Imagem: quadro Solidariedade, por Kathe Kollwitz. 1932.
Maria Alice de Carvalho*- Redação UàE – 20/03/2019
Um dos principais projetos incumbidos no desmonte da previdência é a apresentação à população de que existe apenas uma saída na garantia de sua segurança: o fim da solidariedade de classe e instauração de uma responsabilidade individual para garantir uma vida digna.
O atual sistema da Previdência Social Pública no Brasil funciona através da solidariedade intergeracional. Ou seja, os jovens trabalhadores garantem aos idosos que trabalharam por toda a sua vida uma quantia mínima necessária para viver sua velhice. Quando idosos, os atuais jovens receberão esse cuidado da nova geração de trabalhadores. E assim sucessivamente. O que faz com que dentro desse sistema, inclusive, se encontre a luta pela garantia de emprego à juventude como um problema de todos.
Essa forma de previdência pública e fundamentada na solidariedade de classe, como nos lembra Sara Granemann, ganhou força a partir da experiência da Comuna de Paris, em 1871. Na época, os revolucionários construíram um sistema previdenciário no qual todos se responsabilizavam pelo cuidado daqueles que nada tinham. Desde então, a Previdência Social Pública passou a ser adotada em muitos países através da luta de movimentos dos trabalhadores.
Na atual proposta de reforma da previdência, apresentada pelo Presidente Jair Bolsonaro, a solidariedade intergeracional é substituída pela privatização e capitalização da previdência. Ou seja, cada trabalhador realizará um investimento próprio, que poderá ou não render no mercado financeiro, para garantir uma aposentadoria na velhice.
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Nessa proposta, além da perda da responsabilidade coletiva e preocupação em conseguir garantir por si só a sua aposentadoria, há ainda a incerteza de se irá recebê-la, tendo em vista que através da capitalização da previdência, os capitais nos quais se for investir podem ou não ter êxito, sendo mais provável o cenário negativo. De acordo com Sara Granemann
“Se os capitais nos quais esta “previdência” foi investida tiverem êxito e se multiplicarem a “previdência privada” a ser repartida com trabalhadores e trabalhadoras receberá uma pequena parte do que rendeu; somente uma pequena fração desta enorme lucratividade será devolvida para a classe trabalhadora e isto no melhor dos cenários, se aqueles negócios nos quais esta “previdência” foi investida não quebrarem.”
Quando olhamos para essa proposta e relacionamos-a, ainda, com outros aspectos da realidade que enfrentamos, percebemos que há um projeto de retorno das formas individuais de cuidado e proteção em prol da perda da responsabilidade coletiva das pessoas entre si.
Por exemplo, lembremos da atual discussão sobre a liberação do porte de armas no Brasil, a qual expressa, entre tantas outras coisas, um anúncio de que não podemos mais garantir nossa segurança através de vias coletivas e públicas. É preciso que cada um, através da bala, mantenha a si e a sua família seguros. Todos os outros cidadão são, nada mais nada menos, que uma ameaça.
A expropriação do fundo de vida dos trabalhadores, através do desmonte da previdência por parte dos capitais financeiros como forma de compensar a crise, resulta na quebra da solidariedade de classe, que não deve ser menosprezada ou tratada como irrelevante. Ela está dentro de uma lógica de reestruturação da forma como nos socializamos uns com os outros.
Ela coloca para os trabalhadores que não é mais possível que juntos possam transformar a realidade e ver no outro um aliado e companheiro de confiança; pelo contrário, ela coloca que é preciso que os trabalhadores destruam-se uns aos outros para garantir o mínimo, do mínimo, do mínimo – que é, inclusive, o único que pode ser por eles alcançado.
É uma forma de impedir a organização dos trabalhadores em luta por um outro projeto de sociedade. Mais justa, humana e solidária.
Mais do que nunca é preciso, então, que apresentemos a via coletiva como única forma de construção dessa sociedade. Que nós trabalhadoras e trabalhadores mostremos que é através da solidariedade de classe e luta coletiva por aquilo que a todos nós pertence que destruíremos aquilo que nos destrói.
O desmonte da previdência é uma proposta de maior desumanização da classe trabalhadora. E nós não a deixaremos passar.
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