Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Maria Alice de Carvalho*- Redação UàE – 03/10/2018
Jair Messias Bolsonaro (PSL), candidato com maior porcentagem de intenção de votos no primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, possui como um de seus lemas de campanha a defesa de “um governo que defenda e resgate o bem mais precioso de qualquer cidadão: a Liberdade. Um governo que devolva o país aos seus verdadeiros donos: os brasileiros. “
Para alcançar esse objetivo de resgate da liberdade no Brasil e devolver o país aos brasileiros, Bolsonaro possui, dentre todas suas infundadas propostas, um plano para a educação nos níveis básico, médio e superior.
Ao terminar de ler seu projeto para a educação, a conclusão é de que nem sequer garantir o enfoque nacionalista “Brasil acima de tudo”, pregado pelo candidato, o projeto garante. E quanto a liberdade, fica mais que evidente que se trata de uma liberdade da propriedade privada, e não uma liberdade de opinião, política, de informação, de escolhas afetivas dos sujeitos, entre outros.
Portanto, além de possuir uma proposta de governo que se limita à um discurso do senso comum e frases de efeito, Jair Bolsonaro não possui a capacidade sequer de realizar um projeto coerente em si, não apresentando com honestidade suas propostas e verdadeiras intenções enquanto governante aos eleitores e demonstrando a tamanha ignorância do candidato na articulação de um projeto que condiga com a realidade.
Para exemplificar como isso aparece nas propostas do presidenciável para a educação no Brasil, vamos então ao conteúdo de sua proposta de governo e falas públicas sobre o tema.
De acordo com Jair Bolsonaro, o principal problema da educação é, no cenário atual brasileiro, a doutrinação e sexualização precoce nas escolas, o que já demonstra a incapacidade do candidato em realizar uma análise crítica sobre a educação na realidade brasileira, tendo em vista que isso sequer se caracteriza como um problema, quem dirá como o principal.
Porém, diante desse “problema”, Bolsonaro apresenta como resolução a mudança nos métodos de ensino, de forma que se aumente ainda mais a carga de matemática, português e ciências nas escolas [1], não deixando espaço para disciplinas como história, geografia, filosofia, sociologia e artes, as quais se propõem a trazer aos estudantes conhecimentos mais críticos.
Ainda, apesar de pregar uma suposta liberdade de ideias em seu projeto político, Bolsonaro frisa a necessidade de expurgar, nas palavras dele, a “ideologia de Paulo Freire” [2], aumentando a hierarquização e disciplinamento no ambiente escolar e defendendo o movimento Escola sem Partido. E, ainda, instituir a educação à distância [3] desde o ensino fundamental, principalmente nas áreas rurais, para “combater o marxismo”, de forma que os estudantes só precisem se fazer presentes no espaço escolar para realização de provas e aulas práticas.
Ou seja, Bolsonaro sacrifica a construção de conhecimento nas escolas, almeja o fim do diálogo e discussões em salas de aula, proíbe que os estudantes tenham acesso à todo o escopo de conhecimento já produzido historicamente e coloca em questão até mesmo a necessidade de os estudantes se fazerem fisicamente presentes no espaço escolar. Tudo isso em prol de um combate ao suposto inimigo da educação e responsável pelos males do Brasil criado por Bolsonaro, que no fundo se trata de um combate ao que há de mais precioso na educação.
Ainda com o falso discurso de que salvará a educação brasileira, Bolsonaro visa a militarização das escolas, uma herança da ditadura militar brasileira (1964-1985) que promove a educação moral e cívica. A educação moral e cívica foi implantada nas escolas, durante a ditadura militar, para garantir o respeito aos valores da pátria defendidos pelo regime, sendo alguns deles: a obediência à lei, a preservação do espírito religioso, a preservação da família e moral cristã e a preparação ao casamento. O presidenciável prevê o retorno da obrigatoriedade da disciplina nas escolas, a qual foi decretada em 1969, um ano após os militares terem editado o Ato Institucional 5 (AI5), auge da repressão, restringindo as liberdades individuais e os direitos políticos.
Portanto, seu programa configura-se como um gigante retrocesso no que já foi construído até então no campo da educação e dificulta ainda mais a luta por uma suposta democracia, a qual já nos é tão cara de conquistar.
Focando agora no nível do Ensino Médio, além de todas as questões aqui já colocadas que dizem também sobre esse estágio da educação escolar, Bolsonaro enfatiza que a formação deve se pautar no tecnicismo profissionalizante e preparação dos jovens para a vida e o futuro. Após visitar Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coréia do Sul e Japão, Bolsonaro passou a utilizar o discurso de que devemos copiar, no Brasil, o método de ensino desses países, tendo em vista que, nas palavras do candidato, enquanto o nosso jovem de 15 anos “só tem pensamento crítico, pra saber se vai ser homem ou mulher, essa é a grande decisão da vida dele”, nesses outros países, um garoto de 15 anos já sabe integral e derivada e que é possível através da educação transformar em apenas uma geração um país pobre em um país rico, como no Japão [4].
Ou seja, mais uma demonstração da incapacidade do candidato em realizar uma análise econômica e política da sociedade capitalista e mercado mundial, colocando como responsável pelo subdesenvolvimento do Brasil as escolas que não ensinam os jovens a decorar os livros de física e matemática. E como se simplesmente implantar um modelo de educação, de caráter profissionalizante e tecnicista, fosse tirar o Brasil de sua posição de capitalismo dependente.
Na verdade, tirar das escolas conteúdos de caráter crítico impedirá, ainda mais, que nossos jovens conheçam de fato a história e sejam capazes de realizar análises da realidade e pensar, assim, em novas formas de sociedade que superem a atual miséria da classe trabalhadora.
Quanto ao Ensino Superior, Bolsonaro diz que o foco deverá ser as parcerias e pesquisas com a iniciativa privada, visando avanços técnicos e o aumento da produtividade e da riqueza. Diz que o papel das Universidades Públicas é formar jovens empreendedores, para que o jovem saia da universidade com o desejo de abrir uma empresa [5].
Um outro fruto da visita de Bolsonaro aos Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coréia do Sul e Japão, é o plano de incentivar estratégias descentralizadas e criar os “hubs” tecnológicos, onde os jovens universitários são estimulados a buscar parcerias com empresas privadas para transformar suas ideias em produtos de mercado [6].
É com essas propostas que Jair Bolsonaro visa “valorizar talentos nacionais e atrair outros do exterior para gerar novas tecnologias, emprego e renda”. Em outras palavras, é com essas propostas que Jair Bolsonaro visa submeter a Universidade Pública, único local no qual ainda conseguimos realizar alguma análise crítica da sociedade e contribuir para possíveis transformações, ao capital e à qualificação de mão de obra para o mercado. Aliás, o próprio candidato em entrevista disse que o papel da educação é formar bons profissionais, não militantes, como faz a maior parte das universidades no Brasil.
O programa de Bolsonaro prevê, ainda, a inversão no investimento de recursos da Educação Superior para a Educação Básica. Para aqueles que pensam que Jair se difere de toda a política já realizada por outros candidatos no passado, essa é a mesma estratégia utilizada pelo governo do PSDB, amplamente, durante a década de 90, para justificar os cortes de recursos públicos para as universidade brasileiras.
Essa proposta, junto ao projeto de descentralização do Estado do candidato, caminham juntas para a consequente privatização do Ensino Superior.
Por fim, é possível concluir através dessas questões aqui apresentadas, que Jair Bolsonaro ao se voltar para o cenário da educação brasileira não é capaz de encontrar seus principais problemas e de relacioná-los com questões mais amplas e fundamentais para uma boa análise da sociedade. Pelo contrário, apresenta propostas que aprofundam ainda mais os reais problemas que vivenciamos na educação atualmente, como o empresariamento da educação, a perda de formação do pensamento crítico, o apostilamento até mesmo da educação infantil, o aumento do tecnicismo profissionalizante, a perda da autonomia universitária, o aumento da Educação a Distância, o alto índice de evasão escolar, a privatização dos setores públicos e a falta de investimento público na educação, tendo em vista que manterá a Emenda Constitucional 95.
Bolsonaro não apenas não se difere do que já vivenciamos na política brasileira, ele consegue, através de seus discursos de ódio, frases de efeito, ignorância, propostas infundadas e total descolamento da realidade ser, espantosamente, ainda pior.
[1] “Conteúdo e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE. Além disso, a prioridade inicial precisa ser a educação básica e o ensino médio / técnico.” (p.41 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
[2] “Além de mudar o método de gestão, na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), impedindo a aprovação automática e a própria questão de disciplina dentro das escolas.” (p.46 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
[3] “Educação à distância: deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais” (p.46 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
[4] “A estratégia educacional do Japão, Taiwan e Coréia do Sul, países recentemente visitados por Jair Bolsonaro, teve papel chave no desenvolvimento econômico e social. Em uma geração, países pobres ficaram ricos.” (p.41 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
[5] “As universidades precisam gerar avanços técnicos para o Brasil, buscando formas de elevar a produtividade, a riqueza e o bem-estar da população. Devem desenvolver novos produtos, através de parcerias e pesquisas com a iniciativa privada. Fomentar o empreendedorismo para que o jovem saia da faculdade pensando em abrir uma empresa. Enfim, trazer mais ideias que mudaram países como Japão e Coréia do Sul.” (p.46 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
[6] “Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coréia do Sul e Japão incentivam estratégias descentralizadas. Criam-se “hubs” tecnológicos onde jovens pesquisadores e cientistas das universidades locais são estimulados a buscar parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos. Isso gera riqueza, bem-estar e desenvolvimento para todos. Jair Bolsonaro pôde constatar isso pessoalmente. Em todos os países visitados há tais centros. Inclusive, nos países que têm liderado tal dinâmica, Japão, Taiwan e Coréia do Sul, há grande ênfase em cursos técnicos e carreiras de exatas.” (p.48 da Proposta de Governo de Jair Bolsonaro)
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