Imagem: Tanques do Exército em frente ao Congresso, após o golpe. Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.
Clara Fernandez* – Publicado originalmente em Universidade à Esquerda – 02/04/2021
Após Bolsonaro e seus aliados iniciarem a semana com uma nova ameaça golpista, tentando agitar um motim de policiais na Bahia e reorganizando as forças militares em torno de si, a data em que teve início a ditadura empresarial militar no Brasil é marcada por um novo episódio de celebração revisionista, ação que se tornou uma tradição deste governo.
O novo Ministro de Estado da Defesa, Walter Souza Braga Netto, publicou ordem do dia de celebração do golpe militar de 1964, seguindo os passos de seu antecessor nos últimos dois anos, Fernando Azevedo e Silva. Além disso, houveram manifestações de comemoração em pelo menos cinco capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Palmas, Curitiba e Belém. Em São Paulo, o grupo de manifestantes, que eram em torno de 100 pessoas, tentou invadir o quartel do Comando Militar do Sudeste, mas foram contidos.
Os generais e aqueles que compõem o campo bolsonarista insistem em bradar aos quatro ventos que o golpe militar se tratou de uma medida necessária para conter ameaças às liberdades e à democracia. Atribuem àqueles em que aplicaram medidas de tortura e extermínio suas próprias características, pois necessitam criar uma imagem de um inimigo a ser combatido para justificar o imenso crime que cometeram contra o nosso país por mais de 20 anos. Sob o mote de combate ao comunismo, tiraram inúmeras vidas que ousaram contestar o regime, desmontaram instrumentos importantes de organização da classe trabalhadora, intervindo em sindicatos e entidades estudantis, e aprofundaram as condições de submissão do Brasil às políticas imperialistas do capital financeiro.
Braga Netto pode se contentar também com o processo transitório, pois este anistiou os crimes cometidos pelos militares e nunca permitiu um verdadeiro processo de reparação histórica, além de não termos vivido um efetivo resgate da memória do que significou a ditadura para o país. A comissão da verdade foi constituída apenas 30 anos depois da transição e somente como uma medida de resposta à uma condenação na Corte Internacional de Direitos Humanos em 2010.
É justamente esse insuficiente processo transitório que permite ao revisionismo ser levado à cabo tanto pelos poderes ditos republicanos, assim como dá espaço a novas ameaças de fechamento de regime, episódios constantes atualmente na vida pública do país. É preciso não esquecer o papel dos militares, que não só sabiam, como autorizaram as torturas e assassinatos que foram cometidos pela ditadura.
Todo este extermínio, ao fim e ao cabo, respondiam às necessidades da classe dominante de dizimar as condições de organização da classe trabalhadora para lutar contra as políticas que privilegiam a acumulação capitalista. As reformas de base precisaram ser derrotadas porque eram resultado da força dos movimentos de trabalhadores e não porque João Goulart pretendeu em algum momento implementar um governo comunista no país.
Hoje o mote da “ameaça do comunismo” é revivido para impedir que qualquer embrião de uma verdadeira luta por liberdade possa surgir. Até mesmo defender a vida em meio à pandemia está sendo tratado pela ideia dominante como ataque à liberdade, mascarando novamente uma política criminosa contra esse país, pois ao não conter o avanço da pandemia, aqueles que estão no poder deixam a população padecer na mão do vírus e da crise econômica. O ataque à memória e à vida de inúmeros brasileiros, ontem e hoje, compõe o conjunto de uma política.
O resgate da memória histórica, juntamente com a reinvenção dos instrumentos de luta da classe trabalhadora, que foram ao longo do tempo se adaptando aos jogos do capital, são alguns dos instrumentos necessários que podemos recolocar na ordem do dia, para uma resposta à altura a toda brutalidade que vem sido imposta pelos capitais e por Bolsonaro em sua empreitada para se manter no poder.
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