Na pandemia, estudantes precisam transformar seus quartos em salas de aula. Foto: Samantha Prado/Jornal do Campus.
Nina Matos* – Redação UàE – 28/09/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
Estudantes de todo o país estão há alguns meses na experiência do ensino remoto. Cresce nas redes sociais o número de montagens e piadas com essa forma de organização da vida acadêmica, que muitos ainda insistem em validar como forma de ensino.
Essas postagens que dominam as redes sociais de universitários refletem em unanimidade o fracasso que foi para a Universidade a transposição de uma vasta experiência de vida para dentro dos limites da virtualidade — além das novas dores físicas que surgiram, acompanhando as longas horas de estudo e a dificuldade de separar nossa casa, lazer, trabalho e estudo.
As experiências compartilhadas pelos mais variados estudantes apontam para um padrão que acompanha as alterações que sofreram suas instituições: diversas atividades cujo o único sentido é o de aferir frequência, a falta do espaço da sala de aula enquanto construção e apreensão coletiva do conhecimento e completa descaracterização de seus currículos.
Apesar de um aparente consenso no fato de que o ensino remoto não contempla o que é a Universidade, a crítica dificilmente avança sobre os fundamentos de tamanha negatividade, tampouco vai além de um discurso de sofrimento psicológico, em direção aquilo que norteou a implementação do ensino remoto por parte do Ministério da Educação (MEC), reitorias e organizações das mais diversas.
Esse padrão de implementação do ensino remoto colocará uma nova cultura dentro do espaço da universidade, uma que entra em choque com as experiências que se acumulavam de geração em geração. Enquanto antes tínhamos inúmeras possibilidades de encontros e trocas entre estudantes, hoje o máximo que podemos fazer é trocar algumas mensagens e organizar algumas reuniões por vídeo chamada, que jamais poderiam cumprir o papel que nossa interação cumpria antes.
Em outros tempos, nos deslocavamos à Universidade, espaço que aglutinava todo o tipo de necessidade, desde as mais básicas como alimentação e para alguns a moradia, até espaços culturais e de lazer, como congressos, palestras e festivais; desde pegar um livro na biblioteca e aconchegar-se embaixo de uma árvore até grandes assembleias e espaços de construção coletiva.
Além da perda de espaços coletivos, que são fundamentais para a aprendizagem e desenvolvimento de pesquisas, as alterações que as universidades estão vivenciando com o ensino remoto anunciam a falência da formação universitária.
Em lugar de uma formação rigorosa e com profundidade, aplica-se um ensino extremamente flexível, em que livros e trabalhos acadêmicos são substituídos por vídeos e podcasts, em que importantes estágios e trabalhos finais de elaboração teórica são substituídos por fragmentadas tarefas sem elaboração alguma, em que não é mais necessário sequer que se vá às aulas.
Isso expressa o pior que poderia acontecer com as Universidade Públicas: a perda total de seu caráter e função; a transformação de uma instituição que resguarda o conhecimento de mais alto nível às gerações e à sociedade em uma formação meia boca de estudantes com sonhos jogados no lixo.
Esse padrão de implementação do ensino remoto nas universidades exprime, ainda, sobre a dificuldade do movimento estudantil em formular proposições e novas saídas para garantir que não se perdesse o que é mais fundamental dentro de uma formação universitária. Poucos foram os movimentos que ousaram se posicionar contrários ao ensino remoto e que conseguiram elevar o debate para novas elaborações.
Não poderíamos esperar que o MEC ou que as reitorias se prontificassem a prezar por uma experiência universitária rica, composta pelos mais variados elementos. Assim como não é possível esperar que a massa estudantil crie do nada uma consciência elevada contra o ensino remoto — este é o papel que espera-se daqueles que se dispõe a encabeçar as lutas das universidades e dos cursos: as entidades estudantis.
Para além de representar uma base estudantil, diretórios centrais, diretórios acadêmicos e centros acadêmicos têm a prerrogativa histórica de serem vanguarda, de apresentarem novas questões e elevarem as discussões que se dão dentro das salas de aula, nos corredores e na universidade como um todo.
Este é um papel que se projeta para além das disputas em órgãos colegiados, as quais a elas também compete. As entidades estudantis são o espaço que pode agregar todo um movimento estudantil combativo a lançar-se contra o que se impõe à Universidade.
Em todo o país, o que se viu permeando as políticas das entidades foi uma ideia de “política do possível”, pautando-se geralmente em uma posição por redução de danos que se manteve na construção de documentos em conjunto com reitorias e demais espaços administrativos, limitada à busca da base estudantil através de consultas online para resolver suas demandas imediatas
O que essa posição escondeu foi que as possibilidades para outras saídas são quase infinitas àqueles que buscam construir alternativas. E que, inclusive, a luta seria uma saída possível. — tão concreta, ou na verdade até mais, que a “redução de danos”.
Nesses longos meses de quarentena diversos espaços formativos sobre a universidade poderiam ter sido priorizados, assim como estar constantemente mobilizando para espaços coletivos e de elaboração como reuniões e assembleias. Construção de aulas magnas, de grupos de estudo e leitura, reuniões temáticas, espaços de lazer, ações de combate ao ensino remoto. São diversas as possibilidades de construção de uma relação que se dá para além do habitual, que poderiam ser primadas frente a um momento de extrema individualização e isolamento.
Neste ano de 2020, diversas gerações de estudantes carregarão não apenas um currículo marcado pela precariedade do ensino remoto, mas uma lacuna na memória de uma experiência que foi incompleta, que não concretizou marcos tradicionais na trajetória acadêmica, que viveu menos que outros estudantes de outras épocas. Uma experiência que poderá também deixar marcas para as próximas gerações de estudantes que virão.
As entidades estudantis devem ser aquelas que trazem uma reviravolta no que se apresenta como uma história de final amargo. Contanto que estejam dispostas a largar a zona de conforto, a elaborar e apresentar questões para além das demandas imediatas dos estudante, que se lancem para além do que é apresentado como possível, que estejam comprometidas em elevar a luta estudantil e dispostas a defender o que nos é caro.
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