[Debate] Boulos na UFSC: à direita liberdade é meramente aparente

Imagem: Cartaz do grupo “endireita UFSC” convocando ato contra a presença de Boulos na universidade

Luiz Costa* – Redação UàE – 19/03/2019

Segundo o artigo 206 da Constituição da República Federativa do Brasil, “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios […] II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III –  pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”.

A liberdade de cátedra ou liberdade de ensino e aprendizagem, como é conhecido atualmente, é um importante princípio na defesa da produção de conhecimento. Para que uma instituição de ensino e pesquisa, como as Universidades brasileiras, produza conhecimento científico, artístico e filosófico em seu mais alto nível, é preciso garantir que os que se dedicam a tal, tenham a liberdade de se posicionar e tudo criticar.

Ao que tudo indica, o conceito moderno surgiu em 1575, na Universidade de Leiden, na Holanda. Naquela época, este princípio foi peça fundamental contra as intervenções do Estado totalitário sobre a produção de conhecimento.

Foi com a filosofia moderna, em especial com o movimento iluminista, no século XVIII, que se criticou a tudo e a todos, desde dogmas políticos, morais a religiosos e filosóficos. Unido unicamente pelo princípio de pôr tudo à prova.

Afinal, a pluralidade de ideias e o confronto de posições são processos necessários para a produção de conhecimento. Para colocar uma teoria paradigmática em prova, questioná-la, confrontá-la e, quem sabe, refutá-la. Esse é o movimento em busca da verdade.

Com a vinda de Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), para palestrar na UFSC, movimentos de direita dos mais variados gostos – conservadores, monarquistas, liberais (sic) – organizaram uma intervenção contrária a sua presença.

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O ato contra Boulos, com cerca de mil pessoas interessadas no evento do Facebook, significa não apenas uma censura particular às ideias que o coordenador do MTST defende, mas fundamentalmente um ataque contra a liberdade de pensar diferente.

Faz parte do cotidiano das universidades, como na UFSC, promover os mais variados meios de debate. Seja na sala de aula, em palestra, em debate, em grupo de pesquisa ou na lanchonete de seu centro de ensino. A todo momento diferentes ideias são apresentadas sobre os mais diferentes temas e, preferencialmente, com distintas posições.

O terreno da disputa é justamente no campo das ideias. A censura é mero reflexo de intolerância e incapacidade de pleitear uma posição publicamente.

Com relação a Guilherme Boulos, por exemplo, o próprio Jornal UàE buscou debater e criticar o programa político deste quando concorria à Presidente da República no ano passado.

Ao analisar o programa educacional de sua candidatura, um dos nosso jornalistas apontou que o programa não incorporava importantes críticas, como acerca da “política de Inovação que vem tomando o lugar do avanço da produção científica densa em nome da valorização mercadológica de processos e produtos”.

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Com os desdobramentos da crise do capital e a consequente degradação da condição de vida da classe trabalhadora, as ideologias dominantes ficam mais suscetíveis e cabe à mão da repressão do Estado uma atuação mais incisiva.

Isso fica evidente com o movimento de caça e censura que percorre as escolas e universidades. No ano passado, o então ministro da Educação Mendonça Filho declarou que acionaria o Ministério Público Federal para investigar a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, que seria ministrada no Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília.

Também no ano passado, a Justiça Eleitoral atuou de forma a censurar a manifestação de ideias políticas em diversas universidades do país. Por fim, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548 para assegurar a livre manifestação do pensamento e das ideias em universidades.

É somente com a defesa de tudo criticar que se produz, de fato, conhecimento, que se desenvolve outros paradigmas científicos, que se cria inovações artísticas, que se propõe uma nova vertente filosófica, etc.

No contexto atual, assim como é preciso dizer o óbvio é preciso, também, defender o incontestável. Liberdade de cátedra é o que sustenta a possibilidade de conhecimento. É, por isso, um princípio essencialmente revolucionário e, portanto, perigoso aos que desejam conservar as coisas como estão.

* O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal

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