[Opinião] Quem fica de fora do Reviver Centro no Rio? 

Imagem: Elaboração de Luiza Bertin em seu Trabalho Final de Graduação apresentado no Çirculação da Balbúrdia

Flora GomesRedação UàE – 22/09/2021

O que se apresenta oficialmente com esse  projeto é a busca pela ocupação de espaços ociosos e incentivo à ocupação residencial da região. Sob discurso da necessidade de revitalização do Centro do Rio, a proposta prevê o direcionamento de investimentos públicos para a transformação do local. Contudo, é necessário entender o programa sob uma perspectiva dos conflitos urbanos na capital carioca, que se apresentam há séculos e se intensificaram nos últimos anos. Cabe lembrar que a cidade tem sido alvo de relevantes empreendimentos devido aos investimentos durante a Copa do Mundo em 2014, os Jogos Olímpicos de 2016 e a Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha iniciada em 2011. 

Foi no centro da cidade do Rio o local onde chegaram diversos navios com populações negras escravizadas durante o período de colonização do Brasil. Entre os séculos XVIII e XX, o espaço contou com a presença deles, mas a estrutura arquitetônica central carregava as necessidades residenciais das elites e os prédios administrativos. O Morro da Providência, localizado na região, foi a primeira favela do Brasil. 

Contudo, a expansão territorial aliada ao deslocamento de atividades econômicas e funções administrativas para outros lugares da cidade fizeram essa região portuária perder relevância na dinâmica econômica da cidade. Em oposição à Zona Sul, a Zona do Centro foi cada vez mais sendo ocupada majoritariamente por populações de baixa renda. O espaço foi sendo cada vez mais esvaziado e essas populações marginalizadas, resistindo à especulação imobiliária do Rio por meio da ocupação de imóveis vazios e abandonados e, também, habitando cortiços.

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Já no final do Século XX a zona volta a chamar a atenção pela oportunidade vista pelo empresariado em realizar investimentos para valorizar, do ponto de vista do capital, a região. Assim, desde a década de 1980, entidades empresariais e sujeitos ligados ao capital financeiro passam a discutir o destino da zona portuária. O resultado desse debate consolidou o Projeto Porto Maravilha, que circunscreve a região portuária do Rio de Janeiro, de cerca de 5 milhões de metros quadrados, e inclui os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Caju, São Cristóvão e Centro. Na própria concepção do projeto do Porto, buscou-se utilizar-se do aspecto histórico da região para valorizar o empreendimento.

O projeto foi criado pela Lei n˚ 101/2009, com o objetivo explícito de ampliar e requalificar os espaços livres de uso público da Região do Porto para melhorar a qualidade de vida dos moradores da região – argumento também presente no Reviver Centro. A Concessionária Porto Novo, por meio de parceria público-privada, ficou responsável pela execução das obras e prestação de serviços urbanos. Já no projeto do Porto estava presente a ideia de desenvolver moradias no local, ponto que é reforçado no Reviver Centro.  

Com isso, a área do centro se converteu em uma espécie de retalho, com lugares turísticos, pontos comerciais e edifícios corporativos, e também, residências populares, ocupações dos prédios vazios e construções em deterioração. 

Acerca do Programa Reviver Centro, cabe destacar que um dos principais objetivos é atrair a classe média para a região, desconsiderando a população que já vive no local. Para a construção do Porto Maravilha, por exemplo, diversas remoções forçadas ocorreram, para localidades distantes da região central e sem infraestrutura. A Lei n˚ 102/2009 instaurou a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP) e concedeu a ela o poder de desapropriações  na Área de Especial Interesse Urbanístico desta região. Utilizou-se, inclusive, repressão policial para levar a cabo a operação. Além disso, durante a Copa e Olimpíada, diversas famílias foram removidas dessa mesma região. 

Ainda que não sejam feitas remoções pelo poder público, o programa pode expulsar indiretamente os atuais moradores por meio dos aumentos dos aluguéis e das mercadorias compradas na região. Além disso, os imóveis que se encontrarem em débito com o Imposto Municipal Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) inscritos em Dívida Ativa poderão ser arrecadados pelo poder público.

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Segundo o projeto haverá a concessão de benefícios a empreendedores que adotarem o programa de locação social que será lançado pela Prefeitura e terá como público-alvo estudantes universitários e servidores públicos. Mas, até o momento, nenhum edital foi lançado. 

Outro eixo que chama a atenção é a Operação Interligada. Com ela, indica-se que a construção nesta região do Centro dê ao proprietário facilidades para aquisição de imóveis na Zona Sul, Grande Tijuca e Zona Norte, bairros já elitizados, o que favorece a especulação imobiliária nestes locais. 

Soma-se o fato de que a inspiração arquitetônica dos prédios são edifícios que existem em Nova Iorque e São Paulo, nos quais as coberturas dos prédios são de uso coletivo, com a construção de restaurante e áreas de lazer. Tais benfeitorias passam ao largo do que as populações de baixa renda costumam poder pagar nos aluguéis.

Ademais, conforme apontou Luiza Baldin no último Çirculação da Balbúrdia, no mesmo ano da aprovação da Lei Complementar n˚ 11/2021, sancionou-se o Decreto n˚ 48806, que proíbe o comércio ambulante na região, fonte de renda de muitos moradores do local. 

Por fim, o projeto foi apresentado como participativo, mas a consulta resumiu em enquetes online de múltipla escolha. O mecanismo sequer permitiu a crítica ou sugestões. 

Este projeto, portanto, além de fazer avançar o processo de higienização no centro, faz aumentar a especulação imobiliária em outros bairros da cidade, além de desconsiderar a parcela da população que já vive naquele espaço. 

A questão do patrimônio público será debatida em um evento na semana que vem organizado pela Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora Vânia Bambirra (EFoP). No dia 30 de setembro, às 18h30, Cláudio Ribeiro e Sara Granemann, professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discutirão o patrimônio público, urbanismo e a sanha capitalista. A transmissão será feita no canal do Youtube da Escola. 

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