Redação UàE – 10/03/2017
No último dia 8, o O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou três conceitos sobre a qualidade da educação superior nacional: Conceito Enade; Conceito Preliminar de Curso (CPC) e Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC).
O Conceito Enade é medido através da aplicação de um exame nacional e mensura o desempenho em responder itens dos estudantes concluintes dos cursos de graduação. Esse exame não é aplicado todos os anos, de modo que nem todos os estudantes realizam as provas, contudo, para aqueles estudantes selecionados a prova é obrigatória e, inclusive, impede a emissão do diploma para aqueles que se recusam a realiza-la. O boicote ao Enade tornou-se muito comum no ciclo de lutas estudantes, até o final dos anos 2010. De modo geral, os estudantes não são contrários a existência de avaliações, mas criticam a utilização dessas notas para criação de rankings, a padronização das exigências que desconsideram diferenças culturais ou regionais, os critérios avaliativos que dão poder ao Ministério da Educação (MEC) para determinar conteúdos e ideologias no ensino e a utilização dos índices avaliativos como mecanismo de distribuição desigual de recursos entre as universidades públicas.
Os outros dois índices (CPC) e (IGC) são derivados de outros exames pelos quais as instituições passam e levam em consideração aspectos como a formação média do corpo docente, o regime de trabalho, a relação numérica professor/aluno, entre outros. Esses índices são aqueles utilizados para comparar as universidades e construir os rankings que serão utilizados, para as universidades nas melhores posições, como forma de publicidade e propaganda.
A principal distinção que a comunidade universitária deve fazer é sobre os diferentes tipos de avaliações que são propostas para a universidade. As críticas realizadas pelo movimento estudantil, entre as décadas de 1990 e 2010, evidenciaram graves problemas de concepções nas avaliações de larga escala – que são as utilizadas pelo Inep, órgão vinculado ao MEC. As críticas que também apontavam para a padronização dos conteúdos acadêmicos, o processo de “superficialização” do ensino, a utilização dos rankings como formas de distribuição de recursos e de propaganda vulgar parecem ter se confirmado.
Muitas universidades e faculdades, inclusive públicas, passaram a influenciar os métodos e conteúdos do ensino de modo que os estudantes tenham acesso as informações que são exigidas nos itens do Enade. Sem questionar a forma como esses conteúdos são abordados nessas avaliações ou sua capacidade de homogeneizar os departamentos de ensino, pasteurizando o pensamento crítico, por exemplo. Em razão disso, muitos cursos, inclusive, passaram a dispensar ainda mais a aplicação de textos clássicos e acesso as fontes diretas, em favor de manuais ou apostilas que se referenciam nos conteúdos avaliativos do Enade.
Por outro lado, a aplicação dessas avaliações de larga escala no ensino superior não parecem ter trazido melhoras significativas no sentido de resolver o problema das uniesquinas. Pelo contrário, especialmente a partir de 2007 essas instituições ganharam ainda mais força e se multiplicaram oferecendo, muitas delas, cursos de curta duração, na forma de educação à distância (EaD), sem o acompanhamento por professores com formação adequada ou vivência nas salas de aulas.
Na mesma proporção se multiplicaram também as consultorias especializadas em atingir notas no Enade e, mais recentemente, no IGC e CPC. Oferecendo desde a compra de pacotes de livros para bibliotecas, assessoria na contratação e demissão de professores para atingir índices de relação professor/aluno e nível médio de formação docente, até o treinamento dos estudantes para responder corretamente os exames. Uma rápida consulta na internet mostra a popularidade desses artifícios.
Esses exames não serviram ao propósito da promessa que os justificavam, ou seja, regular as péssimas condições nas quais a educação é oferecida por parte significativa das instituições particulares, que hoje concentram 75% do número de matriculados e o que equivale à 5.521.446 estudantes. Contudo, parecem ter servido muito bem se o propósito era tornar os cursos pasteurizados e homogeneizados. Importante destacar que, nesse sentido, a ocultação do caráter de classe, que distribui desigualmente o acesso ao conhecimento na educação superior, joga importante papel.
Aquelas consideradas as melhores instituições de ensino superior, como é o caso da Universidade Federal de Santa Catarina – posicionada em sétimo lugar no IGC, oculta o papel que joga o caráter de classe na formação dos seus estudantes. Seria, no mínimo, ingenuidade supor que estão nas mesmas condições de responder aos itens de um exame os estudantes que podem somente estudar, financiados pela família, e aqueles estudantes que precisam contribuir com a renda familiar fazendo bicos, com bolsas precárias, sem acesso a todos os livros da bibliografia obrigatória, muitas vezes mães e pais, preocupados constantemente com contas, sofrendo diferentes expressões de racismo de classe e assim por diante. Os rankings tem a capacidade muito eficiente de ocultar todas essas diferenças e responsabilizando entidades abstratas como os cursos, pelas notas obtidas.
Evidentemente que as avaliações de larga escala não podem levar cada uma dessas situações a ponderações objetivas, mas não se trata apenas de disputar os termos nos quais esses exames são aplicados. Todas as situações que dispõe desigualmente os estudantes para a realização de provas como essas, são também agentes de algo muito maior e mais grave, a distribuição desigual do acesso ao conhecimento no interior das universidades. Seja no caso em que, através de programas falsamente democratizantes como o ProUni ou Fies, sujeitam as frações mais pobres da classe trabalhadora a formações ultrajantes nas particulares; seja nos casos em que, no interior das universidades públicas, a meritocracia vulgar e os rankings são utilizados como artifícios de distribuição desigual desses estudantes entre os cursos.
A UFSC posicionar-se na sétima posição ou na milésima não muda absolutamente nada do que diz respeito ao imenso mal-estar universitário que paira nos ares do campus e que se converte, inclusive, no cinismo generalizado de estudantes e professores e que se converte em formas banais e supérfluas como o empreendedorismo, empresas juniores, PETs etc. São todas formas de investir em qualquer coisa, de fazer qualquer firula, de escapar ao fato, elementar, de que as formações são muito pouco densas, faltam fundamentos básicos, não estudamos mais os clássicos, nossos conteúdos são achatados nas disciplinas e, por isso mesmo, achamos que nos falta mais prática ou contato com a realidade. Mas também, trata-se de resistir a outra verdade. Uma formação mais sólida, aprofundada e fundamentada talvez nem seja possível enquanto muitos dos estudantes estão preocupados com coisas básicas da sobrevivência cotidiana. É nesse sentido que a luta por permanência estudantil não é uma luta de e para estudantes pobres, é uma luta de todos, luta pela formação de gerações prontas a responder os enormes desafios de construir uma sociedade na qual a vida seja possível.
A saída não está nos rankings, está na luta.
cinismo generalizado de estudantes e professores e que se converte em formas banais e supérfluas como o empreendedorismo, empresas juniores, PETs etc.
Vão trabalhar e parar de vagabundagem falando mal de empreendedorismo, EJs e PETs. Não atrapalham ninguém e ao menos se desenvolvem, já vocês…