Após sete anos de gestão privada, pode-se dizer que a qualidade “padrão Ebserh” é de falta de profissionais, fechamento de unidades de atendimento e piora das condições de trabalho
Clarice Alves – Redação UFSC à Esquerda – 19/04/2023
O Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC/Ebserh) foi inaugurado em maio de 1980 e hoje conta com 1,7 mil servidores, entre celetistas e empregados via Regime Jurídico Único. O Hospital faz parte da Rede Ebserh desde 2016. No dia 06 de abril, o novo superintendente do HU, Sypros Cardoso Dimatos, tomou posse e afirmou o compromisso da gestão em “trabalhar com a excelência de sempre e a qualidade em benefício da população catarinense”. No entanto, após sete anos de Ebserh na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de que qualidade se fala, quando a população e os profissionais cotidianamente lidam com os efeitos da precarização do serviço?
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Aprovação da Ebserh na UFSC
Frente a essa pergunta se faz necessário recuperar como aconteceu o processo de adesão à Ebserh na UFSC. Naquele momento, a comunidade posicionou-se majoritariamente contrária à implementação da empresa, em ampla movimentação que culminou com um plebiscito no dia 29 de abril. O resultado foi a expressiva rejeição ao projeto.
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No entanto, o Conselho Universitário (gestão de Roselane Neckel e vice Lucia Pacheco Martins) ainda assim foi convocado às pressas e realizado dentro dos quartéis da Polícia Militar, cercado por policiais e impedindo a aproximação do movimento. De forma atropelada e contra a posição da comunidade da UFSC, o CUn aprovou a adesão à Ebserh sob a justificativa de que os hospitais universitários possuem alto custo e é necessário ser “responsável economicamente”, atrelado a um discurso de necessária “modernização” no campo das políticas públicas de saúde:
“No entanto, o HU não ficou imune aos sérios problemas que atingiram o conjunto dos hospitais universitários do País, pelas dificuldades de financiamento e de gestão e pela mercantilização crescente da saúde em nível não apenas nacional, mas também global. Além disso, o custo de manutenção de um hospital-escola é mais elevado que o de outros hospitais, pelo seu necessário vínculo com atividades de formação e de pesquisa. Por isso, os parâmetros de avaliação não podem ser os mesmos de qualquer hospital público, muito menos de uma empresa com fins lucrativos.” (Nota lançada pela Reitoria de Roselane Neckel em 27 de abril de 2016).
A sessão ocorreu no dia 1º de dezembro de 2015 e aprovou, em menos de um hora, a adesão do HU à Ebserh. Um processo similar de adesão à Ebserh de forma atropelada pela reitoria ocorreu na UFRJ recentemente, em sessão online do Conselho Universitário (CONSUNI) marcada por atos antidemocráticos. A empresa assumiu a gestão de 9 unidades que compõem o complexo hospitalar da universidade. Assim como ocorreu na UFSC, a sessão no Consuni impediu a participação de representantes dos movimentos sociais e estudantis contrários à Ebserh desprezando e se opondo à posição da comunidade acadêmica.
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Quais as consequências após sete anos de implementação da Ebserh no HU da UFSC?
A Ebserh é uma Organização Social (OS) fundada em 2011, através da Lei Federal 12.550/2011, e ligada ao Ministério da Educação, portanto possui uma especificidade em relação às outras organizações sociais.
Com a adesão da UFRJ, a Ebserh controla 49 dos 51 hospitais universitários. Os dois restantes não podem fazer parte da Ebserh, pois o Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS) é empresa pública, que não pode ser administrada por outra, e o Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo (HU/Unifesp) faz atendimentos particulares, que também é um impeditivo para participar da Ebserh.
Como uma gestão de caráter jurídico privado, a Ebserh muitas vezes é falaciosamente descrita como um “caso de sucesso” de privatização no serviço público. No entanto, não é preciso investigar muito para encontrar o que está subjacente a esse discurso: é visível para profissionais e para a população atendida que essa gestão não tem de fato um compromisso com a qualidade do serviço prestado, com a transparência nas negociações e com a melhoria da estrutura do Hospital-Escola. Além disso, é fundamental resgatar o processo de implementação da empresa em outras universidades para a compreensão do processo de privatização da saúde.
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No momento da aprovação, os argumentos utilizados pró Ebserh afirmavam que, com a empresa, questões de falta de profissionais, demora nos atendimentos e falta de investimentos seriam resolvidos com a gestão privada. O que os trabalhadores vêm afirmando em sucessivos movimentos, greves e denúncias é que, ao contrário de tais promessas, o que tem acontecido é o oposto: maior precarização do serviço, piora nas condições de trabalho, fechamento de unidades de atendimento como “rotina” já estabelecida, descumprimento de acordos coletivos, e por consequência, piora no atendimento prestado à população.
Com o fechamento e a suspensão constante de unidades de atendimento do HU, outros serviços de saúde da cidade ficam sobrecarregados e sofrem os efeitos de atender uma demanda maior de casos, portanto toda a rede de saúde pública fica prejudicada. Usuários do HU, que muitas vezes vêm de outras cidades do Estado em busca por atendimento de qualidade e de alta complexidade, se deparam com as portas fechadas e meses de espera até conseguir atendimento.
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A emergência obstétrica, por exemplo, tem sido uma das mais afetadas com a suspensão de atendimentos frequentemente e piora no atendimento prestado às gestantes. A emergência pediátrica em 2022 também sofreu interrupções seguidas no atendimento à população, com a justificativa de falta de médicos. Tal situação decorre principalmente das condições de trabalho e de remuneração deterioradas, o que leva vários profissionais a se demitirem.
Carolina, técnica de Enfermagem do HU-UFSC, em declaração ao Jornal cedida durante a greve realizada pelo sindicato de trabalhadores, falou sobre a piora das condições de trabalho, falta de reajuste salarial, alteração do pagamento por insalubridade e não cumprimento de acordos coletivos com a empresa, questões que levaram os trabalhadores a deflagrar greve em 2022. O movimento de greve, que ocorreu entre os dias 26 e 30 de setembro, foi nacional e alcançou diversos estados em luta pelo reajuste salarial, que não é corrigido há anos.
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Durante o feriado de Páscoa, a gestão do hospital anunciou repentinamente a suspensão dos atendimentos das 19h às 8h entre os dias 06 e 09 de abril para pacientes que chegassem via demanda espontânea. Mesmo em meio ao grave cenário de epidemia de dengue no estado, a gestão realizou o contingenciamento alegando a necessidade de restrição para a adequação da escala de trabalho ao quadro pessoal.
Tais fatos deixam evidente que a gestão não solucionou, conforme as justificativas para sua aprovação em 2015, os problemas de contratação e de investimentos. Pelo contrário, com a fragmentação da administração, os profissionais e a população acumulam queixas e insatisfações com a forma que os atendimentos têm sido encarados, de modo que gestores da empresa agora justificam a suspensão de atendimentos tendo em vista que o hospital “não é responsável por atender todas as demandas”, e sim cumpre com a função estrita de “formar profissionais na saúde”.
O próprio reitor da universidade, Irineu Manoel, afirmou no final de 2022 que a adesão à Ebserh significou uma “piora” do Hospital Universitário. Além disso, o reitor abordou que a empresa tem buscado alterar a concepção dos hospitais universitários com o propósito de justificar redução de custos:
“Na prática, o que está acontecendo é que a orientação da Ebserh é para atendimento mínimo porque não tem condições. Agora a Ebserh está defendendo o discurso de que é um hospital-escola, mas pensando no lado econômico, para economizar. [Defendem] que não pode abrir totalmente todas as unidades, que tem que ter preocupação somente com atendimento de alta complexidade e que é um hospital-escola para os alunos usarem como laboratório”.
Hospital Universitário suspende atendimentos em meio ao cenário de epidemia de dengue em Santa Catarina
Em meio à epidemia de dengue em Santa Catarina, o Hospital gerido pela Ebserh, sem aviso prévio, fechou as portas para a população e sequer atendeu ligações telefônicas.
De acordo com dados divulgados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVE), o estado de Santa Catarina registrou já mais de 10.367 casos de dengue confirmados desde o início de 2023, sendo 24 óbitos de casos suspeitos da doença, e 10 confirmados de acordo com o informe epidemiológico nº10/2023 divulgado pela DIVE.
Há casos confirmados distribuídos em 73 municípios do estado, sendo que em cinco (Joinville, Palhoça, Saudades, Quilombo e União do Oeste) deles já foi atingido o nível de epidemia. Apenas em Florianópolis já são mais de 800 casos da doença e um óbito, e as dificuldades para conseguir atendimento com rapidez são sentidas cotidianamente pela população.
A situação da Ebserh tem se agravado desde 2016, e as condições de trabalho e de atendimento pioram com o passar dos anos. Passado esse tempo desde a implementação, fica claro que a gestão privada não soluciona os problemas de acesso e ampliação do atendimento no SUS, e sim prejudicam ainda mais o serviço. Por quê mantê-la, contrariando o interesse da comunidade universitária, as denúncias da precarização advinda dos trabalhadores da saúde e da população que fica na fila de espera para atendimento, ou sequer é atendida?
A concepção de saúde que a empresa defende está pautada na lógica empresarial reduzindo os “gastos” com trabalhadores, materiais, equipamentos e estrutura em detrimento de garantir o amplo acesso à saúde. A redução massiva dos recursos financeiros aos HUs faz parte de uma política maior de arrocho fiscal, que visa reduzir os custos das políticas públicas e sociais, em detrimento dos “superávits” fiscais. Essa forma sofisticada de privatização dos hospitais universitários deve ser lida em conjunto com outras medidas de precarização e sucateamento do serviço público no Brasil hoje, como a Reforma Administrativa e a Reforma da Previdência e os sucessivos cortes na educação.
Muito boa e oportuna a matéria sobre os 7 (sete) anos de gestão do EBSERH à frente do Hospital Universitário (HU) da UFSC em Florianópolis, mostrando que, ao invés de melhorar, os serviços públicos de sáude no HU-UFSC tem reduzido e piorado ao longo destes 7 (sete) anos de Administração do referido Hospital-Escola por uma Organização Social (O.S)., nos moldes de uma administração privada.