Foto: Intervenção feita em frente à reitoria da UFSC, no dia 16 de julho de 2020. Fonte: FEQ.
Luiz Costa – Redação UFSC à Esquerda – 08/10/2020
Em julho deste ano, o Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) decidiu que o melhor a se fazer durante a pandemia da Covid-19 seria a retomada das aulas remotamente. Dia 31 de agosto as aulas foram iniciadas. Seis semanas após o retorno, os reflexos de tal decisão começam a aparecer. Cerca de 14,5% dos estudantes dos cursos de graduação evadiram.
Ao todo, a UFSC tem 30.814 estudantes de graduação matriculados. Destes, 1.536 decidiram trancar seus cursos e 2.921 foram inscritos na chamada “disciplina fantasma” ZZD 2020. São 4.457 estudantes que, neste momento de pandemia, com a inserção do ensino remoto, deixaram seus cursos.
A disciplina “ZZD 2020” foi criada pelo Conselho Universitário da UFSC (CUn) como uma forma de o estudante poder interromper seu curso sem perder o vínculo formal com a universidade.
Diferente do trancamento de matrícula, a inscrição na disciplina fantasma permite ao estudante, por exemplo, continuar vinculado a um projeto de pesquisa ou extensão, ou recebendo alguma forma de auxílio permanência estudantil através da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE).
Em contrapartida, a ferramenta criada permite amenizar os dados da evasão, afinal, os 2,9 mil estudantes que interromperam seus cursos através da inscrição na disciplina fantasma não são contados como “desvinculação”, como é o caso do trancamento de matrícula.
Somando, então, essas duas formas de evasão, são 4,4 mil estudantes deixados para trás num total de 30,8 mil. Isso significa que a cada 7 alunos, 1 não está mais cursando na UFSC.
As informações foram coletadas com o gabinete da reitoria da universidade.
Esse dado, é importante pontuar, não é definitivo. Com o avanço do semestre é possível que o número de estudantes evadidos ainda aumente.
Diferente do método convencional de evadir do curso (trancamento de matrícula), a inscrição na disciplina fantasma pode ocorrer a qualquer instante durante o semestre. Em semestres regulares, o trancamento só era possível em até 45 dias corridos do início do período letivo (artigo 58 da resolução Nº 17/CUn/97).
Apenas entre quarta-feira (7) e quinta-feira (8), o número de inscritos na disciplina fantasma aumentou de 2.906 para 2.921.
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Esse, porém, é o dado de estudantes que pararam integralmente seus estudos na UFSC. Com as complicações da pandemia e do ensino remoto, diversos estudantes deixaram de cursar ao menos uma parte das disciplinas exigidas pelo curso.
Durante os semestres remotos, não há um mínimo de disciplinas a serem cursadas pelo estudante — diferente dos semestres regulares. Segundo a resolução normativa do CUn, está eliminada qualquer carga horária mínima de disciplinas. Ou seja, é possível, inclusive, estar matriculado em apenas uma disciplina de 2 hora-aula por semana.
“Art. 17. Durante o Calendário Suplementar Excepcional, os estudantes serão dispensados da realização de carga horária total mínima semestral do curso, sem nenhum prejuízo”, segundo Resolução Normativa nº 140/2020/CUn.
Além dos dados visíveis, há então estudantes que podem estar cursando apenas parcialmente seus cursos ou que, mesmo matriculados, não estão conseguindo acompanhar as disciplinas por inúmeros possíveis fatores.
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E não é apenas o percentual de estudantes que deixaram de estudar na UFSC que espanta. O número absoluto também é chamativo, pois a UFSC está entre as maiores universidades públicas do Brasil.
O número total de estudantes que deixaram de estudar na UFSC com a implementação do ensino remoto é superior ao número total de estudantes de ao menos sete universidades públicas. São elas:
- Universidade do Tocantins (UNITINS)
- 2.311 estudantes
- Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
- 2.420 estudantes
- Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)
- 4.046 estudantes
- Universidade Estadual de Roraima (UERR)
- 2.166 estudantes
- Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
- 3.678 estudantes
- Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
- 3.219 estudantes
- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)
- 3.488 estudantes
“Nenhum estudante fica para trás”
Quando a implementação do ensino remoto foi debatida no CUn, muitos representantes defenderam a sua implementação, inclusive cientes de que estudantes ficariam para trás.
Entre as falas mais emblemáticas, se sobressaiu a do então conselheiro discente Gabriel Cesar, representante da direita no movimento estudantil e atual candidato a vereador em Florianópolis (SC). Ao responder sobre a possibilidade de estudantes que poderiam não ter acesso ao ensino remoto, Gabriel Cesar alegou que isso não seria motivo para prejudicar quem tem condições de estudar.
“Isso não é motivo para impedir a retomada das atividades dos estudantes que têm condições de retomar (…) e não faz sentido continuarmos causando prejuízo a essa comunidade [de estudantes que têm condições], porque outros não podem continuar as atividades”, afirmou em Reunião do Conselho, no dia 26 de julho.
Apesar das falas absurdas de setores da direita, o ensino remoto também foi apoiado por setores da esquerda na universidade. Em Conselho de Entidade de Base (CEB), a maioria dos Centros Acadêmicos votou em defesa do ensino remoto.
A direção do Diretório Central dos Estudantes também se posicionou favorável ao retorno das aulas remotamente e, inclusive, foi um dos setores que pautou “melhoras” ao ensino remoto. A proposta de criação de uma disciplina fantasma partiu da gestão do DCE.
Com o ensino remoto implementado, a direção do DCE sequer tem feito algo. Faz quase quatro meses que o Diretório não convoca os Centros Acadêmicos para debater, em CEB, as implicações do ensino remoto na UFSC e a consequência dele para os estudantes.
O problema não se restringe à evasão
A evasão não é a única consequência da manutenção do semestre da forma como a UFSC tem feito. Os dados de alunos que pararam de estudar é apenas a faceta mais objetiva.
Mesmo entre os estudantes que conseguem manter-se estudando nesta forma, há uma série de complicações.
Uma série de textos tem saído nos jornais Universidade à Esquerda e UFSC à Esquerda debatendo as perdas desta geração devido a uma formação flexibilizada.
Segundo Maria Alice de Carvalho e Martim Campos, “a formação universitária não deve curvar-se às vontades individualizadas e pressões mercantis, mas deve estar em compromisso com o tipo de experiência coletiva que conseguimos construir, de acordo com uma formação do mais alto nível e rigor aos sujeitos que decidem passar parte de sua vida nesse espaço, de acordo com um comprometimento com a sociedade que deposita nesta instituição suas questões para serem pensadas com o mais avançado conhecimento possível”.
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Em coluna ao UàE, Olinda Evangelista e Renata Flores apontam como o retorno das aulas remotas serviu de passo intermediário para as entidades do capital começarem a pautar abertamente o retorno presencial na educação básica.
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Segundo o Calendário Suplementar Excepcional da UFSC, o primeiro semestre de graduação termina no dia 19 de dezembro. As aulas do segundo semestre, também previsto para acontecer remotamente, devem começar no dia 1º de fevereiro.