[Debate] Coronavírus: a quem serve o “novo normal”

Foto: Bruno Concha/Secom

Morgana Martins – Redação UàE – 20/07/2020

Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.

A pandemia do novo coronavírus, crise sanitária que marca o século XXI, fez com que o mundo se voltasse a realizar pesquisas e estudos, como forma de conhecer com o que estamos lidando. Para isso, diversas instituições do mundo todo cotidianamente trabalham na criação de uma vacina e na disseminação de informações.

No Brasil, isso não é diferente. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma pesquisa divulgada no dia 2 de julho demonstrou que partículas do novo coronavírus, SARS-CoV-2, foram encontradas em duas amostras do esgoto de Florianópolis colhidas em 27 de novembro de 2019. Revelando a amostra mais antiga do vírus nas Américas e também nos dando novas informações sobre sua disseminação no mundo.

Porém, no que diz respeito a contenção do vírus, o país segue totalmente na contramão. O Brasil, segundo país com mais casos confirmados – ficando atrás somente dos Estados Unidos – ultrapassa a marca de dois milhões de infectados e de 80 mil mortes. 

O governo Bolsonaro

Estamos na situação atual em decorrência da escolha política feita pelo governo Bolsonaro. Acreditando que os efeitos da crise econômica seriam mais nefastos e mais perceptíveis à classe trabalhadora do que os efeitos da crise sanitária, Bolsonaro conduziu o país a não ter nem mesmo o estabelecimento de um isolamento social efetivo, a acreditar em políticas sanitárias incorretas e a não confiar nas pesquisas realizadas. 

A única decisão estabelecida, mascarando suas intenções, foi o Auxílio Emergencial. Porém, no início de julho, o DIEESE realizou uma a “Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos” tratando dos preços de junho de 2020. O resultado apresentado foi de que a cesta mais cara, em São Paulo, corresponde a R$ 547,03 e a mais barata, em João Pessoa, custa R$ 430,44. O valor do salário mínimo necessário foi estimado em R$ 4.595,60, o equivalente a 4,40 vezes o mínimo vigente de R$ 1.045,00. 

Além disso, pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) indicaram que a injeção de recursos na economia por meio do Auxílio Emergencial e da ampliação do programa Bolsa Família amenizou em dois pontos percentuais a queda do Produto Interno Bruto (PIB). 

Portanto, o valor irrisório de R$ 600,00 não pode ser tratado como uma política séria do governo. Justamente porque é uma política que visou auxiliar o país a sair da crise econômica; e não dar a possibilidade de isolamento social com garantia da manutenção da vida dentro de casa. 

As universidades

O país ultrapassou nesta semana o marco de 80 mil mortes e ainda não está no controle da disseminação do novo coronavírus. Mas, para as universidades, isso parece não ser mais um problema. A grande maioria delas, como publicado no Jornal Universidade à Esquerda, está focada no debate sobre o retorno das atividades de ensino. 

Ou seja, nem mesmo as universidades, instituições críticas e científicas, estão puxando para si a responsabilidade de solucionar a crise. O que fazem, ao contrário do que é o necessário para o momento, é colocar a comunidade universitária a refletir sobre o retorno às aulas de forma remota, medida totalmente deslocada da sociedade brasileira. 

Na contramão da crise sanitária

As escolas privadas de Manaus, a primeira capital do país a enfrentar colapso nos sistemas de saúde e funerário por causa do coronavírus, abriram suas portas no início do mês de julho. O Governo do Amazonas autorizou o retorno das atividades presenciais nessas instituições e divulgou uma cartilha com normas e recomendações oficiais de segurança.

Um mapeamento elaborado pela Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) aponta que Manaus é a única capital com as escolas reabertas no país. Outros 11 estados e o Distrito Federal já têm propostas para retorno.

O que está por trás disso?

A medida adotada por Manaus é extremamente preocupante. O que está por trás dessa decisão para a educação básica e para a sociedade, por mais que não pareça, é a decisão de que algumas crianças podem vir a falecer para que se estabeleça um clima de normalidade e para que os pais sejam liberados para retornar a seus trabalhos. 

Infelizmente, é isso que os projetos da classe dominante têm para a educação como um todo: pouco importa a formação, a aprendizagem ou a vida, o que é preciso é que o país retorne ao que estão chamando de “novo normal”. A classe dominante não precisa nem dizer abertamente qual seu projeto, de que alguns devem morrer, apenas nomeou-o, no lugar, de “novo normal”, ao qual todos devemos adaptar-nos

Assim como na educação básica, o retorno das universidades às atividades curriculares também faz parte da criação de um clima de normalidade no país, em que se visa um retorno gradual das atividades corriqueiras para, assim, esquecermos das mais de mil mortes diárias por coronavírus. Como instituição crítica e coerente que nos resta, a Universidade ao retornar às atividades normais indica à sociedade que esse é o correto a se fazer no momento, de que há como retornar à normalidade.

Devemos explicitar a política da classe dominante, de Bolsonaro e seu governo, para que fique claro à sociedade qual sua verdadeira posição: a de que muitos devem morrer, a de aceitar a morte de mais de 5,2 mil brasileiros por dia – projeção realizada para agosto no Brasil – e a de que a educação e as universidades devem cumprir um papel na criação de uma normalidade para o país, abandonando até mesmo seu papel formativo e de produção de conhecimento crítico e científico de alta qualidade 

É isso que está em jogo nos debates que temos a enfrentar atualmente, inclusive no debate sobre a volta das atividades de ensino nas universidades. O projeto daqueles que defendem a qualquer custo esse retorno é, como apresentado no texto, a de naturalizar mortes que sequer podem ser choradas, em nome de uma recuperação da crise capitalista que nos trouxe até aqui – não à toa a agenda de reformas do governo já está novamente em andamento. 

Frente a isso, que nos perguntemos se o papel de nossas universidades e até mesmo de nós como estudiosos é de contribuir com esse novo desumano normal, ou se temos o papel histórico de apresentar um novo projeto e saída, sem abaixar nossa cabeça à classe dominante. 

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