[Debate] Quem é contra entidade? – Parte 2: Do direito à oposição

Foto: UFSC à Esquerda

Flora Gomes* – Redação UàE – 25/10/2019

Uma segunda forma apresentada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) em vistas à combater as críticas das bases foi reivindicar da oposição a construção da gestão: “se há críticas, que essas sejam colocadas em nossas reuniões”. Não entrarei nos pormenores de como as reuniões do DCE muitas vezes sequer permitem que as críticas sejam colocadas, já que muitas das forças que a compõem recorrem a diversos mecanismos, como desvio político, confusão e até mesmo do assédio para sufocar as tentativas de expressão das divergências. Tratarei apenas de extrair o significado político desse argumento oriundo de forças que, longe de qualquer inocência, fazem grande esforço para incorporarem a oposição no interior de seus espaços hegemônicos, em vistas à sufocar as críticas e manter a coesão.


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A oposição apresentada pelo Movimento UFSC Contra o Future-se (MUCF) não só questionou a forma burocrática de exercer política no interior da universidade, que muitas vezes contentou-se com entregas de ofícios e cartas de repúdio à reitoria, mas também do entendimento diverso sobre a Universidade e o papel do Future-se. Na primeira semana de aula o movimento realizou uma Aula Magna sobre o Projeto na qual discutiu-se diversos aspectos deste, debates inclusive que o Movimento fez grande esforço em socializar posteriormente nos jornais distribuídos. Para esse grupo, o Future-se não era apenas uma forma de privatização da Universidade Pública, a qual assistimos em maior ou menor grau desde a Ditadura Empresarial-Militar, mas da venda do patrimônio público da classe trabalhadora ao mercado financeiro – por meio, por exemplo, da financeirização mobiliária – e a reestruturação dos laços de sociabilidade em um espaço que ainda resguarda uma mínima autonomia de crítica, apresentando uma afronta nunca antes experienciada pela sociedade brasileira.

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Debatemos o papel que o empreendedorismo e as parcerias público-privadas cumpriram ao longo dos últimos anos para permitir a naturalização do absurdo: a reorientação do sentido público da universidade para o gozo dos capitais. O combate ao empreendedorismo não era um detalhe ou aspecto irrelevante para Movimento, mas um dos eixos fundamentais da luta contra o Future-se

Já no manual dos calouros desenvolvido pelo DCE, a menção às Empresas Juniores consiste em citá-las com tons de inocência e aparente imparcialidade, como um mero exercício de extensão, semelhante a qualquer outro:

 

“As empresas juniores são iniciativas estudantis que promovem, por meio da atividade econômica, a vivência empresarial dentro da universidade. São projetos de extensão geridos por alunos da graduação que, com orientação dos professores da universidade, realizam consultorias, projetos e serviços a pequenas empresas e microempreendedores individuais a preços reduzidos. As empresas juniores não possuem fins lucrativos e o faturamento de seus projetos é revertido em capacitação para os membros da empresa, realização de congressos e viabilização de ajudas de custo aos membros das EJ’s. A experiência da empresa júnior visa exercitar na prática o que é ensinado em sala de aula, colocando o conhecimento dos estudantes em contato com as demandas do mercado e da sociedade. Na EJ também é possível desenvolver conhecimentos e competências em gestão, estratégia liderança, trabalho em equipe e oratória, por meio de reuniões, assembleias, planejamentos estratégicos e outras atividades inerentes ao cotidiano da empresa.” 


Esse trecho, retirado do Manual escrito pela atual gestão do DCE, poderia facilmente ter sido elaborado por um membro da Federação de Empresas Juniores do Estado de Santa Catarina (FEJESC), instituição fundamental na operação ideológica do empresariamento universitário no estado. Nos termos descritos, as Empresas Juniores não passariam de uma forma a mais de extensão – tão importante para a pluralidade universitária – cujo foco de suas atividades na área de gestão e capacitação suprindo um problema reiteradamente presente em muitas queixas estudantis: ausência de prática.
Esse ponto específico ilustra como uma unidade com a atual gestão do DCE, desde o início o Movimento, não seria possível por uma questão de princípio. Para o DCE, as empresas juniores são apenas uma forma de extensão universitária, enquanto que para o MUCF, são alvo de intenso combate, já que destroem o sentido público da Universidade e, não à toa, estão abertamente apresentados no “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras- Future-se”,

Divergências como essa não resumem, mas apresentam o que há de inconciliável na política. Ainda que tanto o DCE como MUCF apresentassem a proposta de combater o Future-se, os termos em que cada um desses movimentos apresentava os debates e, portanto, o sentido das lutas, eram diferentes. Esse entendimento diverso, contudo, não impediu o Movimento de convocar diversas vezes o DCE para atuar conjuntamente em certos momentos, como em assembleias, espaços, reuniões, entre outros.

Atuar conjuntamente é distinto de propor uma política em comum. A unificação programática por meio da composição da gestão resultaria na revogação de aspectos importantes e primordiais da luta, o que não impediu o Movimento de atuar pontualmente com o DCE. Na última assembleia estudantil, por exemplo, foi proposto a criação de um Comitê de Luta Permanente pela Educação Pública, convidando entidades e movimentos diversos para continuar as atividades de mobilização mesmo com o fim da greve. O DCE fez uma fala contrária à proposta, afirmando que o espaço de construção das mobilizações deveria ser feito no interior das reuniões da entidade, já que essas eram abertas.

Ainda que a crítica não reivindique conteúdo propositivo necessariamente, ela pode permitir que certos aspectos da política sejam destruídos para que surjam novas e mais avançadas propostas. Imagem vocês, por exemplo, o que seria dos professores se somente pudessem contar com a APUFSC? O Andes propõe uma política radicalmente diferente para a categoria, o que legitima sua autonomia e faz necessária sua oposição. Diga-se de passagem que, não à toa, a APUFSC constantemente acusa o ANDES de ilegitimidade.

Com esses elementos evidencia-se que o papel de desqualificação do DCE ao Movimento foi uma tentativa pouco democrática de certos setores da esquerda de incorporar a oposição e impedir a apresentação de uma nova política. Mas essas forças receberam uma lição pedagógica importante: ou acompanham as bases ou serão deixados para trás.

 

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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