50 anos de Golpe e os Golpes à UFSC

Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.
Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.
A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.
A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.
Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.
(Presidente João Goulart, Discurso no Comício da Central do Brasil, 13 de março de 1964)

Das fileiras mais reacionárias da política universitária se ensaiam dois movimentos objetivando um golpe à atual administração central:

1 – Significativamente, no dia 01 de abril de 2014 foi publicada uma carta no blog do Moacir Pereira do jornal Diário Catarinense de autoria do professor José Fletes, intitulada “J’Accuse”. Na carta, o professor marca claramente sua posição “FORA, Roselane”.

2 – No dia 22 de abril, também no mesmo blog, foi publicado um artigo “Manifesto à Comunidade Universitária. Eleições para Reitor” assinado pelos professores: Aires J. Rover, Antônio Fábio Carvalho da Silva, Armando de Melo Lisboa, Décio Krause, Eduardo Fancello, Henrique Finco, João Klug, Luis Orlando Emerich dos Santos, Mónica Salomón, Paulo C. Philippi, Raymundo Baptista e Rogério Portanova. No artigo se posicionam pelos 70% do peso dos votos para os docentes nas eleições para reitor.

O primeiro movimento, mais explícito e escrachado, borbulha em meio às trincheiras reacionárias da universidade e depois dos acontecimentos do levante do bosque, oportunamente cria um canal de expressão nas palavras do professor Fletes. Coincidentemente ou não, mas de todo jeito de forma bastante significativa, sua carta fora lançada no dia 1º de abril – dia que marca o inicio de um período nefasto de nossa história. Nos 50 anos do golpe civil-militar (ou até melhor, empresarial-militar), é lançada uma ameça de golpe na UFSC.   
 
Um movimento arriscado e mal delineado de aglutinar setores descontentes em trincheiras opostas: os setores críticos, no campo da esquerda, que denunciam o projeto roselanista e setores descontentes da direita. Esdrúxula tentativa, pois no que depender da esquerda, seguiremos lutando contra a reitoria até o fim de seu mandato em 2016 e contra roselanismo até quando esse fenômeno durar.

O segundo movimento, menos esdrúxulo ainda que tão absurdo quanto, se beneficia de uma história que se repete na UFSC há anos. Em cada consulta, para reitor e mesmo para cargos de direção, os defensores dos 70% aparecem. Menos importante para eles é de fato a questão legal, o que importa para esse filão do reacionarismo é a concentração e acumulação do poder docente.

Para eles, tanto melhor se obtiverem os 70% – mais fácil seria aprovar seus candidatos. No entanto, a ameaça vale mais que sua concretização. Demonstrar sua força, desgastar não simplesmente a gestão, mas o próprio processo que, em 2015, definirá o novo reitor. É isso que está em jogo com sua movimentação, concretizar a ameaça é secundário. Um golpe desferido contra a democracia na UFSC. E principalmente um golpe contra qualquer proposta realmente democratizante que possa vir de um programa e candidato de esquerda na próxima eleição.

Os ensaios de golpe que se desenham no cenário político da UFSC, tortos e absurdos, e embora haja uma verdadeira vontade de concretização por parte desses setores, lhes servem muito mais como tentativas de acomodação de forças: da velha direita tentando uma inserção e reacomodação no bloco de poder. E é preciso deixar claro: as tentativas de golpe à atual gestão embora de tropas distintas, vem de sua própria trincheira. A esquerda repudiará e resistirá veementemente à essas ações.  

A culpa é da esquerda?

“Se fosse apenas para aplaudir, não seríamos um povo independente, mas um rebanho de ovelhas. O povo está aqui para clamar, para reivindicar, para exigir e para declarar sua inconformidade com a situação que estamos vivendo.”
(Leonel Brizola, Discurso no Comício da Central do Brasil, 13 de março de 1964).

Em 27 de fevereiro, a reitora proferiu um discurso na formatura dos graduandos em ciência econômicas (http://vimeo.com/94480889). Nesse discurso, mencionara de “uma certa esquerda que a direita adora”; “o esquerdismo”; “aqueles que querem tudo aqui e agora”, e deu a entender que formas de agir semelhantes teriam levado a queda (o exílio e a morte) de Jango e Allende, num dos momentos mais sombrios que a América Latina vivenciou.

Essa esquerda, que não reconheceria os avanços da universidade pública, essa esquerda que “joga água no moinho da direita”, seria, dada sua lógica, a responsável por abrir o campo para as narrativas de golpe na UFSC. Ou seja, sua tese central é: a medida que a esquerda tece suas críticas de forma rigorosa, abre o campo para velha direita avançar.

Para sustentar essa tese e essa comparação, é preciso considerar que o governo de Roselane estaria em algum limiar de um campo de esquerda ou até mesmo progressista. Sobre isso já tratamos em dois textos anteriores “A UFSC está cercada pelo imobilismo” e “A UFSC está cercada pelo imobilismo II”. A atual gestão não expressa nenhuma grande mudança na universidade, não segue um caminho identificado com a esquerda – pelo contrário, não significa nada além de uma reordenação da direita com uma política de contenção da esquerda: a ascensão nas escalas do poder dos proprietários-acadêmicos, a cooptação passiva da esquerda e a institucionalização dos conflitos.

Ora, o Governo Federal está insatisfeito com o governo da UFSC? As Fundações de Apoio estão insatisfeitas com esse governo? As grandes empresas que aqui “investem seu dinheiro” estão insatisfeitas? O professorado está insatisfeito? Onde isso está escrito? Na queda de Jango e Allende, além de grandes interesses na política externa estado-unidense jogou principalmente a articulação do empresariado interno.

Allende foi eleito com um caminho socialista a seguir. Jango, trabalhista, apontava a esquerda, e quando pressionado pelos setores conservadores se jogou aos braços do povo e foi combater a direita lado a lado com os trabalhadores. E Roselane? Em mais de dois anos, ainda que com um verniz de diálogo e mediação, sempre que sob pressão escolhe a saída conservadora. Exemplo claro é a questão das 30 horas: num momento de pressão como a greve, ao invés de lutar lado a lado com os TAE’s por seus direitos, prefere tentar dividi-los e manter a política conservadora¹.

Roselane escolheu sua trincheira, e será atacada de dentro e fora dela. Mas, se depender da esquerda, será atacada até 2016. Se Roselane Neckel quer se colocar ao lado de figuras como Jango e Allende, uma lição de história: não há Comício da Central do Brasil (quando mais de 150 mil pessoas sairam às ruas em defesa do Governo Jango) sem as Reformas de Base².

O problema com o tipo pequeno de lógica usada por Roselane é que a responsabilidade por um ato de violenta repressão (os golpes civis-militares) seja justamente de quem sofreu tal violência porque “provocou”. Esse tipo de lógica, procura a um só tempo: a) forjar um consenso com os setores golpistas (para que não apareçam, pois não são provocados) e b) forja uma falsa democracia – uma democracia onde não se pode falar ou fazer críticas, sem sofrer um golpe. E quando o golpe se anuncia, tal qual tantas outras violências (estupro, abuso, homofobia, racismo, anti-semitismo), a mentalidade mais mesquinha busca culpar a vítima, como se ela “houvesse provocado” a violência que sofreu.

Roselane: não! A responsabilidade dos golpes violentos e facínoras sofridos pela América Latina nunca foi da esquerda – não importa qual tipo de esquerda tenha havido em cada nação. A responsabilidade foi sempre daqueles que deram os golpes de mãos dadas. A responsabilidade é sempre daquele que perpetra a violência, nunca de quem sofre.

Com isso queremos deixar claro uma dupla mensagem: a primeira é de que esse tipo de armadilha lógica usada para justificar os violentadores – de que a culpa é de quem sofreu a violência – é inaceitável para todo o campo da esquerda. Portanto, não cairemos nela como tantos caíram, e continuaremos a fazer nossa crítica desde a esquerda: com firmeza, clareza, coerência e responsabilidade.

Dito isso, há uma segunda mensagem: faremos isso até o último dia do seu mandato. Nós somos um campo amplo de oposição à esquerda dessa gestão, temos incontáveis críticas que vão desde o péssimo assessoramento que o núcleo duro da reitoria faz à Roselane até o tipo de política pequena e pouco ambiciosa que demonstrou até hoje. Mas nós iremos combatê-la dentro dos limites do Estado democrático burguês brasileiro. Por isso (e essa mensagem é tanto para Roselane, quanto para os fascistas raivosos): a gestão vai seguir até o seu último dia regimental. Qualquer tentativa de golpe vai suscitar tão somente que nós mesmos, ainda que oposição à esquerda, estejamos diante da reitoria para impedir qualquer tentativa de golpe. Se for golpe o que vocês querem, terão que passar por cima de nós primeiro.

Os 40

Em meio a esse cenário, no dia de hoje (6 de maio) começaram a ser intimados estudantes que participaram do movimento político do levante do bosque. Há semanas os jornais falavam em 25³. Ontem o número ventilado à imprensa era de 40 pessoas. Mais um golpe desferido contra a UFSC, e contra a esquerda.

Os acontecimentos do fatídico 25 de março, serviram como um balão de ensaio para atacar a Universidade e a esquerda na cidade. As narrativas que se desenrolam desde então nos meios de comunicação de massa vão sutilmente construindo a criminalização da esquerda – e não apenas pela via judicial, mas na construção de um senso geral de que os movimentos e organizações políticas de esquerdas possam ser comparadas ao crime. Por exemplo, em entrevista ao jornal Zero, o superintendente da Policia Federal em SC afirma que as pessoas que estavam no bosque não eram manifestantes.

Este é mais um inadmissível ataque a esquerda e a UFSC. A esquerda ficará unida na defesa dos movimentos sociais e da UFSC. E a reitoria?

¹ Memorando lançado pela administração central às portas da greve dos técnicos:https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1489630681248678&set=a.1479294555615624.1073741829.1410527489158998&type=1&theater

² O Comício da Central, ou Comício das Reformas, foi um comício realizado no dia 13 de março de 1964 na cidade do Rio de Janeiro, na Praça da República, situada em frente à Estação da Central do Brasil. Cerca de 150 mil pessoas ali se reuniram sob a proteção de tropas do I Exército, unidades da Marinha e Polícia, para ouvir a palavra do Presidente da República, João Goulart, e do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comunista Brasileiro e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores.

³ As primeiras notícias falavam de 25 estudantes:http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/alunos-que-participaram-de-conflito-na-ufsc-sao-investigados-pela-pf-sob-suspeita-de-vandalismo-em-protestos-de-rua. Atualmente falam de 40, entre estudantes TAE’s e professores:http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/164708-inquerito-investigativo-policia-federal-comeca-a-intimar-envolvidos-em-confronto-na-ufsc.html

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