismo do Centro Acadêmico
A gestão da Unidade vai Nascer a Novidade, que quando venceu as eleições contava com estudantes de diferentes organizações, como as Brigadas Populares, e também alguns estudantes independentes, hoje é composta majoritariamente por militantes do Movimento Correnteza — lhes resta, para além disso, apenas um militante independente e duas militantes da União da Juventude Comunista (UJC) que aparecem eventualmente quando possuem algum interesse.
Isso, a princípio, não é de longe problema algum. Inclusive, espera-se que estudantes organizados disponham-se a construir entidades e movimentos sociais, tendo em vista que optam por dedicar parte de sua vida à militância.
Porém, a história do Movimento Correnteza com o CALPsi não é de hoje turva. Tomando como partida o processo eleitoral, o Movimento Correnteza na primeira (e única) reunião de formação de chapa para concorrer ao CA aproveitou a vinda de um de seus quadros políticos da juventude para ajudar a coordenar a reunião e dar diretrizes para a formação de chapa.
Antes disso, o Movimento Correnteza convocou uma “plenária da psicologia” durante as eleições do CONUNE. Após o espaço, os estudantes foram convidados a participar de um grupo de WhatsApp do Movimento Correnteza. Apenas aí é que se deram conta de que não estavam em uma plenária da psicologia e nem sequer em um espaço do CONUNE, mas sim em uma reunião do Correnteza organizada para confundir os estudantes.
Após esses eventos, fica evidente como, desde então, a relação do Movimento Correnteza com o CALPsi e com o curso de psicologia da UFSC passa apenas pela autoconstrução de seu partido. A construção dos espaços da entidade, para essas militantes, é importantíssima, porém não no sentido de construir uma base forte e sólida politicamente, capaz de produzir elaborações de alto nível, mas sim para atravancar as lutas e escoar ao partido os mais engajados em construir a política.
Na última formação promovida pelo CA isso ficou mais uma vez claro. Após responder de forma negativa ao pedido da base pela construção de um espaço formativo e de discussão, a gestão contraditoriamente convocou a base para um espaço de apresentação de seu partido — travestido de uma formação sobre o orçamento das universidades.
Como já afirmamos anteriormente, é importante que aqueles militantes organizados em partidos participem e construam ativamente as entidades de base. Além do mais, é dos partidos e organizações políticas de nossa classe que esperamos as mais avançadas elaborações. Estes devem construir os movimentos, compartilhar suas análises e não só, mas colocá-las à serviço e à prova da realidade concreta das lutas, de modo que tanto os movimentos se beneficiem da qualidade do partido, mas que o próprio partido também se beneficie de ter suas formulações atestadas na concretude.
Mas, infelizmente, não é essa a realidade que vemos ocorrer hoje no CALPsi através da atuação dos militantes da UP. Além de não apresentarem sequer análises que contribuam com a construção das lutas no curso — e se resumirem a “formações políticas” através de meras cartilhas —, as relações ocorrem através de confusões e omissões.
Não há um amplo debate com a base; críticas tampouco são bem recebidas. Qualquer proposta que seja distinta da linha do partido é tolhida. É isso que nos movimento sociais chama-se de aparelhamento, ou seja, a tomada de instrumentos centrais de luta por um partido, ou mais, com o objetivo exclusivo de sua autoconstrução e de impedimento das lutas que não passem pela sua tutela e diretrizes.
Parece contraditório que um partido “destrua algo que ele constrói”, mas a questão está na saída ideológica que o partido pode propor a partir dessa atuação. Se as lutas não acontecem nas entidades e nos movimentos, a única saída possível é filiar-se ao partido e construir as lutas através dele. É assim que, na desilusão de um movimento que fracassa, de uma greve que termina derrotada, os independentes mais engajados podem recorrer ao partido como possibilidade de construir uma luta efetiva.
Não é à toa que, desde que passou a atuar no CALPsi, a UP vem crescendo no curso com a cooptação de novos militantes.
Um partido que se utiliza do aparelhamento, ao construir entidades e movimentos, buscará ofuscar as potências das lutas promovidas nesses espaços, boicotando para que nada seja possível por dentro dos movimentos, reduzindo sua capacidade de ação e de formulações políticas.
Dessa forma contraditória, os militantes que mais deveriam estar comprometidos com a construção das lutas se prestam ao serviço miserável de construção de um imobilismo. É isso que hoje presenciamos no CALPsi — e talvez na maioria das outras entidades estudantis da UFSC.
O que devemos esperar de um Centro Acadêmico de esquerda?
Talvez, para que fique mais lúcido o quão grave é esse imobilismo, seja interessante pensarmos o que é possível construir de política em um CA que poderia intervir, em certa medida, nas profundas alterações que a universidade vem sofrendo — ou ao menos promover uma outra experiência deste momento.
Uma gestão, seja ela eleita oficialmente ou orgânica, deve estar comprometida com os debates sobre seu curso, a universidade, a cidade, os movimentos sociais, etc. Esse compromisso não se faz de modo abstrato, mas sim através de uma mobilização constante dos estudantes.
Não apenas coordenar uma massa de estudantes nas ruas em um momento de ascenso das lutas — como aconteceu nos atos contra a reforma da previdência, nos atos da educação, nos movimentos contra o Future-se —, mas ter constantemente a formação como horizonte para que o curso, e a universidade como um todo, possa produzir formulações no mais alto nível sobre a atualidade, para que possam servir de amparo à sociedade em momentos de crise. Que sejam também os estudantes referência sobre os temas que são pungentes em nossa época.
Em um momento de crise como o que vivemos hoje, um CA de esquerda tem como obrigação circular debates sobre como a universidade deveria ser a instituição com as elaborações mais avançadas tanto sobre a crise sanitária quanto econômica. Seja através de formações políticas e acadêmicas, nos mais variados formatos existentes, seja através da disputa com os próprios professores sobre o sentido que a universidade deve ter e qual o seu papel nesse período. Um CA não pode furtar-se de realizar aquilo que for necessário para a promoção de uma outra saída aos dilemas do nosso tempo.
Reinventar-se em momentos urgentes da conjuntura é mais que fundamental. O caminhar da história não ficará sentado esperando que as entidades de base se reestruturem, ele passará por cima de nós.
Em uma conjuntura na qual nossas entidades estão tomadas por partidos que não se propõem a travar as lutas conosco, lado a lado, e em que o imobilismo é produzido por estes como forma de autoconstrução, é preciso repensarmos sobre nossos instrumentos organizativos — tanto os partidos quanto as entidades de base — e nos movermos para recolocá-los na direção certa e à altura do que a conjuntura exige.
Se a pandemia está extremamente difícil, e nós sabemos como está, não é o momento de chorar as pitangas, mas sim de construir a luta. Se aqueles que hoje sentam nas entidades como se fossem tronos não dão conta do que a conjuntura exige, que se retirem — ou que então sejam retirados.