Ana Zandoná – Redação UàE – 27/07/2017
Nos últimos tempos tenho colocado muito em cheque uma espécie de máxima que se repete principalmente pelo que aparece como feminismo, no sentido de que nós somos suficientes e inteiras, de que precisamos aceitar que nós nos bastamos e de como isso é incrível. Esse discurso aparece principalmente como contraponto ao mito romântico que coloca os relacionamentos como o caminho para um sentido de completude e procura justificar séculos de tentativas de colocar a busca pelo casamento como único projeto de vida possível para as mulheres.
Estou bem longe de concordar com esse mito também, mas me parece que quando nos opomos a ele dessa forma, estamos perdendo de vista algo importante no horizonte da compreensão do que é o ser humano. A psicanálise vai defender que sempre vai haver uma falta para os sujeitos e acho que esse é um ponto de partida importante pra considerar nessa discussão. Pois não se trata de se sentir completa sozinha, em um relacionamento com uma pessoa ou com mil, mas sim de que podemos nos envolver e relacionar com todo tipo de pessoas, seres vivos, ou até mesmo tentar deslocar essas questões para projetos de vida e aquisição de bens e objetos, mas nós nunca vamos nos sentir efetivamente completos, sempre vai nos faltar algo, sempre vai haver um buraco!
E tudo bem, pois isso faz parte de sermos sujeitos que desejam, é isso que faz que nós continuemos buscando coisas novas em nossas vidas, é isso que faz com que a gente ande adiante. Aí também residem potências!
Me parece que quando repetimos forçosamente máximas como essa da auto suficiência, quase que numa espécie de mantra, a gente deixa de considerar e omitir uma série de coisas relevantes para nós mesmas, deixamos de ser honestas com nossos sentimentos, desejos e contradições. Perdemos oportunidades importantes de refletir profundamente, avançar e superar questões não bem resolvidas conosco, porque parece que se estabelece aí um modo único de sentir, dar respostas e compreender as coisas.
Já conversei com muitas mulheres que se sentem culpadas, exageradas e carentes ao quererem relacionamentos, não somente porque acham que estão sendo desagradáveis e caretas com as pessoas com as quais se envolvem, mas porque acham que estão falhando com o feminismo ao desejarem isso como algo importante e que faz com que se sintam melhores. Me parece que dessa forma estamos trabalhando com afirmações e atuações que vão na contramão de qualquer possibilidade efetiva de emancipação das mulheres, da capacidade de que essas possam traçar seu destino com maior autonomia.
Claro que estamos num modo de vida que nos joga a todo o tempo contra a maré de construir, buscar e até mesmo desejar com alguma liberdade. Por isso também, não podemos esquecer que isso traz questões complexas e difíceis de lidar, que não se resolvem com fórmulas universais ou imediatas. Acho que a gente precisa conseguir conversar mais abertamente e mais tranquilamente sobre essas coisas também. Por quê se não começamos a virar polícia de nós mesmas, na busca por um modelo ideal de estar e ser nesse mundo. Se não caímos em unilateralidades, quando se trata justamente disso a origem de muitos de nossos problemas.