Imagem: Montagem UàE
José Braga* – Redação do UFSC à Esquerda – 22/03/2021
Às 08 horas desta terça-feira, 22/03, às urnas estarão abertas para a comunidade universitária na consulta para reitor. Estudantes, técnicos administrativos em educação (TAEs) e professores decidirão quem irá dirigir nossa universidade pelos próximos quatro anos. Um momento de grande repercussão para a vida universitária, mas que tem sido marcada pelo esvaziamento político e um clima de quase indiferença da maior parte da comunidade.
Nós podemos sentir nisso os efeitos da escolha das entidades por realizar o primeiro turno no formato on-line. Algo pelo qual não podemos deixar de responsabilizar as direções do sindicato docente, a Apufsc (que jogou nessa direção durante as discussões iniciais), mas principalmente da direção do Diretório Central dos Estudantes e do sindicato dos TAE’s, o Sintufsc.
Sentimos também os efeitos do ensino à distância – que esvazia a vida universitária, fragmenta seu sentido comum, reforça o individualismo, reconfigura o sentido próprio da Universidade. E como a virtualidade, a distância, modificou o processo de escolha do cargo do reitor.
Articuladas em grupos de Whatsapp, dependentes de circular no Instagram seus Stories e Reels e nos contatos privados, as campanhas decaem na mesma fragmentação, na superficialidade, aparentemente restringindo a política a likes e views. A aposta nas redes sociais parece ter o efeito de adaptar a política às formas próprias da ideologia pequeno-burguesa.
Mas esse não é o único e nem o principal motivo para essa consulta não ser um processo vivo e pulsante em nossa universidade. Vemos nela um pastiche de um processo político efetivamente polarizado e enraizado na comunidade.
A despeito do período curto de campanha, nós pudemos no UFSCàE conhecer a fundo as candidaturas. Com o esforço das entrevistas que realizamos com Irineu e De Pieiri (Cátia se recusou a participar nos mesmo termos que os demais), o acompanhamento dos debates, a análise dos programas e propostas, o resgate da história dos processos anteriores e como os grupos e candidatos que participam este ano vem se posicionando, com a memória e conhecimento produzidos com às coberturas das eleições de 2015 e de 2018 procuramos formular nossas análises para contribuir na avaliação da comunidade sobre o processo. É notório como, na consulta deste ano, vemos uma homogeneização das candidaturas.
Cátia Carvalho Pinto, atual vice-reitora, da chapa UFSC Viva – 86, e do grupo que está na gestão desde a eleição de Cancellier, dá cara nova ao mesmo projeto de redução do cargo de reitor ao de gestor da crise universitária. A atualização dessa perspectiva de gestão apenas dá mais acento ao papel ativo da gestão como um operador local da reforma universitária do capital. A apresentação da experiência da implantação do campus da UFSC em Joinville no condomínio empresarial Perini Bussines Park como um modelo a ser seguido é, talvez, a principal expressão dessa característica.
O apelo a essa experiência como de “primeiro mundo” diz mais sobre como a política de Estado de reconfiguração da Universidade brasileira se conecta com a subordinação cultural pequeno-burguesa – toca os corações de setores de docentes, técnicos e estudantes da universidade. O que estes sujeitos ignoram é que este modelo de “primeiro mundo” é, também nas universidades dos países centrais, um ataque ao caráter crítico da instituição universitária, a possibilidade da produção de conhecimento se conectar aos anseios de revolta das grandes massas de trabalhadores desses países. Ignoram também o caráter dependente da economia brasileira e o que a submissão mais completa da universidade aos interesses dos capitais significa para o país a manutenção da dependência tecnológica.
A chapa de Cátia e Moretti é a mais aberta na defesa das políticas que buscam devastar aquilo que conhecemos como Universidade. Sua defesa aberta da captação de recursos extra-orçamentários, como solução para os cortes sucessivos no orçamento, é a incorporação interna da crise. Afinal, a crise orçamentária produzida pelo Estado brasiliero contra as universidades públicas procura ter como efeito exatamente isto, a naturalização das diferentes formas de captação de recursos em forma de emendas parlamentares, projetos e contratos financiados por empresas ou recursos ministeriais; – definindo desde fora então o que os conhecimentos produzidos na universidade. Mas também, e vinculado a isto, a redução da produção de ciência e tecnologia à inovação de processos e produtos; a vinculação da universidade à ideologia do empreendedorismo. E na outra ponta, a redefinição da formação universitária na pós-graduação e na graduação pela via das adaptações curriculares ligadas à matriz empreendedora e tecnicista e, principalmente, a normalização de elementos do ensino à distância nos cursos – reduzindo as possibilidades da formação intelectual e humana densa.
O modelo a ser seguido, da universidade de “primeiro mundo” de Joinville, nunca foi amplamente debatido em nossa comunidade. A consulta seria um bom momento para pôr em análise esse projeto de universidade, porém não há nas candidaturas oponentes uma crítica radical ao que esse modelo significa. E, com isso, o debate fica reduzido a uso propagandístico e a discussão sobre o alto custo dos aluguéis (que não é uma questão pequena).
A candidatura de Edson de Pieri, da chapa UFSC Sempre – 66, apresenta-se como aquela que pode gerir melhor esse mesmo projeto. Suas diferenças são minúsculas em face a suas semelhanças. É evidente apenas o pragmatismo com o que encara as grandes questões da universidade em nosso tempo, reduzindo o papel político e intelectual do cargo de reitor e naturalizando, com ainda mais força, o projeto da “universidade empreendedora”.
Para o candidato, os problemas que a UFSC enfrentou e enfrenta em projetos como o REUNI e a EBSERH não tinham nada que ver com a agenda que propunham para a universidade, a expansão sem recursos e nos moldes do que definia o Ministério da Educação, o caráter privatizante da nova gestão dos hospitais, a quebra do regime jurídico único, etc. Problemas sérios apontados pelos movimentos de luta em defesa da universidade, por pesquisadores que têm se dedicado a estudar a universidade brasileira. Mas sim que a UFSC “debateu demais” e perdeu a janela de entrada que poderia ter trazido, segundo ele, mais recursos com esses projetos.
Com posições como essa, a chapa de De Pieri e Marcela Veiros colocariam a universidade em uma posição subordinada às reformas conservadoras e anti-universitárias, frente à necessidade de captação de recursos. É a mesma postura de colocar a universidade à venda, incapaz de dialogar e ouvir as posições críticas dos movimentos, e dos pesquisadores críticos da própria universidade.
A alternativa seria, então, a candidatura de Irineu, chapa Universidade Presente – 58? Pode parecer a saída natural contra duas candidaturas abertamente anti-universitárias. No entanto, o que vemos também em sua candidatura é o distanciamento de qualquer crítica rigorosa e radical a esse projeto privatizante para a universidade brasileira e para nossa UFSC – isto porque este é um projeto compartilhado por muitos setores que compõem a candidatura.
A chapa Irineu e Joana dos Passos embora busque se colocar num polo oposto às demais candidaturas, o faz sem propor nenhum enfrentamento contundente com a política de Estado que produz a crise orçamentária que enfrentamos, aos projetos privatizantes dos capitais. Não há na candidatura uma diferença substancial com as demais – e que ela tenha sido construída a muitas mãos e ainda assim tenha encontrado esses limites é apenas um indicativo do estado de enfraquecimento do movimento universitário.
Nesta consulta vemos que os polos que se expressam na candidatura apenas representam faces diferentes de um mesmo projeto. A pasteurização desse processo político, é fruto não apenas da compressão da política às formas liberais de uso das redes sociais, mas de um deslocamento à direita de todo o processo frente à desmobilização do movimento universitário.
A deterioração do movimento estudantil e sindical, daqueles movimentos que lutam pela defesa da universidade em nossa UFSC é evidente. Se nas bases vemos a fragmentação e o individualismo, na maioria das direções vemos a capitulação, o oportunismo e o imobilismo. O cenário é duro e não pode ser descrito em meias-palavras. Frente a uma avaliação das nossas próprias forças, e a continuidade dos ataques que a universidade vem sofrendo, é preciso avaliar o que seria eleger um reitor nessas condições. Um reitor que seria alçado ao cargo por uma agenda de compromissos e não empurrado pela força de nossas lutas.
Por isso, nesta eleição a alternativa não é votar em Irineu. Tampouco é votar e confiar em qualquer um dos demais candidatos. A alternativa, para nossa comunidade, é reconstruir as lutas! Reconstruir o movimento estudantil e sindical, com fôlego crítico e criativo – para sermos capazes de enfrentar, com nossas próprias mãos, a imposição do projeto de universidade do capital.
Debater nas bases os grandes dilemas que nossa universidade enfrenta, recriar um senso de coletividade e de compromisso com os destinos da universidade brasileira. Recuperar a força da luta da comunidade universitária, que contra todas as apostas foi capaz, em anos anteriores, de romper com o imobilismo e se apresentar à sociedade como um sujeito crítico e capaz de anunciar outro projeto de uma universidade comprometida efetivamente com a vida nacional.
Esta não é uma posição fácil. Mas não é isso, leitor, que o tempo presente exige de nós? Que não nos submetamos ao que parece fácil, e enfrentemos de peito aberto as lutas pela universidade?
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