[Opinião] O que esperar do Future-se: o exemplo de precarização na gestão privada das OSS e da EBSERH

Lucas P. – Para UàE – 28/10/2019

Com a apresentação do programa “Future-se” encabeçado pelo Ministério da Educação, o tema das Organizações Sociais toma corpo mais uma vez, inclusive com referência do ministro à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH como um dos casos de sucesso dessa forma de privatização dos serviços públicos [1]. 

A EBSERH vem, na saúde, na esteira de outras formas de privatização por meio de gestões de caráter jurídico privado, como as Organizações Sociais. Apesar de haver algumas especificidades entre elas – como a EBSERH sendo uma entidade de personalidade jurídica privada, mas ligada ao MEC -,  os discursos que tentam justificar a inserção delas nos serviços públicos e os resultados que elas trouxeram são parecidos, com deterioração ainda maior dos serviços e das condições de trabalho onde elas têm atuado, além de cercear a transparência e o controle social. 

É importante buscarmos esse histórico para vislumbrarmos os desafios que a classe trabalhadora – dentro do movimento estudantil também – terá para continuar sua luta em defesa de uma universidade autônoma, pública e de qualidade com a implementação da política proposta pelo Future-se.

Os discursos para a implementação desse tipo de gestão privada no campo da saúde pública foram e são muito próximos dos argumentos apresentados hoje para as IFES, com falas relacionadas à “modernização” e “eficácia”, pois “o aparato estatal seria demasiado antiquado e burocrático”, causando, segundo os defensores da privatização, todos os problemas em relação às filas de atendimento, a falta de equipamentos e profissionais. Ou, ainda, que as implementações das empresas atrairiam mais recursos, como no caso da EBSERH, pressionando os órgãos de decisão das universidades e, ao mesmo tempo, colocando para a opinião pública a falsa ideia de que a falta de recursos é algo dado e não um projeto de governo atrelado aos setores privados. Um discurso que tenta legitimar a lógica dos resultados, metas e índices da “grande empresa capitalista” para todos os domínios.

O que ocorre, na prática, é que nesses serviços os diversos problemas apontados há tempos pelos usuários e trabalhadores da saúde se mantiveram. Desde a implementação da EBSERH no HU da UFSC, em 2015, as superlotações continuaram ocasionando diversas vezes o fechamento das emergências de adulto [2], pediatria [3] e outros setores. Não só na UFSC, mas no Paraná, o Hospital das Clínicas da UFPR, referência em cirurgias de alta complexidade, também se tornou um (mal) exemplo pelos mesmos problemas desde a entrada da gestão da EBSERH [4]

Isso não se descola da situação dos trabalhadores. A implementação das Organizações Sociais e da EBSERH tem expandido ainda mais contratações flexibilizadas via CLT. Se antes um dos problemas apontados como resultado da “ineficácia” era a gama de diferentes regimes de contratação funcionando no mesmo espaço, com as Organizações ocorre a planificação desses regimes, mas nivelado para baixo. Ou seja, a ampliação de trabalhadores terceirizados e contratos temporários, o que é gravíssimo para a qualidade do trabalho dos profissionais e para a organização de suas lutas nesses espaços. Os serviços na área da saúde são intensos, exigem muito preparo, atenção, acompanhamentos, plantões, trabalho em equipe, etc. Qual a qualidade desses fatores quando há uma rotatividade massiva de profissionais, com contratos de 1, 2 anos? Diretamente, o vínculo que esses conseguem estabelecer entre seus colegas de profissão e os próprios usuários que, muitas vezes, exigem tratamentos longos, é afetado por igual.

Soma-se a isso o rebaixamento dos salários desses novos contratados, o que demanda, muitas vezes, aumento de jornadas e que influencia diretamente na qualidade de vida e de trabalho. Esse próprio montante de trabalhadores subcontratados também serve de barganha para as administrações privadas pressionarem os servidores estáveis. No mínimo, o necessário é a valorização desses postos com estabilidade, planos de carreiras decentes e salários dignos, não o inverso. 

O controle social e a transparência também são afetados diretamente. Com a administração privada, há uma perda da autonomia nas Universidades – como nos casos dos HU’s da EBSERH – e dos usuários e trabalhadores na participação das decisões. Nas OSS, principalmente, superfaturamento de contratos, desvio de verbas e o enriquecimento dos dirigentes dessas empresas com próprio aumento de salário são atitudes recorrentes pelas liberdades que essas empresas possuem na gestão do fundo público [5]. Nas Universidades cria-se uma fragmentação de administração, o que é um ataque direto a qualquer projeto de educação que venha a se construir para o espaço acadêmico. 

Dado esse cenário, a própria atividade sindical se enfraquece. A sobrecarga de atividade, a rotatividade de funcionários, a diferenciação de regimes de contrato e o medo por demissão são elementos que acabam reduzindo as participações dos trabalhadores nesses espaços, na unificação de suas pautas e na própria denúncia das irregularidades [6]. Não é por acaso que muitos relatos das condições precárias só podem ser encontrados nos veículos de informação das próprias entidades de luta dessas categorias e não em canais tradicionais de informação da grande mídia. 

Em suma, as ações representadas pelo avanço da EBSERH e das Organizações Sociais representaram o movimento do Estado de abdicar cada vez mais da manutenção dos serviços públicos e a transferência de uma grande parte de recursos e patrimônios para setores privados, em nenhum momento indo de encontro com as questões essenciais que esse setor necessita.  

Por fim, devemos tomar como lição os resultados dessas formas de privatização que já se apresentaram e que são retomadas com o “Future-se”. A inserção desse projeto trará grandes desafios para aqueles que lutam pela autonomia e qualidade na produção de conhecimento e de trabalho em nossas Universidades e Institutos.   

 

[1]http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=80121:ebserbh-e-um-caso-de-sucesso-no-setor-publico-defende-ministro

[2]https://www.nsctotal.com.br/noticias/ebserh-era-pra-ser-a-solucao-mas-atendimento-no-hu-de-florianopolis-piorou-nos-ultimos

[3]https://ufscaesquerda.com/noticia-atendimento-na-emergencia-pediatrica-do-hu-esta-novamente-fechada/

[4]https://www.sinditest.org.br/2016/02/contrato-com-ebserh-tem-mais-de-um-ano-e-crise-no-hospital-de-clinicas-so-aumenta/

[5] Documento “Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações sociais no Brasil” da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde. 2012. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B3SRQLv1tEAVOE9WUDAtYXlubnc/view

[6] InformAndes Informativo Especial, ANDES-SN. Outubro de 2015. 

http://portal.andes.org.br/imprensa/noticias/imp-inf-1435036110.pdf

 

 

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