[Opinião] Por que o Gabinete da Reitoria não se posicionou sobre a execução de Marielle? (E as possíveis consequências para nosso convívio na UFSC)

Ella S. Zara para UáE – 18/03/2018

Logo pela manhã do dia 15, enquanto o Brasil ainda estava abalado pela notícia dolorosa da execução de Marielle e Anderson, a bandeira da UFSC tremulava bem ao alto do mastro. Para todos aqueles que passavam pelo principal espaço público da universidade, tudo poderia ser confundido no teatro do cotidiano. Para nós, na redação do UFSC à Esquerda, tudo aquilo soou como uma ofensa porque reitera como nos gabinetes da UFSC, algumas vidas valem muito mais que outras e os afazeres de uma universidade cada vez mais operativa vão empurrando nossas dores, nossos lutos, o assédio, a violência, o racismo para os cantos. Na redação, tomamos uma decisão difícil, era melhor tentar intervir. Escrevemos um documento simples, de apenas duas páginas, explicando o acontecido e o significado político que antevíamos (queríamos evitar o constrangimento de chegar até o reitor e ele sequer saber quem era Marielle e Anderson).

O documento protocolado diretamente no Gabinete do Reitor é simplesmente um pedido de declaração de luto. Concretamente, isso significaria baixar a bandeira da universidade à meio mastro e deixar um oficio explicativo aos passantes. Algo muito simples, mas com uma mensagem poderosa: a universidade se importa com essa vida e com o significado de sua execução para toda a sociedade brasileira.

Quando escrevemos, confesso, havia ali também uma tentativa (ainda que inútil) de tentarmos nos recuperar do choque e nos prepararmos para contribuir como fosse possível para a compreensão do assassinato de Marielle e Anderson:

“Marielle, negra, mulher, lésbica, mãe, militante, construiu uma trajetória incansável de lutas em defesa de um Rio de Janeiro real – o Rio das favelas, dos pretos e dos trabalhadores. Eleita vereadora em seu primeiro pleito, a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro em 2016. Marielle reconhecia seu papel como interlocutora capaz de dar voz à desnaturalização da violência cotidiana nas favelas cariocas e por isso dispôs de todos os seus canais para denunciar, entre outras, a violência policial e o genocídio dos trabalhadores e da juventude preta.”

[…]

“O assassinato brutal de Marielle choca e aflige a todos nós da comunidade universitária e nos alerta para a normalização de um estado de exceção no qual indivíduos sentem-se, nesse momento, livres para – além de calúnias e injúrias de todo tipo – chegar mesmo a consecução de assassinatos e execuções sumárias de ativistas e lutadores de nosso povo.”

[…]

“Lutar contra esse tal estado de coisas é uma virtude que transcende quaisquer diferenças ou posições partidárias. Esse ato vil é absolutamente injustificável e aterrorizante.”

[…]

“A universidade tem como papel maior a reflexão crítica sobre os destinos de nosso povo e da sociedade brasileira, por isso o luto oficial – além de homenagear Marielle Franco, seus companheiros, amigos e familiares – servirá de protesto contra o alastramento de um tipo de violência que coloca verdadeiramente em risco qualquer sentido democrático.”

Por tudo isso é com muita dor e, sobretudo, indignação que recebemos como resposta a completa indiferença do reitor pro tempore, Ubaldo Balthazar e de seu chefe de gabinete, Áureo Moraes. O fato é que a UFSC não declarou luto oficial, não baixou a bandeira, não emitiu nenhuma nota e seguiu como se nada houvesse acontecido.

Esse fato não é corriqueiro. Afinal, não é por acaso que no grupo da UFSC no Facebook, estudantes chegaram a comemorar o assassinato covarde de Marielle: “Menos uma comunista no mundo!!!” – disse um estudante. Outras mensagens seguiram em direções igualmente violentas, bárbaras e mediocres:

A situação beira o escárnio. A verdade é que a universidade não está contribuindo em praticamente nada para cultivar o espírito crítico entre os membros de sua comunidade. Como resultado, ocorre que os estudantes e servidores nos grupos da UFSC na internet têm demonstrado um grau excessivamente rasteiro na formulação de suas opiniões e na difusão de conteúdo falso, calunioso ou evidentemente mentiroso – transformadas, muitas vezes, em barbaridades espalhadas na internet e que lhe transforma em um ambiente tóxico e adoecido.

É preciso lembrar que situação semelhante foi vivenciada por ocasião da morte do ex-reitor Cancellier. O Grupo da UFSC, na maior rede social (Facebook), se transformou imediatamente em um ambiente de escárnio e ódio. Muito estudantes do CTC, CFM e CCS chegaram a fazer piadas sobre o suicídio e sobre a tragédia. Naquele momento, alguns poucos estudantes e servidores chegaram a pedir pela extinção do grupo e a abertura de sindicância contra os envolvidos (alguns dos quais banidos da página, que possui por característica congregar a direita). Naquela ocasião também nenhuma resposta foi dada para o problema por parte da administração.

Mas para além de apontar a inércia da direção da universidade, devemos nos lembrar que essa situação não se modificará com a mera extinção do grupo da UFSC, isso apenas deslocaria essas pessoas para outros grupos ou as fariam conservar suas opiniões e convicções tóxicas em seus ambientes privados. A UFSC precisa de posicionamentos críticos daqueles que ocupam os papeis centrais na vida acadêmica. O reitor deveria ser o primeiro a cumprir tal papel, estimulando o espírito franco, solidário, crítico e científico. Antes de qualquer função de zeladoria ou administração da vida acadêmica, o reitor tem um papel essencialmente intelectual e, por isso, seu ocupante deveria ser a expressão de elevado grau de relacionamento crítico e vontade de participação. Ubaldo ignorou esse papel. E em tudo mais parece-lhe faltar vigor para enfrentar os grandes temas necessários à reunificação da UFSC, à cicatrização de nossas feridas e ao estabelecimento de uma direção de futuro capaz de impulsionar a sociedade catarinense rumo a um destino melhor – no qual temos esperança de que o conhecimento tenha um papel não meramente de formação profissional, mas constitua-se na base da relação entre as pessoas e o mundo que nos cerca.

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