[Opinião] The Dreamers. Ou, a pequena-burguesia que não quer saber de pandemia

Foto: cena do filme The Dreamers, Bernardo Bertolucci, 2003.

Helena Lima* – Redação Universidade à Esquerda – 12/04/2021

Bernardo Bertolucci dirigiu um filme em 2003 chamado The Dreamers. Mais do que uma história sobre “inocência”, como interpretou a crítica, o filme retrata a posição de recusa da realidade de três jovens pequeno-burgueses durante o maio de 68.

Em meio a destruição de Paris e o ascenso do movimento dos trabalhadores, os três jovens decidem abandonar a luta coletiva pela emancipação e isolar-se em uma liberdade individual. Assim, enquanto a cidade é destruída e as multidões tomam as ruas, os protagonistas, bancados por seus pais intelectuais, se fecham em seu apartamento e passam a desfrutar de uma “liberdade” identificada com o abuso do álcool, uma falsa liberdade sexual e a cegueira sobre tudo que se passa do outro lado de sua porta.

Existe uma atualidade do filme em relação aos costumes pequeno-burgueses no Brasil. Hoje, aqueles que têm condições econômicas de ficar em casa podem dar as costas à multidão de cadáveres, ocupando-se de realizar seus desejos mais banais.

“Eu e Theo não assistimos à televisão, somos puristas”. Assim fala Isabelle, uma das protagonistas, quando os jovens passavam por um noticiário que mostrava as grandes manifestações, as fábricas sendo fechadas e a repressão do Estado frente aos trabalhadores.

Como hoje, é parte da visão de mundo pequeno-burguesa não ler mais as notícias da pandemia e da crise econômica que se agrava no país. Em recusa da realidade que nos cerca, escolhem por falsificar um mundo paralelo onde só sua própria “liberdade” é considerada: liberdade de ir aos shoppings, aos restaurantes e à balada.

Ou seja, a flexibilização da quarentena não passa por uma discussão política e coletiva, mas pela realização dos desejos mais imediatos. E, sabendo que uma análise rigorosa da situação social no país traria para o estrato social pequeno-burguês a obrigação de abrir mão de alguns confortos, a decisão é de se esquivar de fazê-la.

Nas universidades esta tendência também se alastra. A superficialidade do ensino remoto permite que os estudantes com maiores rendas se escondam atrás das câmeras e caminhem no único sentido de seus objetivos pessoais. Sem a convivência com seus colegas e sem debate político, esses alunos tapam os ouvidos para o avanço da chacina no país.

A visão de mundo que escolhe por dar as costas à realidade social tem sua vinculação de classe, tanto para aqueles que negam a pandemia e decidem por exercer sua “liberdade”, quanto para aqueles que enxergam o isolamento social de forma moralizante, condenando todos que saem ao trabalho.

A premissa deste pensamento é a de que as pessoas têm plena capacidade de escolher ou exercer sua liberdade nas decisões individuais. Esse privilégio é, na verdade, próprio da condição pequeno-burguesa: uma classe que não é essencial em nossa sociedade, cujas ações se situam à margem dos acontecimentos sociais.

É necessário combater esta visão de mundo entre nossos companheiros de classe, pois enquanto o debate sobre a pandemia e o isolamento se mantém nessas coordenadas morais, apartadas da realidade, não é possível transcender para o debate político sobre a situação social.

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

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