Foto aplicativo Uber/ Crédito: www.quotecatalog.com
Maria Fernandez * – Redação Universidade à Esquerda – 03/03/2021
Uber perde causa no Reino Unido e trabalhadores tem vínculo empregatício reconhecido
Recentemente acompanhamos vários exemplos de situações de conflito entre entregadores de aplicativos e consumidores. Os conflitos geralmente são gerados na relação tensa quando pedidos são cancelados e o entregador é responsabilizado enquanto os restaurantes e aplicativos se eximem de qualquer responsabilidade. Conflitos semelhantes também ocorrem em aplicativos de transporte e entrega.
Em um caso que ocorreu em Florianópolis (20/02), e foi largamente divulgado, uma cliente teria pedido estorno de um pedido que recebeu com bacon quando deveria ter vindo sem, segundo a versão da cliente, e o entregar teria recebido a informação que ela havia cancelado o pedido e retornou ao local da entrega, já que ficaria sem receber. O entregador acabou sendo agredido pelo namorado da cliente e sendo bloqueado no aplicativo, a polícia foi chamada e manifestações de entregadores ocorreram no outro dia em frente ao prédio. A cliente relatou que recebeu várias ameaças e teve que sair do prédio escondida em porta malas do carro. Ela teria saído da cidade com medo pela sua vida.
Esse foi apenas um dos casos desse tipo de conflito que coloca o trabalhado e o consumidor, um contra o outro, enquanto o restaurante e o aplicativo, que lucram com o serviço se eximem da responsabilidade. Os entregadores sem terem nenhum direito assegurado nessa relação com as plataformas acabam vendo na reclamação dos consumidores a culpa por não receberem ou serem bloqueados na plataforma e assim ficarem impedidos de trabalhar. Quem ganha com esse conflito?
No caso citado a plataforma em nota a imprensa afirmou que:
O iFood esclarece que repudia qualquer ato de violência e, ao tomar conhecimento de relatos como o citado pela reportagem, apura a ocorrência e toma as medidas cabíveis. Na data da ocorrência, o entregador não estava utilizando o app iFood para Entregadores. Portanto, neste caso, a negociação de valores ocorre entre entregador e restaurante. Assim que a cliente reportou o ocorrido, o time de atendimento realizou o cancelamento e o estorno.
As plataformas de aplicativos têm lucrado explorando o trabalho de entregadores sem garantir a eles o mínimo de direitos e segurança, entretanto decisão recente no Reino Unido coloca essa desresponsabilização em xeque. Em decisão de 19/02 a Suprema Corte do Reino Unido reconheceu os motoristas como funcionários do Uber. Essa decisão foi relativa a um caso aberto em 2016 por alguns motoristas.
A decisão considera que os motoristas estão em uma posição de subordinação ao aplicativo Uber que controla seu trabalho, portanto não podem ser considerados autônomos, tendo assim assegurados direito ao salário mínimo do Reino Unido e a férias remuneradas. Os trabalhadores que ganharam na suprema corte ainda terão que retomar a um tribunal trabalhista para definir a indenização.
A preocupação da empresa é que este caso abra precedentes para ações coletivas maiores. Essa decisão ainda pode impactar toda uma cadeia de plataformas digitais que lucra com esse tipo de subemprego. Embora o Uber já tenha se manifestando afirmando que a decisão não se aplica aos demais trabalhadores, que atualmente se enquadrariam como autônomos. A plataforma ainda afirma que fará uma pesquisa com os motoristas ativos para entender o que eles querem.
Ora, os trabalhadores querem condições dignas de trabalho e direitos mínimos garantidos. Não precisa fazer pesquisa para isto, mas as plataformas seguem forçando a flexibilização dos direitos trabalhistas ao máximo para seguirem com o mínimo de responsabilidade. Há processos semelhantes que devem ser retomados no Reino Unido, além disso, outros países, como Brasil e EUA, também tem processos deste tipo contra a Uber.
No Brasil já há decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) que entendeu não haver relação trabalhista entre um motorista e a empresaUber. No caso brasileiro a desembargadora Maria de Lourdes Antonio considerou quem presta o serviço de transporte é o motorista e não a Uber e que a possibilidade do motorista cancelar a corrida já seria suficiente para descaracterizar o vínculo empregatício. A decisão brasileira, na contramão do que ocorreu no Reino Unido, afirma que o precedente britânico é irrelevante.
As condições de trabalho e remuneração do conjunto da classe trabalhadora têm sido exploradas de formas cada vez mais elaboradas e sofisticadas, a ponto dos trabalhadores se colocarem uns contra os outros no processo sem identificar muitas vezes quem realmente tem lucrado com o seu trabalho. O ganho de causa no Reino Unido é o mínimo de reconhecimento das relações de trabalho existente entre as plataformas e seus motoristas. Uma vitória ainda tímida, mas que abre o precedente de revelar a real relação que se estabelece com os aplicativos. Quem tem lucrado tem que ser responsabilizado nessa disputa que muitas vezes coloca trabalhador contra trabalhador.
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