Foto: Andre Borges/NurPhoto/Getty Images
Helena Lima* – Redação UàE – 19/03/2020
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem alegado “histeria”, “fantasia” e “neurose” sobre o vírus corona, menosprezando a pandemia. O que para muitos parece apenas como uma ignorância do presidente, sua declaração “Se o Brasil parar vai ser o caos. Vai morrer muito mais gente fruto de uma economia que não anda do que do próprio coronavírus”, dada nesta terça feira, demonstra sua posição irredutível (e do governo) de conter ao máximo a influência do coronavírus sobre a economia, mesmo que seja preciso colocar a vida dos trabalhadores em risco.
A pandemia, no entanto, não deve ser subestimada. Muita gente está comparando o COVID-19 com vírus como EBOLA, gripe aviária (H5N1) e SARS, que tem taxas de mortalidade iguais à 90%, 60% e 10%, respectivamente, enquanto a do coronavírus era de 3,78% há dois dias atrás. Por mais que esse pareça um número pequeno, pelo vírus ser assintomático por duas semanas, por ainda não existirem vacinas ou antivirais nem imunidade de grupo, ele pode representar um real perigo.
Foi isso o que defendeu o biólogo Rob Wallace, em entrevista: “Por exemplo, se o COVID-19 registrar uma mortalidade de 1% ao ponto que infecta quatro bilhões de pessoas, isso são 40 milhões de pessoas mortas. Uma pequena porção de um grande número ainda pode ser um grande número”.
Além disso, a superlotação em UTIs pode aumentar em 5,6 vezes a mortalidade do vírus corona. Em Wuhan, o epicentro do vírus na China, a taxa de mortalidade chegou a 4,5%, enquanto no restante da China em que a capacidade do sistema de saúde não foi excedido, a mortalidade foi de 0,8%.
No Brasil, atualmente temos 2 leitos de UTI para 10 mil adultos (para todos os tipos de tratamento), em Wuhan foram necessários 2,6 para cada 10 mil adultos. Ou seja, achatar a curva das infecções é necessário para que todos possam ser atendidos nas melhores condições, e para achatar a curva, isolamento é indispensável.
Outra medida orientada pela Organização Mundial de Saúde para amenizar a contaminação do vírus e conseguir isolar os infectados, é a aplicação dos testes em massa. No entanto, João Gabbardo, secretário-executivo do Ministério da Saúde afirmou que só pessoas com casos graves serão testadas no Brasil, contrariando às recomendações.
No gráfico a seguir, mostra-se a diferença de curvas entre países como Coreia do Sul, Japão, Cingapura e Hong Kong, que tomaram medidas de quarentena e testes em massa, e países como Grã-Bretanha e Estados Unidos, que estão relutando para tomar tais ações. O Brasil, por enquanto, segue no caminho da segunda parte dos países.
Gráfico do jornal Financial Times: País por país: como a trajetórias dos casos de coronavírus se comparam
Entre os economistas do establishment, tem se formado um consenso de que achatar a curva de infecções implica em aumentar a curva da queda na economia. Afinal, um país em quarentena é um país em que a maioria dos trabalhadores não trabalha. E mesmo esses economistas sabem que, sem a força geradora de valor, as máquinas e os sistemas não funcionam, não há geração de caixa, e as dívidas a pagar pressionam a própria existência das empresas.
Na China, por exemplo, o gráfico apresenta que, depois do início da quarentena em Wuhan, a linha vermelha que representa a atividade da economia chinesa em 2020 caiu em comparação ao crescimento do ano passado, a linha cinza. Outros dados mostram uma queda de 10% em sua produção industrial nos últimos meses, 15% em vendas de varejo e 20% em investimentos de ativos fixos.
Talvez, no entanto, o governo realmente não esteja entendendo a gravidade da pandemia do coronavírus. Não esteja entendendo que a morte de 3,400 pessoas, como são hoje os números na Itália, também afetaram a economia. Estão agindo de maneira imediatista sem conseguir construir possíveis cenários.
Gráfico do jornal Financial Times: Impacto do Covid-19 na economia chinesa
Dessa maneira, conseguimos entender o porquê do discurso do Bolsonaro (que não são contraditórios com as medidas do governo como um todo). Os trabalhadores não podem ficar assustados com a pandemia, porque precisam continuar indo ao trabalho, então é melhor que fiquem assustados com a perspectiva do desemprego.
Para isso, o Ministério da Economia tomou uma postura absurda, mas previsível, de querer cobrar dos trabalhadores uma queda econômica cujos fundamentos já estavam dados antes mesmo do início do COVID-19. Nessa quarta feira, 18, apresentaram uma proposta em formato de Medida Provisória que vai permitir que as empresas cortem a jornada de trabalho e o salário dos trabalhadores pela metade ou que a quarentena signifique antecipação das férias.
Ou seja, é um duplo golpe sobre os trabalhadores. Além de demonstrar que não vão atender às medidas drásticas de quarentena e isolamento que poderiam salvar milhares de brasileiros de morrer sem atendimento, ainda vão promover a redução dos salários ou reduzir férias à quarentena. Esse governo deixou muito claro que sua única prioridade é achatar a curva da recessão, e que dane-se a curva das infecções.
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