Montagem: UàE.
Nina Matos* – Redação Universidade à Esquerda – 03/03/2021
O Brasil está passando pelo seu pior momento na pandemia. Ontem (2), alcançamos mais de 1700 mortes em 24 horas — maior número registrado desde o início da pandemia. A situação crítica que o país inteiro acompanhou no Amazonas se aproxima dos demais estados, com falta de vagas em UTIs e alto consumo de oxigênio.
Não apenas em relação ao tratamento dos pacientes com o Covid-19 a crise está sendo construída, mas também no descaso com a prevenção. O ritmo lento de vacinação, combinado com a dificuldade de adquirir as vacinas e seus insumos, podem levar até mesmo a proliferação de mutações virais resistentes às principais vacinas.
Entretanto, enquanto se forma um cenário sanitário caótico, diversos setores recusam até mesmo debater sobre a necessidade do fechamento de algumas atividades — dentre essas, as escolas.
Lotação a 100%
Desde meados do ano passado, diversas escolas da educação básica fizeram o retorno às aulas presenciais. Contudo, tal retorno não foi consistente: muitas foram obrigadas a voltar atrás e fecharem novamente após surtos entre estudantes e funcionários.
Os critérios de segurança sanitária, em geral, resumem-se a utilização de máscaras, disponibilização de álcool em gel, distanciamento de 1,5 metros e higienização dos espaços da escola. A taxa de lotação das salas de aula varia em diferentes estados. Santa Catarina, por exemplo, enquanto uma de suas maiores cidades enfrentava o colapso do sistema de saúde, o governo do estado manteve o retorno com 100% de lotação das salas de aula.
Apesar dos critérios, relatos de trabalhadores da educação, especialmente nas escolas públicas, sinalizam os limites de um retorno seguro nas atuais condições. Seja pelas medidas mais simples como o distanciamento, que não é cumprido de fato, até a própria falta de orçamento para adquirir os produtos de higiene como o álcool em gel.
Nas escolas públicas, o sucateamento é realidade há muito tempo. A falta de verbas para compra de produtos básicos, como papel toalha, por exemplo, faz parte do cotidiano daqueles que transitam por seus espaços. A própria estrutura física das escolas é gerida sempre no limite: são inúmeros os banheiros que não funcionam, as janelas que não abrem, os ventiladores que não ligam.
O já reduzido orçamento na educação pública ainda enfrenta mais ataques atualmente, sendo o piso de investimento em saúde e educação utilizado como moeda de troca por Bolsonaro para retomar o auxílio emergencial.
Frente a precária condição das escolas públicas e a piora da pandemia, gestores de todo o país estão seguros (dentro de suas casas) de que não há necessidade do fechamento das escolas. Muito pelo contrário, as escolas devem ser as últimas a serem fechadas.
Educação em primeiro lugar
Na última segunda-feira (1), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) chegou a emitir uma carta, direcionada à população brasileira, com algumas ações que considera necessárias a serem tomadas imediatamente para frear a disseminação do vírus. Dentre as ações listadas como reforço das restrições de atividades não essenciais encontra-se a recomendação de suspensão das atividades presenciais de ensino.
Prontamente o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) se manifestou ontem (2) em resposta, alegando uma profunda preocupação com relação a recomendação de suspensão das aulas. Ademais, deslocou para os comitês científicos e educacionais locais a decisão pela suspensão ou manutenção das aulas.
No mesmo período do ano passado, diversas organizações ligadas à educação — desde as estatais, como o próprio Consed, até as vinculadas mais diretamente ao empresariado, como o Todos Pela Educação (TPE) —, defendiam com unhas e dentes a implementação do ensino remoto. Justificavam como uma medida segura de manter crianças e adolescentes aprendendo — e o principal: não haveriam perdas de aprendizagem desde que garantidas as condições de acesso e capacitação para os professores aprenderem a utilizar as plataformas online.
Conforme perdurou a crise sanitária, o discurso alterou-se ao ponto de que essas mesmas entidades agora agarram-se ao retorno presencial das aulas, inclusive alegando que estudantes em maior vulnerabilidade social estão ficando para trás nos estudos, que estão em sofrimento psíquico devido ao isolamento, etc.
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Àqueles que desde o início conseguiram reconhecer que o ensino remoto cumpria a função de, dentre outras coisas, dessensibilizar com relação à catástrofe, essas proposições não pegaram de surpresa. A prioridade nunca foi a educação, pois se fosse, bares e shoppings abertos até mesmo para consumo interno de comidas e bebidas seriam intoleráveis enquanto é impossível reabrir as escolas.
Mas não vimos uma única movimentação dessas entidades ao longo de todo o período de ensino remoto em relação a esse ponto. Ao invés disso, quando houve a necessidade da reabertura, as primeiras palavras de muitos praticamente foram “se as atividades econômicas podem voltar à todo o vapor, então as escolas podem também”.
A prioridade dos setores econômicos frente a retomada das atividades mostra claramente o lugar em que a escola é colocada pelo capital. Ela serve ao mercado. Enquanto as atividades estavam reduzidas, era possível que as escolas se mantivessem fechadas também. Mas a reabertura do comércio exige a reabertura das escolas a fim de liberar as trabalhadoras dos cuidados, especialmente dos menores, e retirar o tempo ocioso dos mais jovens.
Se antes não conseguimos pautar uma retomada das atividades que fosse responsável com a classe trabalhadora, torna-se imperativo que possamos debater quais são as nossas prioridades em uma pandemia. Desde os grupos prioritários a receberem a vacina até quais são os setores que devem fechar agora e a prioridade de reabertura quando as taxas de contaminação foram reduzindo.
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