Maria Alice de Carvalho* – Redação UàE – 28/06/2018
Em maio de 2017, a UFSC anunciou que mudanças seriam feitas no vestibular referente ao ingresso no ano de 2018. Na época, a universidade foi questionada por ter dado essa notícia de extrema importância em cima da hora e sem diálogo prévio com a comunidade. Questionamentos surgiram sobre quem seriam os estudantes afetados, de fato, com essas mudanças. A principal hipótese que surgiu naquela cenário foi a de que os principais afetados, de forma negativa, seriam os estudantes que buscavam um curso com maior concorrência e aqueles que entram por políticas de ações afirmativas, de forma que se tornaria ainda mais visível a desigualdade dentro da universidade.
Há duas semanas, no dia 13 de junho, a Comissão nomeada em 2017 para analisar e propor alterações no atual formato de ingresso do Vestibular da UFSC apresentou seu relatório à Câmara de Ensino de Graduação da UFSC (CGrad/UFSC).
O relatório da comissão apresentado neste dia foi embasado em análise de dados do Vestibular 2018, tendo em vista os impactos da implantação de pesos e pontos de corte diferenciados por curso, além de números relativos às matrículas e desempenho de estudantes calouros; os dados apresentados foram: preenchimento e ocupação das vagas, notas dos alunos e porcentagem de eliminação e desempenho acadêmico dos ingressantes.
A proposta da comissão, ao fim do relatório, foi a de manter a atual estrutura do vestibular, inclusive o formato da política de pesos e notas de corte por curso e disciplina, tendo em vista que está de acordo com a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio – após a Reforma do Ensino Médio; manter, pelo menos até o vestibular de 2019, a atual porcentagem de vagas selecionadas pelo Sisu (30%) e vestibular UFSC (70%); e que se dê continuidade aos estudos sobre o ingresso na UFSC com uma comissão com mais tempo para pensar sugestões de mudanças maiores.
Porém, antes de nos voltarmos para as propostas da Comissão, é preciso nos atentarmos a alguns elementos do debate que ocorreu na reunião da CGrad/UFSC e que estão presentes no Relatório apresentado.
A maior parte da reunião do dia 13 foi ocupada pelas discussões sobre o aumento do número de reprovações no vestibular 2018, desempenho dos alunos ingressantes e sistema de múltiplas chamadas para preenchimento das vagas da graduação.
Vejamos cada um desses pontos colocados pela Comissão:
- Que apesar do aumento significativo da quantidade de reprovações no último vestibular e de que cursos não tiveram suas vagas oferecidas totalmente preenchidas, isso não estaria diretamente ligado à implementação dos novos pontos de corte.
Porém vejamos bem que, dentre as alterações, o aumento do ponto de corte para 2,00 na disciplina de matemática nos cursos de Engenharia gerou a reprovação de 1062 candidatos dos 5120 inscritos; e em Ciências da Computação, a nota mínima de 3,00 na disciplina de matemática gerou a reprovação de 242 candidatos dos 501 inscritos. Como podemos afirmar, então, que o aumento da nota mínima nessas disciplinas não gerou um maior número de estudantes reprovados, principalmente em cursos de Engenharia?
De acordo com a Comissão, apesar de esses serem números expressivos, isso não afeta, com significância, o preenchimento das vagas, pois afinal, a maioria dos cursos preencheu as suas vagas e manteve uma lista de espera suficiente e que, ainda, é importante nos voltarmos para a vantagem de que esses maiores pontos de corte geram uma seleção mais criteriosa, aprovando assim classificados mais bem preparados para entrarem na universidade.
Diante disso, nos perguntamos então: quem são os candidatos capacitados para ocupar o número suficiente de vagas oferecidas? Seria a “vantagem” pontuada pela Comissão o fato de que apenas ingressará na universidade estudantes com capital suficiente para frequentar os cursinhos pré-vestibulares mais elitizados do país? O que de fato visa essa “seleção mais criteriosa” que simplesmente colocou o ponto de corte nas alturas, impedindo, inclusive, preenchimento de vagas reservadas à políticas de ações afirmativas?
Já é possível, por exemplo, ver nos cursos mais concorridos da universidade (Medicina, Direito e Psicologia) um público estudantil com poder aquisitivo ainda maior que possuíam anteriormente esses cursos elitizados. Um outro exemplo, ainda, é o fato de que o número de classificados e tamanho da lista de espera entre os candidatos optantes por Política de Ações Afirmativas (PAA) diminuiu expressivamente com relação aos anos anteriores.
- Outro ponto trazido pelo relatório da Comissão é que os ingressantes em chamadas posteriores possuem maior taxa de reprovação que os ingressantes de primeira chamada. Diante disso, a Comissão propõe que se diminua o número de chamadas para ingresso na universidade, tanto pelo vestibular quanto pelo Sisu, de forma que o período de ingresso se encerre antes mesmo do início do período letivo.
Ou seja, o número de chamadas será extremamente menor, de forma que muitas desistências ocorrerão logo no início dos cursos e outros estudantes não terão a chance de ocupar essas vagas. Além de que, a maior parte de estudantes que entram por chamadas bem mais a frente são os estudantes que ingressam pelo Sisu.
- O que nos leva a outro ponto: o de que ao analisar o desempenho dos estudantes calouros, a comissão, não coincidentemente, analisou a diferença de desempenho entre estudantes que ingressaram pelo vestibular UFSC e estudantes que ingressaram pelo Sisu. Concluem, então, que como alegam que era de se esperar, o desempenho acadêmico dos ingressantes pelo Sisu é menor que o dos ingressantes pelo vestibular (principalmente se aumentássemos a porcentagem de ingresso pelo Sisu) e que, ainda, os estudantes vindos pelo Sisu são os que mais abandonam seus cursos gerando vagas ociosas.
Diante disso, ao invés de se perguntarem o porquê de estes estudantes não conseguirem permanecer e, quando permanecem, não conseguirem fazê-lo com a qualidade que almejam, os membros da comissão propuseram que a partir do ano de 2019 comece a se pensar nos próprios cursos, a partir de seus índices de desempenho e abandono, determinem qual será a porcentagem de ingresso de estudantes pelo Sisu, de forma que se otimize os cursos, diminuindo o número de reprovações e abandonos. Os membros da Comissão, então, ao invés de pensarem sobre os estudantes e sua educação, pensam na produtividade da formação acadêmica.
- Um último ponto citado pelo relatório da Comissão, e que se mostra também importante para refletirmos sobre, é caracterizar como positivo o fato de que, com os novos pontos de corte por disciplina e curso, o perfil dos estudantes classificados estará “mais alinhado” com o curso escolhido, de forma que este terá um melhor desempenho.
Porém, o que se expressa nessa colocação da Comissão é uma convergência do formato do ensino superior com o modo de funcionamento da Reforma do Ensino Médio, onde se almeja um ensino cada vez mais técnico e profissionalizante, de forma a evitar que os jovens possuam um conhecimento amplo em diferentes áreas.
A partir dessa proposta, cursos de engenharia poderão escolher, por exemplo, dar peso zero para a prova de questões de ciências humanas, como se não fosse importante para pessoas que se formarão engenheiras possuir esses conhecimentos.
Por fim, diante dessas mudanças no ingresso na universidade realizadas de forma atropelada e sem comunicação com a comunidade, percebe-se, para além de maior elitização do ensino superior e convergência com as diretrizes da Reforma do Ensino Médio, a ausência de diálogo que a UFSC apresenta desde o mandato da reitora Roselane Neckel.
Como mudanças na forma de ingresso na universidade são feitas de forma tão rápida, sem que os estudantes que pensam em entrar na universidade possam se organizar? Quando pensou-se em incluir as questões discursivas no vestibular da UFSC, por exemplo, anos foram necessários para que isso fosse de fato implementado. É importante nos perguntarmos, enquanto comunidade, quais são os critérios para que essas mudanças sejam feitas e de forma tão rápida dentro de reuniões de gabinete?
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