[Opinião] Paulo Guedes ataca a liberdade de associação

Leila Regina *  – Publicado originalmente em Universidade à Esquerda – 13/11/2019

Em meio às costumeiras “crises políticas” e denúncias de envolvimento com corrupção que tem constituído uma marca do governo Bolsonaro, o pacote econômico dirigido pela equipe de Paulo Guedes corre de vento em polpa para desespero do trabalhador brasileiro. Na última semana, logo depois da aprovação da reforma da previdência no senado sem oposição significativa (reforma promulgada ontem 12/11), o governo apresentou três projetos econômicos, e já deixou claro que isso tudo ainda não é suficiente. Vem mais e de todos os lados!

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Durante a apresentação do seu pacote econômico que chamou de “Mais Brasil” Guedes além de apresentar as três Propostas de Emendas a Constituição (PECs) que já alteram questões do funcionalismo, focando em questões fiscais e do pacto federativo, anunciou que estas PECs fazem parte de um projeto maior. Uma reforma administrativa, que ataca ainda mais a estabilidade no servidor público, deverá ser encaminhada em breve.

Ao apresentar essas primeiras medidas o Ministro da Economia afirmou ataque à estabilidade dos servidores públicos. Como se não bastasse e absurdo da cantilena de “acabar com os privilégios dos servidores”, o ataque de Guedes ultrapassou todos os limites e para além da ofensiva contra direitos dos trabalhadores, do regime jurídico único (RJU) e dos serviços prestados à população ele fez uma defesa de censura. Os absurdos desse ataque ressoaram pouco, talvez não tenha ficado claro o significado desta afirmação do ministro.

Disse o ministro em 05/11/2019:

Então o que que nos vamos fazer daqui pra frente: entra, seja um servidor exemplar, serve 3 anos, 4 anos… dependendo da profissão, do aperfeiçoamento. São 300 e tantas carreiras, vão ser  reduzidas para 20, 30 só. E tem que ter um período de servir, mesmo, para ser selecionado. Bom, esse é realmente um servidor público. Ganha estabilidade no emprego. Sem filiação partidária. Tem filiação partidária? Você não é servidor do estado brasileiro, você é militante. Não vou dar estabilidade para um sujeito que… Pode ser militante à vontade agora não tem estabilidade, é igual a qualquer um de nós. Nós também temos partido, todo mundo anuncia, faz o que quiser. Agora tô mexendo com recurso público, tô com carteirinha do partido pera aí… estabilidade do emprego exige…é como as Forças Armadas também, eu sou um servidor do estado brasileiro.

 

A estabilidade no emprego não se trata de privilégio, mas de meio efetivo para garantir o bom serviço prestado à população. Esse recurso do regramento estatutário diminui a possibilidade de constrangimento ou coerção do servidor por interesses particularistas de sua chefia. Assim um servidor estável não deve ter sua permanência no emprego definida pela chefia, isto garante que ele possa, por exemplo, se negar a cometer ato ilícito sem temer sua permanência no emprego. Daí a importância da manutenção do Regime Júridico Único (RJU), pelo menos nesse momento histórico, para a qualidade e isenção dos serviços prestados a população.

Outro argumento em favor da estabilidade dos servidores é a ameaça presente na própria fala do ministro aos servidores. A possibilidade de perseguição política e caça às bruxas para limitar a crítica aponta o motivo pelo qual a estabilidade é necessário em nosso Estado, é a partir da estabilidade que o servidor pode exercitar sua liberdade de crítica e se defender de perseguição política.

Assim a manutenção da estabilidade do servidor não representa nenhum privilégio, mas é uma forma de resguardar o direito de todos ao serviço público de qualidade. Claro que em uma situação econômica de fragilização cada vez maior dos direitos trabalhistas e de aumento das taxas de desemprego, todo trabalhador que busca diariamente a possibilidade de, ao menos, ter a carteira de trabalho assinada vê a estabilidade como algo distante de suas possibilidades.

Diante disto temos que retomar a solidariedade de classe e mirar nos reais privilegiados. A luta dos trabalhadores deve se pautar no avanço da qualidade nas relações de trabalho para todos.  Não será reduzindo os direitos dos trabalhadores do serviço público que avançaremos nas conquistas dos trabalhadores da iniciativa privada. A pergunta que devemos fazer é: quem de fato tem obtido lucro com a fragilização dos direitos trabalhistas? Não são, evidentemente, os servidores que estão nos serviços de saúde, assistência ou educação, realizando o atendimento direto à população. Muitas vezes com poucos recursos e excesso de trabalho.

Retomando a afirmação do ministro sobre proibir a filiação partidária de servidores públicos precisamos disser o óbvio: a diversidade e liberdade de expressão são garantias fundamentais a todos os brasileiros e são mais um instrumento da democratização no serviço público. A filiação partidária é direito constitucional e qualquer forma de restrição dos direitos políticos que venha a ferir a liberdade de convicção ataca cláusula pétrea da constituição.

A liberdade de associação é garantida a todos, restringi-la, além de ilegal, retoma métodos ditatoriais de controle exclusivista do estado. É preciso garantir espaço a expressão das diferentes vertentes partidárias dentro do estado, recriminar ou controlar o pensamento do servidor é relegar todo o servidor público ao status de cargo comissionado que só faz e diz o que “o seu mestre mandar”. Um dos principais pontos que faz a estabilidade ser necessária em nossa sociedade é exatamente a liberdade política, e o ataque presente na fala do Guedes demonstra isto de forma evidente.

Os flertes com autoritarismo e ditadura aparecem em todos os âmbitos do governo. No Brasil, assim como no restante da América Latina, o capital tem dado um recado claro de que está disposto a ampliar suas medidas repressivas para garantir que os ajustes se efetivem. Ajustes estes que objetivam a manutenção do aumento das taxas de lucro dos grandes capitais à custa das condições de vida dos trabalhadores. O plano econômico liderado pelos liberais da turba de Paulo Guedes visa socializar a miséria para não ameaçar os grandes capitais. Essa é a verdadeira pauta dos autointitulados liberais.

A pauta que prevê “enxugar o serviço público” e “acabar com privilégios” (reduzindo a estabilidade do servidor e criando mecanismos de controle e coerção) atua no sentido de criar um inimigo “o servidor público” enquanto os reais beneficiários do sistema seguem lucrando. Dessa forma, a defesa da estabilidade e do RJU é necessária, visto que estes mecanismos permitem que cada servidor posso ter compromisso com os direitos sociais e não com a manutenção de interesses privatistas do Estado burguês.

Por fim é preciso apenas registrar que a discussão e aprofundamento sobre o papel do Estado não foi objeto deste texto. Por hora basta disser que embora tenha sido defendido aparatos do estado burguês (como a estabilidade e o RJU) não há pretensão de defesa deste Estado, mas dos direitos sociais. A premissa é que estes aparatos, ainda que limitados, permitem que o servidor atue no sentido dos direitos sociais e não se subjugue aos interesses estritos do capital. Faz-se necessário, diante dos ataques que ameaçam a condição de vida dos trabalhadores, resistir para podermos sonhar com uma outra forma de sociabilidade.

 

*O texto é de responsabilidade dos autores e pode não refletir a opinião do jornal

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