Foto: UFSC à Esquerda

[Debate] Notas sobre a greve da UFSC

Foto: UFSC à Esquerda

Lara Albuquerque* – Redação UàE – 15/11/2019

 

O passado recente da UFSC, no que tange seus movimentos políticos, nos coloca algumas questões que são difíceis de assimilar rapidamente, alguns processos desencadeados nesse semestre continuarão em aberto para serem metabolizados no interior do movimento e seus próximos ciclos de lutas. Se faz necessário um profundo balanço do fato de que as pautas não se concretizaram, era sabido, desde o começo que eram objetivos longínquos, porém a forma de não atingi-los e a forma que se saiu da greve diz muito sobre o que se passa nacionalmente como o movimento estudantil, com o movimento dos técnicos e com o movimento docente, logo diz muito também de como as forças políticas têm atuado nacionalmente. 

Se o que se passou na UFSC no último período teve um motor ele veio da massa dos estudantes que não conseguiram continuar levando as férias de julho com normalidade após o lançamento do Future-se, o movimento de ascenso nas lutas que culminaram nas greves estudantis da graduação e da pós tentaram construir junto às outras categorias (técnicos e professores) dentro da UFSC uma greve mais forte e também um esforço grande do movimento em nacionalizar a greve. Da base dos estudantes que se organizaram, no princípio, a partir de reuniões construídas de forma ampliada pelo Centro Acadêmico Livre de Geografia (Caligeo), foi tomando forma uma política lançada às massas estudantis no volta às aulas, vários setores foram se aglutinando a partir da pauta de que a Universidade estava sendo rifada pelo Ministério da Educação à iniciativa privada. Esse momento é crucial para a guinada no caldo que se formou na UFSC, pois foi esse movimento que começa a fazer uma recepção sobre o tema organizando aulas, panfletando no Restaurante Universitário diariamente e produzindo jornais com textos mais longos e embasando o debate. Desse contexto nasce o que ficou conhecido como o movimento UFSC contra o Future-se. 

Nesse ponto, as mobilizações na UFSC já mudavam de figura e esse era um cenário inédito na conjuntura local (ao menos na conjuntura recente), uma vez que o debate na UFSC era o mais avançado entre as Federais. Isso se refletia nos espaços onde a massa dos estudantes já se colocava a favor da greve, uma vez que não se tinha perspectiva alguma de continuar o semestre: o Restaurante Universitário tinha orçamento até meados de setembro, dezenas de terceirizados demitidos, as bolsas estavam sendo cortadas, o Future-se ameaçando o futuro das universidades, etc. 

O que antes da greve ser deflagrada ficava evidente, seria muito difícil um levante estudantil nos outros lugares, ou seja, estávamos sozinhos. Porém não estávamos sozinhos na nossa condição material dos cortes, da falta de bolsa, de demissão de terceirizados, do Future-se sobre nossas cabeças. Logo era necessária a tentativa de transformar essa falta de horizonte de luta nas outras universidades e tendo um setor mais avançado disposto a tarefa posta era a de dar vazão a esse movimento que não vislumbrava outra saída ou estratégia de luta que não uma greve. Uma vez conquistada a greve nas massas estudantis, teria-se campo para avançar na tentativa de construção de nacionalização da greve, de novo, tentativa de construção da nacionalização da greve. Ou seja, não estava dado e nem garantido, mas era necessário agir em relação a isso. A tarefa estava dada à esquerda, no entanto, uma vez que a greve se fez real na UFSC e os esforços para ampliá-la começaram a ser dificultados.  

Recentemente a classe trabalhadora viu as grandes centrais sindicais não organizarem a luta contra a reforma da previdência, era sabido da dificuldades enfrentadas com as direções das entidades e algumas organizações políticas no interior dos movimentos, assim a disputa se concentrava não só em combates contra a direita, mas na própria esquerda eram apresentados entraves para a luta não se efetivar em sua potência política. O burocratismo foi se apresentando cada dia mais avançado no interior do movimento da UFSC e mostrando suas faces fora da UFSC também, foram feitos esforços enormes pela nacionalização da greve, mesmo assim o movimento que deslanchou na UFSC e foi capaz de transformá-la na Universidade Federal com o debate político mais avançado em relação aos cortes e ao programa de desmonte mais recente apresentado pelo MEC se viu numa encruzilhada dentro e fora da UFSC. 

Talvez um dos melhores exemplos desse “bloqueio político” que as forças políticas realizaram tenha sido a  assembleia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com participação de 8 mil pessoas e três horas de duração. A pauta era uma moção de repúdio ao Future-se, as falas todas de entidades (como UNE e ANPG que já estavam há semanas sendo cobradas sobre a nacionalização) e movimentos, apenas uma fala por categoria sorteada ao final da assembleia.  Nenhuma citou a greve na UFSC ou da UFSM (que também acontecia naquele momento), nem por uma solidariedade formal. 

A greve na UFSC se encerrou com gritos e aplausos comemorativos de algumas forças políticas na assembleia da graduação, uma cena no mínimo bizarra, uma vez que a greve se encerrou com nenhuma vitória com nenhuma pauta atendida e sim pelo esgotamento político explorado por esses mesmo setores que trabalharam para silenciá-la nacionalmente. Pois, se a UNE não o fez, se a ANPG não o fez, por que os partidos não trabalharam nesse sentido? E se não o fez, por que a dita oposição de esquerda atuou no mesmo sentido que a situação dessas entidades? Na verdade, a única vitória da greve da ufsc foi a política da burocracia, talvez isso tenha sido aplaudido e comemorado, ainda que inconscientemente, por alguns.

Há na forma e nos motivos pelos quais a greve na UFSC se encerrara uma derrota nacional de todos aqueles que lutam pela educação e uma derrota da classe trabalhadora e suas formas históricas de se organizar, pois há aí um aprofundamento do individualismo e quebra das formas de solidariedade entre os trabalhadores. O que se apresentou aos estudantes nacionalmente e entre as categorias ao se levantarem e lutarem para defenderem a universidade foi uma cena sem solidariedade e cheia de egoísmo de classe, onde as forças e as entidades usam seus nomes e espaços para dizer de um acúmulo de forças que não será vitoriosa, pois só aponta para uma espera que não aponta para nada. 

A experiência da greve na UFSC nos coloca essas questões e nos apresenta a dimensão do problema que enfrentamos no próprio campo da esquerda. Se por um momento nos foi possível romper com o burocratismo e isso se deu pois, após os enormes atos de maio e junho (enormes no Brasil inteiro), o exercício da crítica não se encerrou e não se aceitou a falta de consequência das direções nos pontuais atos de rua, logo, não se esperou pelas direções e seus chamados e suas datas e etc. Como essa experiência pode contribuir para a luta nacional? As medidas do capital tem passado livremente no governo de Bolsonaro e a posição recuada das forças não tem ajudado a classe a formular ou agir. Como então vencer a burocracia organizada e fazer a luta avançar?

 

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a posição do Jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *