102 nos da Reforma Universitária de Córdoba: parte 2

Publicado originalmente por Universidade à Esquerda – 16/06/2020

A Reforma Universitária de Córdoba de 1918, na Argentina – cujas raízes se encontram no liberalismo do final do século XIX -, pôs fim ao regime oligárquico que então governava a Universidade Nacional de Córdoba (UNC) e teve um impacto direto na democratização das universidades em toda a América Latina. Durante essa semana, iremos trabalhar com uma série de textos de resgate histórico desse processo, para que possamos nos inspirar naqueles que já lutaram por uma universidade emancipada.

Antes da reforma universitária de 1918, houve uma longa greve estudantil na Universidade Nacional de Córdoba (UNC) que atingiu o seu momento mais agitado nos primeiros dias de Abril.

A faísca que culminou com a Reforma Universitária foi acesa em Setembro de 1917, quando a Universidade de Córdoba aprovou um novo regulamento para estágios de estudantes no Hospital Nacional de Clínicas. O estagiários do hospital manifestaram seu desacordo com o regulamento, declarando-se em greve, mas a Universidade respondeu suspendendo os grevistas durante dois anos e dissolvendo a escola noturna. A agitação foi agravada entre o corpo estudantil quando foi aprovado um regulamento que aumentava o tempo e a carga horária para o diploma de Engenharia.

Em 1918, os estudantes deveriam regressar das férias em 1 de abril, porém,uma série de acontecimentos na universidade levaram ao descontentamento generalizado da categoria. Um dos principais fatores que desencadeou a movimentação dos estudante, foi a alteração do sistema de notas e frequência, em 7 de março, a “Portaria dos Reitores” e a falta da liberdade de ensino.

A Assembleia Universitária era composta por integrantes de cada faculdade e o reitor, vice reitor e decanos eram elegidos por essa parcela de acadêmicos, que também possuíam a responsabilidade de se auto eleger, por tempo indeterminado. Esses que compunham a Assembleia Universitária representavam uma pequena parcela do corpo docente, sendo que os titulares e suplentes eram excluídos. E cabia a eles tomar as decisões científicas e administrativas de cada unidade de ensino.

Essa estrutura foi duramente criticada pelos estudantes que compunham o movimento da reforma universitária. Era proposto, em seu lugar, a criação do Corpo de Docentes em cada faculdade, que seria composto por todos os professores, mais uma representação estudantil. Ficaria a cargo desse Corpo as decisões de cunho educacional, a eleição dos delegados para compor o Conselho Superior, os Conselhos Diretivos e a eleição dos decanos. Os Corpos de Professores de todas as faculdades, reunidos, elegeriam o reitor e vice reitor. Além disso, a estrutura de Assembleia Universitária proposta pelo movimento de reforma contaria com representação de estudantes e de egressos.

Frente à isso, em 10 de março, os estudantes marcharam pela primeira vez nas ruas de Córdoba, exigindo uma universidade moderna, democrática e científica.  Estavam firmes no seu compromisso com a Universidade, exigindo até mesmo que os reitores deixassem seu cargo.  A marcha levou à formação de uma Comissão Pró-Reforma, com delegados das três faculdades (Medicina, Direito e Engenharia), e que foi responsável por elaborar e  exigir uma reforma dos estatutos, de forma que incorporassem os professores no governo universitário, como já tinha sido estabelecido na UBA. Em 13 de março, o Comitê Pró-Reforma declarou a greve geral estudantil a partir de 1º de abril, assinada por catorze delegados.

Em 20 de março, o Conselho Superior rejeitou as reivindicações estudantis, o que levou a uma nova manifestação, no dia 30 de março, e a uma assembleia, no dia 31, que aprovou a greve estudantil a partir do dia 1 de abril, data que marcava o início do ano letivo.

A greve teve grande adesão e apoio do corpo estudantil, o que fez com que nenhuma aula pudesse ocorrer e dar início ao período letivo. No mesmo dia, o Comitê Pró-Reforma levou ao Gabinete do Reitor sua proposta de reforma universitária. O documento descrevia o regime universitário da época como um “anacronismo irritante”, “aristocrático” e “velho” e que, assim como nos processos políticos que ocorriam pelo país, deveria ser “espancado até a submissão pelo princípio de soberania popular”. Questionava duramente o regime de eleições das autoridades universitária e a vitaliciedade dos cargos, propondo uma forma de democracia universitária e periodicidade dos cargos universitários. Propunha a adoção de um sistema de “ensino livre”, no qual os alunos poderiam decidir de forma autônoma seu percurso formativo e os professores com quem estudar. O documento sequer foi recebido pelas autoridades.

Mesmo com o Conselho Superior ignorando as reivindicações estudantis, a greve permaneceu com grande adesão e exigências cada vez mais radicais e conscientes. Diante disso, o Conselho decidiu por encerrar a universidade por período indeterminado, permitindo o acesso ao espaço apenas àqueles que compunham o Conselho. A resolução foi entregue ao Ministério da Educação Pública da Nação. A justificativa era os “actos de indisciplina que públicamente vienen realizando los estudiantes de las distintas facultades de la Universidad, como ser: inasistencia colectiva a clases, medios violentos para impedir la matriculación de alumnos, falta de respeto a las personas de académicos y profesores, manifestaciones notorias de rebeldía hacia el instituto…”

Frente à interdição da universidade pública, o Comitê Pró-Reforma respondeu com um manifesto no qual afirmava “Es verdad que desde hoy podrían ostentar sus puertas (de la UNC) un letrero con la leyenda: “Clausurado”; pero tampoco es menos cierto que podrían haberlo ostentado las cabezas de muchos de sus profesores desde el día que nacieron”.

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *