Imagem: Apresentação do Plano diretor. Fonte IPUF
Júlia May Vendrami – Redação UFSC à Esquerda – 06/12/2021
Em junho de 2013 o aumento das tarifas de transporte público nas capitais foi o estopim para a ascensão de um movimento de massas. Aqui em Florianópolis o movimento contra a tarifa já foi muito forte, em 2004 e 2005 derrubamos dois aumentos da tarifa de ônibus na cidade. Mas a Prefeitura de Florianópolis, assim como várias outras, mudou de estratégia. Agora o aumento de tarifa acontece no dia 1º de janeiro, o que dificulta muito a mobilização da população.
O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, foi aprendendo a usar essa manobra. No dia 11 de janeiro de 2017, recém eleito para a prefeitura de Florianópolis, apresentou à Câmara dos Vereadores um pacote de trinta e oito medidas para cortar gastos às custas dos servidores municipais. No mesmo dia, a Câmara se reuniu e definiu um rito extraordinário para votar o pacote encaminhado pelo prefeito, mostrando que ele não está sozinho nessa história. No dia 16 de fevereiro os Municipários entraram em greve e depois de muita luta, conseguiram alguns recuos no pacotaço de maldades do Gean[1].
Da mesma forma, no dia 15 de janeiro de 2021, Gean encaminhou para a Câmara de Vereadores seis “projetos emergenciais”, entre eles os projetos para desmonte da Comcap, que incluíam corte no pagamento da hora extra e nos salários dos funcionários da Comcap, permissão de terceirização de serviços da autarquia e a autorização de leilão de 51 imóveis da Comcap. Esses projetos foram aprovados, apesar da intensa luta dos trabalhadores.
Mas o que também foi proposto em janeiro de 2021 e não foi aprovado pela Câmara de Vereadores foram as mudanças no Plano Diretor da cidade. Na época diversos vereadores se manifestaram dizendo que seriam necessários mais debates e maior participação da população nesse processo.
Sendo assim, não é nenhuma surpresa que a proposta de mudança do Plano Diretor de Florianópolis (Lei Complementar Municipal n. 482/2014) seja feita novamente nessa época de final e início de ano. Durante todo o ano de 2021, poderíamos ter tido audiências públicas, ampla discussão com a sociedade, mas o projeto só foi apresentado novamente no dia 2 de dezembro. Com uma consulta pública entre os dias 2 e 22 de dezembro e uma única audiência pública na sexta feira anterior ao natal, dia 17 de dezembro, à noite.
Conforme a notícia divulgada por alguns veículos de mídia, a proposta de revisão do Plano Diretor deve entrar na pauta da Câmara de Vereadores no primeiro semestre do ano que vem. Pelo histórico, provavelmente durante o mês de janeiro.
Antes mesmo de analisar o conteúdo da proposta, podemos afirmar que a forma dos debates está diminuindo as possibilidades de participação social, levantando sérias desconfianças a respeito do verdadeiro sentido da proposta. No mínimo seria necessário fazer audiências públicas em diferentes bairros de Florianópolis para discutir com mais profundidade as implicações das mudanças em cada parte da ilha e continente.
O secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano, Michel Mittmann disse que um dos objetivos da revisão do plano é “destravar” a cidade, com menos burocracia “Temos que superar essa discussão do nada pode”, afirma Mittmann.
Isso já nos mostra quais são os objetivos das mudanças, já que alguns dos principais embates que acontecem na cidade de Florianópolis dizem respeito às áreas de preservação permanente, com ambientes sensíveis que precisam de proteção. É importante ressaltar que as belezas naturais são o maior atrativo da cidade, e que se engana quem acha que isso beneficia somente o turismo.
Para citar somente um aspecto no qual essa característica corrobora com um projeto de cidade da própria burguesia, podemos pensar no setor de tecnologia. Diversos profissionais de TI querem morar em Floripa e aceitam mais facilmente propostas para se mudar para a ilha, justamente para aproveitas as belezas naturais, além de festas e outros atrativos. Essa característica contribui para que a cidade se torne um polo tecnológico.
Podemos discutir se é este é ou não o projeto de cidade que almejamos, e é exatamente isso que devemos fazer, ao invés de deixar que as questões sejam decididas sem participação da população. Há muito que se analisar e discutir na proposta de mudança de plano diretor, ela diz respeito aos diferentes projetos de cidade que estão em disputa.
Uma das questões a ser analisada com mais calma diz respeito aos diversos “incentivos urbanísticos” que são propostos. Pela minuta, “empreendimentos que promovam a redução do impacto sobre o meio ambiente” poderão receber um acréscimo no coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação, ou seja, poderão construir mais, no mesmo terreno, do que o restante das edificações. Outros incentivos também são propostos, mas esse chama atenção pela falta de critérios objetivos.
Como engenheira civil, mestranda em arquitetura e urbanismo e entusiasta da bioconstrução, não acredito que exista tal coisa como um empreendimento que promove redução do impacto sobre o meio ambiente. Toda vez que um prédio é construído, gera um impacto maior ao meio ambiente do que se o prédio não tivesse sido construído.
Ao mesmo tempo, tenho clareza o suficiente para saber que qualquer prédio que utiliza um sistema de condicionamento de ar um pouco mais eficiente, uma proteção de fachada que diminui a admissão de calor solar no edifício ou um material de menor densidade energética poderia afirmar que o empreendimento reduz o impacto ambiental em relação a outros que não possuem as mesmas características. Será que isso por si só deveria permitir que esse empreendimento construísse mais andares ou em uma maior área no mesmo terreno?
São discussões que precisamos fazer como população que vive nessa cidade. Por isso, apesar das condições desfavoráveis, convido a Universidade, movimentos sociais, arquitetos, urbanistas e comunidades organizadas a se debruçar sobre e estudar a minuta da proposta de revisão do Plano Diretor de Florianópolis.
Algumas informações sobre a proposta do Plano Diretor podem ser encontradas nesse site:
http://ipuf.pmf.sc.gov.br/pd2021/
O texto completo da minuta pode ser acessado nesse link.
[1] Para quem quiser entender melhor o que aconteceu no início de 2017, sugiro a leitura do seguinte texto: