Imagem: UFSC à Esquerda
Marcelo Ferro* – Redação UàE – 05/08/2019
Nos últimos anos, houve uma grande renovação do quadro de professores da UFSC. Essa entrada de novos professores corresponde ao fim de um ciclo de atividades dos docentes que entraram na universidade há 35, 40 anos, quando da criação de muitos cursos, e que agora poderão desfrutar de seu direito à aposentadoria.
Os novos professores terão de enfrentar hoje uma ofensiva de privatização escancarada da Universidade Pública, e passarão por uma experiência de lutas acelerada. À semelhança e intensidade desta experiência, talvez só tenham tido quando iniciavam seus estudos de graduação. Na década de 90, com a imposição da Reforma do Estado pelos consecutivos governos tucanos, foram diversas as tentativas de golpear a Universidade Pública e o Serviço Público Federal.
Essas tentativas foram barradas com gigantescas greves dos SPFs, com participação maciça de professores e TAEs. Melhor dizendo, foram barradas momentaneamente, foram colocadas em suspensão. Retornam, agora, com igual violência, mas com muito mais poder de convencimento. Daqueles episódios para cá, foi sendo habilidosamente construído um consenso sobre qual deveria ser o rumo da Universidade Pública no Brasil.
O futuro da Universidade?
Dos anos 2000 para cá, a Universidade Pública atravessou um processo talvez menos evidente de privatização, que se apresentou como uma combinação de elementos. Tomemos alguns, que foram se estabelecendo em concomitância à expansão precarizada da Universidade Pública: o fortalecimento das fundações ditas de apoio; a naturalização das avaliações pedagógicas com viés produtivista; a consolidação de Centros de Excelência, em detrimento das muitas unidades regionais; a disseminação da ideologia do empreendedorismo e de seus espaços de crescimento: Empresas Juniores, laboratórios de inovação, Parques Tecnológicos.
Não é à toa, aliás, que o projeto “Future-se” invoca e faz um apêlo a todos esses elementos para participar daquilo que é, na prática, a liquidação da Universidade Pública.
Em paralelo ao empresariamento da Universidade Pública, teve lugar a expansão acelerada do ensino superior privado, voltado à formação em massa de força de trabalho. Essa expansão foi marcada pela concentração de capitais cada vez maior, possibilitada pela transferência de fundos públicos para essas empresas através de programas do governo como o FIES e o ProUni.
Esse processo gestou uma força social antagônica à Educação Pública muito poderosa, cuja extensão dos vínculos, em uma rede de associações, ONGs e aparelhos dentro e fora do Estado (e mesmo, dentro da própria Universidade), não está ainda suficientemente calculada pelos setores sociais que reivindicam uma Escola gratuita, universal e completa para os trabalhadores.
Essa força social está impondo um projeto privatizante da Educação Pública com grande violência, e vem encontrando pouca resistência dos setores sociais que historicamente estiveram em sua defesa. Colocando sumariamente, encontra os estudantes despreparados, dando os primeiros passos para reconstrução de uma experiência combativa fora da alçada da UNE, que se tornou imóvel e burocratizada; e encontra os movimentos dos trabalhadores universitários como que mergulhados num sono profundo, também despreparados para essa ofensiva.
A posição da Reitoria da UFSC frente ao “Future-se”, que é também aquela oficial da Andifes, não é, na verdade, de oposição ao projeto. Espantosamente, a preocupação das Reitorias não é com conteúdo privatizante das propostas, mas tão somente com quem será o agente gestor dessa privatização. Quer dizer, não querem as Organizações Sociais ou figuras jurídicas semelhantes gerenciando essas medidas: querem elas mesmas, as Reitorias, junto dos Conselhos Universitários, aplicando e dirigindo a privatização da Universidade Pública; aliás, como já vêm fazendo.
É preciso ter muito em conta que é de dentro do quadro de professores que os processos de privatização da Universidade Pública vem encontrando os sujeitos de sua implementação. Um grupo muito seleto de professores se beneficia com a privatização, pois pode acessar fontes maiores de recursos para seus laboratórios e projetos fortalecendo suas relações com o empresariado. Isso não é possível, todavia, para a grande parte da pesquisa produzida na Universidade, que não pode ser aproveitada para a valorização econômica imediata. Esse é o caso, apenas para ilustrar esse problema, da pesquisa nas Ciências da Natureza com alto nível de abstração, porque se encontra numa fronteira muito avançada da elaboração teórica; e mais ainda para a produção filosófica e artística, que por suas próprias características resiste a ser transformada em produtos.
Uma pergunta é colocada aos novos docentes que ingressam hoje na universidade, bem como para aqueles que, já aqui dentro, não se tornaram eles próprios agentes ou cúmplices da política do governo: terão a capacidade de organização para luta política à altura da tarefa histórica de defender a Universidade Pública?
O sindicato autônomo como instrumento de luta
Os professores universitários têm uma história de sindicalismo combativo. Antes mesmo da criação da Andes, em 1981, as Associações Docentes das universidades foram ativas na reivindicação de direitos da categoria, e, para além disso, estiveram à frente nas lutas de universalização da Educação Pública, uma pauta histórica dos trabalhadores. Quando o Andes pôde ser oficialmente reconhecido como sindicato, em 1988, as Associações Docentes já vinham de uma trajetória de luta pela abertura política e pela Educação, ativas na construção e na crítica às propostas implementadas com a nova Constituição Federal.
Papel igualmente importante foi desempenhado pelos docentes no plano sindical, estando à frente da oposição à velha burocracia dos sindicatos, em defesa de um sindicalismo autônomo dos consecutivos governos e de estrutura plenamente democrática. No período que sucedeu as eleições gerais de 1989, em que a Central Única dos Trabalhadores deixou de ser um pólo combativo e foi gradativamente se incorporando à lógica do sindicalismo de Estado, os docentes se mantiveram firmes ao princípio da autonomia, construindo lutas vitoriosas, ainda que o período tenha ficado marcado por grandes perdas para os trabalhadores.
Nos anos 90 e 2000, o Movimento Docente, juntamente com o Movimento Estudantil e o dos TAEs, conseguiu resistir às tentativas mais agudas de privatização da Universidade. Em grande medida, isso só foi possível por manter sua autonomia e combatividade, não cedendo a sentar com o governo para “negociar” direitos.
O conteúdo das ofensivas daquele período é, aliás, revelador sobre a senilidade das propostas do projeto “Future-se”. Entre os pontos da Reforma do Estado, estava a revisão constitucional da autonomia financeira e administrativa das universidades, entregando sua gestão a Organizações Sociais, a cobrança de mensalidades, a quebra do regime de contratação dos servidores com a criação do “emprego público”, entre outras. Todas essas propostas foram barradas com incansável luta dos trabalhadores, que realizaram greves de dimensão nacional, com duração de mais de 100 dias. Teve papel importantíssimo nesses episódios a liderança do Andes-SN, coordenando as Associações Docentes em lutas vitoriosas, bem como construindo uma memória dessas experiências políticas, cujas lições devem ser aproveitadas para os enfrentamentos de hoje.
Por onde passa a organização dos professores na UFSC?
A massa de novos professores que ingressa hoje na UFSC quer e precisa entrar em movimento. Contudo, essa disposição esbarra com a APUFSC — seu sindicato oficial —, que não consegue sequer atingir quórum em uma votação online para apoiar ou não a Greve Geral, e que aprova para esse dia uma paralisação de 30 minutos. Ela encontra-se, hoje mesmo, discutindo se irá se filiar a entidade nacional x ou y, e com essa pauta paralisa mesmo aqueles docentes inconformados, que vêem nisso a possibilidade de tê-la transmutada em um instrumento de luta. Essa mesma APUFSC baixa um processo judicial contra Seção Sindical do Andes para que esta não possa chamar os trabalhadores à mobilização. Essa é a associação que se diz de luta, mas que contribui para a desmobilização dos docentes.
Há alguma ilusão de que a APUFSC fará oposição ao “Future-se”? Muito pelo contrário! A característica da atual diretoria indica que haverá, sim, apoio tácito ao projeto, respaldando a posição da Reitoria e da Andifes.
O sindicato dos docentes da UFSC, que tem uma trajetória importante de autonomia e construção da luta, estando à frente mesmo da criação da unidade nacional do movimento docente, hoje isola-se e tem a cara dos professores reacionários que movimentam suas listas de e-mails, como Marcelo Carvalho, Colle, Fletes, Bebeto, Erbs. Esses senhores contribuem, isso sim, para colecionar derrotas nas lutas dos professores.
Muito mais do que decidir pela filiação da APUFSC à uma entidade nacional x ou y para ter “mais poder de barganha” com o governo, os novos docentes têm a tarefa de construir um movimento autônomo, que se recuse a sentar com quem quer que seja para “negociar” direitos, recuperando o passado de combatividade das lutas docentes.
Para isso, terão de passar por cima da Diretoria da APUFSC, terão de provar que não aceitarão ser controlados e paralisados por uma dúzia de professores reacionários. Que essa tarefa se some àquela de construir um sindicato de luta de verdade, que se empenhe em mobilizar e unir os professores a nível regional; para isso, terão o desafio de aprender com as experiências do movimento docente, recuperando seu passado de autonomia e combatividade. Têm agora, diante de si, a tarefa de provar sua disposição para luta e seu radicalismo.
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