Feirantes fecham a EPIA Norte em frente ao CEASA em protesto de apoio à paralização dos caminhoneiros. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

[Opinião] O novo marco legal das ferrovias é um ataque à luta dos caminhoneiros

Imagem: Feirantes fecham a EPIA Norte em frente ao CEASA em protesto de apoio à paralização dos caminhoneiros. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Helena Lima* – Redação UàE – 16/03/2021

A greve dos caminhoneiros em 2018 demonstrou o poder de intervenção econômica desta categoria na desestabilização do capitalismo no Brasil. Em menos de quatro dias de mobilização em 28 estados, o país entrou em colapso: faltavam combustíveis nos postos, produtos nos mercados, e setores da indústria estavam com os parques parados.

A especialização da produção nas diferentes regiões do país depende da circulação ininterrupta das mercadorias em grandes distâncias, tanto para a exportação quanto para o consumo interno. Este trabalho é realizado nas rodovias, pelos caminhoneiros, ainda que a dimensão de sua responsabilidade não fosse tão visível para o debate público até 2018.

A força da categoria traz ameaças graves para os Capitais, sendo que em poucos dias os trabalhadores podem atacar o sistema capitalista em sua raiz econômica e paralisar a produção e a circulação de todo o país, gerando enormes prejuízos aos proprietários.

Por esta razão, o movimento dos caminhoneiros tem um forte poder político frente ao Estado para pressionar por concessões, sendo um entrave para medidas que afetam diretamente a categoria, como o aumento no preço dos combustíveis.

Neste ano, com as sucessivas altas no preço do diesel e a não conclusão de acordos desde a greve, os caminhoneiros autônomos já realizaram vários protestos pelo país, principalmente no início de fevereiro, mas que aconteceram de forma esparsa. Mesmo assim, o governo ainda teme o retorno de uma mobilização massiva.

É prioridade do Capital, dessa forma, em especial aos capitalistas industriais e do agronegócio, destruir a categoria dos caminhoneiros, e para isso suas táticas se aprimoram. Além da aproximação com as lideranças do movimento e da repressão, de forma silenciosa avança o projeto do novo marco legal das ferrovias em Brasília.

Este projeto, elaborado pelo senador José Serra (PSDB), foi apresentado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) como uma das principais prioridades do setor industrial e o objetivo do governo é tentar aprovar a matéria ainda no mês de março.

O novo marco institui o regime de autorização para a construção de ferrovias no país. Isso significa que, mediante autorização do Estado, o setor privado pode construir linhas de forma independente, com liberdade para operar ilimitadamente.

Assim, abre portas para o avanço gradual da substituição dos caminhoneiros pelo sistema ferroviário, que conta com um número muito mais restrito de trabalhadores que não tem possibilidade de serem autônomos, tendo em vista que dependem da infraestrutura provida pelas empresas.

Hoje as ferrovias são construídas apenas por meio de concessão, onde o governo elabora o projeto e realiza licitação pública, e após o período do contrato, a ferrovia permanece um bem da União.

Ou seja, além das consequências diretas à categoria dos caminhoneiros, novamente a política de transportes no país será ditada por interesses externos. A possibilidade de construir ferrovias de maneira autônoma faz com que cada empresa ou conjunto de empresas realizem obras independentes que beneficiem prioritariamente o escoamento dos seus produtos. É a réplica da malha rodoviária do Brasil no século XX, de dentro pra fora.

As críticas da política rodoviarista, que foi inicialmente realizada para atrair empresas do setor automobilístico, permanecem: seu alto custo, dificuldade de manutenção, acidentes de trabalho, poluição ambiental, entre tantos outros. No entanto, é importante ressaltar que este projeto não surge de uma luta da classe trabalhadora pelo controle sobre a organização da vida no país.

Alternativas no sistemas de transportes que atendessem aos interesses da classe trabalhadora precisam ser primeiramente controlados por esta e estão vinculados à uma reestruturação produtiva. A integração do território em função da produção e do consumo nacional, e não das vontades imperialistas, é de interesse primordial da classe, no caminho de se diminuírem as distâncias necessárias para o abastecimento dos espaços urbanos e rurais, com coesão.

E este é um bom exemplo para demonstrar os perigos da análise do Planejamento Urbano através do pensamento tecnocrático, onde a tentativa de se equiparar aos países centrais faz com que se passe despercebido pelas próprias condições econômicas e políticas do país, o que pode levar à defesa do marco ferroviário. Ao analisar o espaço urbano com uma falsa neutralidade e “apesar” da luta de classes, normalmente acaba por se somar às bandeiras das necessidades do Capital.

O estudo da situação do Brasil que se baseie nas relações de forças econômicas e que tenha como objetivo a transformação das bases estruturantes terá como conclusão a importância da manutenção da categoria dos caminhoneiros. A radicalização desta categoria em direção à elevação de suas pautas, em conjunto com os outros trabalhadores, é de grande relevância para criar uma relação de forças favorável a estes.

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

 

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