Vista do bairro Morumbi, em São Paulo (SP), mostra apartamentos de luxo que fazem divisa com a favela de Paraisópolis. Foto de 2004 faz parte da Coleção Pirelli/Masp. Foto: Tuca Vieira/Folhapress
Martim Campos – Redação UàE – 02/07/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
Desde o início da pandemia, as desigualdades sociais, econômicas, raciais e urbanas que já eram grandes tornaram-se condições que separam ainda mais violentamente os que morrem ou vivem ante a pandemia mais grave e aguda do último século. A pressão do “mercado” pela “flexibilização” da quarentena e da demora na tomada de medidas de combate e prevenção a esta nova doença, ganham força cada vez mais expressiva e opressiva.
Recentemente, mais um empurrão foi dado em direção ao “novo normal”. Governantes de todo o Brasil anunciaram seus planos para a educação com a retomada do ensino presencial gradual nas escolas públicas e particulares. No Rio de Janeiro, na segunda-feira (29/06), foi realizada uma reunião entre empresários do setor, sindicato de professores e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) sobre o retorno das aulas em escolas particulares do Rio de Janeiro, onde não foi estabelecido nenhum acordo. Mesmo assim, escolas particulares já começam a fazer seus planejamentos.
Já o governo de São Paulo anunciou, na quarta-feira (24/06), uma previsão para o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas e particulares a partir do dia 08 de setembro. A prioridade de retorno gradual seria dada aos alunos que estão nos ciclos finais do ensino infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, por causa da facilidade de cumprir as medidas sanitárias de distanciamento e também porque elas estão em fase de transição desses ciclos de aprendizagem (as aulas nas creches da capital paulista não fariam parte deste retorno, por exemplo).
De acordo com o pronunciamento, o plano de reabertura gradual com até 35% dos alunos nas salas de aula na primeira etapa acontecerá apenas se todas as regiões do estado permanecerem na etapa amarela – a terceira menos restritiva segundo critérios de capacidade hospitalar e progressão da pandemia – por 28 dias consecutivos.
Junto com a volta, os protocolos de segurança elaborados pautam por medidas de distanciamento de 1,5 m entre as pessoas, na sala de aula, com exceção da educação infantil; recreios e intervalos com revezamento das turmas em horários alternados; horários de entrada e saída escalonados para evitar aglomerações; Medidas específicas de higiene pessoal também devem ser adotados nas escolas, como distribuição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para professores e funcionários, uso obrigatório de máscara nas instituições de ensino e no transporte escolar, fornecimento de água potável em recipientes individuais e higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool em gel.
Planejar o retorno presencial para agosto, setembro ou outubro quando as medidas preventivas de contenção do Covid-19 ainda são quase nulas em um estado que foi um dos primeiros a flexibilizar a quarentena e o distanciamento social, tornando-se assim o epicentro da propagação da pandemia no Brasil, é apenas chutar que estaremos em um cenário melhor em breve. Nos protocolos de segurança não entram as realidades do contexto em que grande parte da população se encontra atualmente para seguir as medidas de isolamento devido as condições de moradias precárias, os espaços para dormir das famílias e dificuldades em deslocar-se para conseguir atendimentos nos hospitais, por exemplo.
O número de óbitos no estado de São Paulo por causa do Covid-19 até o momento é de 15.351, ultrapassando dos 300 mil o número de contaminados. O crescimento dos casos têm ocorrido em sua maioria entre a população trabalhadora de baixa renda, negra e acima de 50 anos. Com o número de localização central desses hospitais dificulta o deslocamento de quem sai das periferias, ao mesmo tempo em que há uma carência de leitos e UTIs nos extremos da cidade.
Qualquer medida neste sentido só pode prosperar quando for estabelecida uma condição de segurança sanitária plena, com a queda sustentada do número de casos e com a adoção de protocolos realistas que levem em conta a realidade de precarização do ensino público brasileiro e os projetos orçamentários definidos e descritos.
Como o discurso de retomada presencial pode estar vinculada com uma real preocupação com a educação e diminuição de desigualdades se antes da pandemia as estruturas já eram extremamente frágeis? Como falar em distanciamento social quando as salas de aula já estão lotadas, às vezes com fila de espera? Como reforçar a higiene e a segurança sanitária em redes onde muitas vezes falta o básico?
Entre a indignação pela demora o rechaço pela volta
Em resposta ao anúncio do governo, o Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo), sindicato que representa cerca de 10 mil escolas particulares em todo o estado paulista, uma carta de repúdio ao anúncio de reabertura das escolas feito pelo governador, em defesa da volta antecipada das escolas particulares, que estariam prontas para retomar as aulas presenciais e que suas condições não deveriam ser comparadas às da rede pública, pois eles teriam higiene e saúde para a volta imediata de 20% dos alunos para as salas de aula.
A pressão colocada por parte das instituições privadas de ensino, que defendem o retorno imediato tem direta relação com seus interesses econômicos próprios, pois neste momento os pais de alunos do ensino infantil são os que mais pedem desconto ou que acabam retirando os filhos da escola pela falta de adaptação e de compreensão das atividades de ensino a distância.
Na avaliação da presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o plano de retomada é prematuro pois além dos números altos de contágio, não há garantia de que as escolas da rede pública terão condições de cumprir as condições necessárias de segurança e higiene que requerem uma reabertura. A retomada de atividades presenciais neste momento não apenas demanda um grande investimento para fornecer uma estrutura adequada que garantisse de fato a proteção de todos os alunos, professores, servidores e técnicos, bem como a participação destes e dos pais e cuidadores no planejamento de retomada.
A volta às aulas presenciais além de ser insegura em estruturas de ensino que sofrem uma série de precariedades, também não apaga efeitos da educação remota nesses últimos meses, pois uma grande maioria dos alunos não conseguiu acompanhar as aulas remotas e os que conseguiram em geral tiveram bastante dificuldade. De acordo com a pesquisa do Datafolha, nos anos iniciais do fundamental (do 1º ao 5º ano), 47% dizem que a maioria acompanha as aulas. Nos anos finais (do 6º ao 9º ano) e no ensino médio, o índice cai para 38%. A menor participação é na educação infantil, de 28%. A defasagem dos estudantes devido as condições impostas deste ensino híbrido atual em conjunto com a falta de recursos para conseguir acessá-lo, impacta no número de quantos conseguiriam voltar e na necessidade de turmas mais heterogêneas – o que afeta o plano e estratégias de ensino dos professores.
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A maioria dos pais também relatam uma grande insegurança com o retorno, e na mesma pesquisa realizada pelo Datafolha, 76% declaram ser contra a medida de retomada presencial, por inseguranças e medos em relação ao contágio de seus filhos e parentes que dividem a residência, pelas condições atuais estruturais das instituições de ensino e por desconhecerem a situação atual de saúde dos professores e colegas dos filhos.
Apesar das inúmeras considerações feitas por diversos setores e por estar clara a falta de estruturas, suportes e apoios com a própria população, para garantir chances palpáveis de controle da pandemia, são tecidos argumentos que tentam empurrar de vez uma retomada presencial relacionando dois fatores diretamente para isso: a falta de escolas como a assistência necessária para diminuir a desigualdade racial e de gênero.
Desigualdades sociais agravadas por falta de retorno das aulas presenciais?
A lógica dos que aceitaram como “normais” as medidas de retomadas econômicas atuais e flexibilizações no isolamento social transparecem nas argumentações perversas feitas em relação ao agravamento da desigualdade racial e de gênero em nosso país. Em sua lógica, a causa estaria da intensificação da desigualdade estaria relacionada diretamente com o fato das escolas não retornarem presencialmente para que os pais dos alunos – que em sua maioria são as mães negras sozinhas que precisam sair para trabalhar – não podem pois precisam cuidar de suas casas e filhos.
A desigualdade não tem relação com garantir a proteção e auxílios para que estas mães estejam amparadas e não precisem se expor aos riscos, mas a maneira de equiparar a desigualdade mencionada tem a ver com garantir que estas mães possam sair para trabalhar e que seus filhos também corram os riscos da exposição. O que não está apresentado neste discurso é o fato das desigualdades serem um processo que é engendrado por exclusão/inclusão elaborados sistematicamente por uma sociedade definida pelo do capitalismo produtivo em conjunto com uma necropolítica, que atualmente operam com uma violência ainda maior neste momento de crises, com suas indiferenças e aumento da violência policial em favelas e periferias.
Para pensar sobre como estão expressas as desigualdades raciais, são considerados fatores como os socioespaciais, resultado da tríplice segregação socioespacial, étnico-racial e urbana que produziram espaços segregados por classe, raça e território na cidade, por exemplo.
As condições de trabalho, moradia e deslocamento articulam-se como um enlace contraditório das diferentes condições entre classes sociais desigualmente percebidas na cidade por meio da segregação socioespacial, étnico-racial e urbana que implicam na definição do tempo de deslocamento socialmente determinado entre a residência e o trabalho, resultado das barreiras espaciais para a vida social de trabalhadores.
Reduzir o agravamento de problemas estruturais que exigem soluções amplas que façam diferença estruturalmente, para apenas uma expressão da falta de escolas presenciais é no mínimo um grande descaso e crença de que o principal papel que as escolas podem cumprir neste momento é de depósitos de seus alunos, uma vez que qualquer retomada comprometida exigiria primeiramente a garantia da saúde para voltar de sua população, e investimentos expressivos, esforços de planos e estratégias educativas que não são construídos do dia para a noite.
Em tempos de pandemia, além da flexibilização do distanciamento com abertura do comércio e outras atividades, está claro no discurso que a prioridade com a vida dos trabalhadores é mínima.
Se para retomar as atividades comerciais e garantir que uma grande quantidade de pessoas sigam em seus trabalhos, em maioria informais e precários, e consequentemente seus filhos precisarem ir para a escola se expor ainda mais ao contágio para garantir isso – as pressões dos setores empresariais o farão sem diminuir suas forças para barganhar a vida dos trabalhadores.
*As opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores e podem não representar a opinião do jornal.
Não estou de acordo com o retorno das aulas presenciais, caso isso chegue a acontecer não estou disposta a mandar meu filho para escola… acho que por mais cuidado que tenham vai ser um grande risco!
sou conta voltar às aulas pois vai colocar nossos filhos em muito perigo da contaminação i nos os familiares iOS profissionais da educação