[Debate] Voto online ou assembleia: de que democracia falamos?

Luiz Costa* – Redação UàE – 24/10/2018

Os estudantes da UFSC deverão escolher, no dia 30 e 31 de outubro, a próxima gestão do Diretório Central dos Estudantes Luís Travassos. Neste pleito, há uma chapa que coloca-se como realmente defensora dos interesses dos estudantes, por defender uma alternativa às assembleias. A chapa 3, nomeada chapa zero, propõe que uma decisão realmente democrática não se faz com o confronto direto de ideias, mas através de uma consulta virtual, o dito voto online.

Por envolver mais facilmente um maior número de estudantes do que as assembleias, que acontecem presencialmente, a chapa zero argumenta que a ferramento virtual é mais democrática. Isso significa que a concepção de democracia deste grupo é reduzida a um só fator: a quantidade de pessoas envolvidas no processo. Fator este realmente importante, porém não é o único que deve ser levado em consideração, inclusive, não é o elemento primordial, no que tange às decisões realmente democráticas.

Afinal, o que é mais legítimo, uma assembléia, onde ideias se confrontam e a plenária delibera com base no debate ou em um plebiscito online onde os debates não são expostos e a decisão do sujeito não perpassa pelo discurso oposto e contraposto ao seu círculo restrito?

Democracia realmente efetiva pressupõe, é claro, o sufrágio universal, o que, por inúmeros motivos, não significa a participação total. Seja por simples desinteresse e falta de vontade ou por motivo de força maior – estar impossibilitado de alguma forma. De qualquer modo, a ação de tomar uma decisão, como qualquer outra atividade, implica dedicar tempo para tal e, com isso, excluir tal tempo para outra tarefa. Este tempo pode ser poucos segundos para abrir e responder uma enquete virtual ou três horas para presenciar um debate e tomar a decisão.

Meios podem ser utilizados para permitir a maior participação do sujeito na hora do voto, como fazendo em um local, dia e horário onde mais pessoas possam participar. A divulgação também é essencial para que idealmente todos os envolvidos, ao menos, tenham ciência de tal evento. Comunicado mais explicativo também ajuda o público a avaliar mais adequadamente a pertinência do espaço e, se de fato pertinente, maior participação. Vários outros elementos podem ser pensados para aumentar a adesão da comunidade envolvida na decisão.

O instante do veredicto, porém, é apenas um dos momentos do processo democrático. A deliberação de alguém sobre algo não se reduz, ou não deveria se reduzir, à mera escolha entre um número de opções com base unicamente no ideário do sujeito em sua bolha de convivência. Se assim fosse, a escolha continuaria representando a maioria, porém, seria uma decisão fraca racionalmente, pois não seria fruto do confronto de argumentos. A decisão refletiria o interesse da maioria, porém, este não seria fruto da reflexão crítica individual que perpassaria por posições mais diversas possíveis, seria produto da mera ponderação com base nas percepções que transcorrem na esfera privada de vida, em no ciclo restrito de amizade.

É crucial a possibilidade de todos participarem da escolha. Como qualquer atividade, porém, sua participação exige necessariamente a exclusão de outra atividade. Seja lazer, entretenimento, trabalho, estudo, etc. É importante, também, incentivar e atiçar a participação da maioria. Porém, se tal decisão pudesse ser tomada a qualquer momento e ocupando parte ínfima de tempo, como segundos, seria ótimo. Todavia, qualquer escolha minimamente sensata e que, portanto, reflita fundamentada na maior quantidade possível de argumentos, exige que seja produzida através da exposição e conflito de posições, para que, com este leque de argumentos e posições, cada um escolha o que achar racionalmente mais adequado.

Com isso já é possível perceber que uma decisão realmente democrática exige mais do que segundos, pois é necessário tempo para expor as análises sobre o cenário, contra argumentar, expor possibilidades, discutir encaminhamentos, esclarecê-los e, então, votar.  Em segundo lugar, decisões que se comprometem a representar o interesse da maioria fundamentado no conflito de ideias, logicamente não pode ser fruto de um processo completamente individual, é preciso interação humana entre teses, entre argumentos, entre posições.

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Qual o melhor espaço para confrontar as mais diferentes ideias, para, então, tomar-se uma decisão realmente democrática? Um plebiscito online normalmente limita-se a uma breve explicação. Este poderia ser complementado com uma extensa argumentação contra e a favor a proposta ‘x’. Mas como garantir o direito a voz de cada sujeito desta comunidade para apresentar todos os elementos contrários e favoráveis possíveis? Além disso, a própria questão que coloca-se no plebiscito, como saber que outras mais não seriam possíveis e, talvez, mais adequadas? Entre A e B, C poderia ser a melhor alternativa. Não à toa, chamados de assembléia são para discutir uma pauta e, com isso, encaminhar proposta para, então, discuti-las e, por fim, votar.

Pesquisa de opinião não é política. Decisões são políticas quando nascem do mais amplo debate. É preciso garantir a possibilidade de sufrágio universal, bem como o trabalho para maior participação possível. Assim como o direito a voto, é imprescindível o direito a voz, respeitando e tolerando qualquer um que propôs-se a falar, contanto que este também assim o faça.

Portanto, os direitos à voz e ao voto são essenciais à escolha substancialmente democrática. Consequentemente, a assembléia é o melhor espaço para isso. É neste espaço que efetiva-se a democracia direta e, no fundo, realmente democrática. Ao contrário, por exemplo, da democracia representativa burguesa, na qual o momento participativo do voto está isolado por um longo espaço até o momento das reais decisões daquele que supostamente representa o interesse da maioria. Como vemos em nosso Congresso Nacional, onde medidas e propostas são aprovadas, mesmo com a grande maioria da população sendo contrária.

Na atual eleição para presidente do Brasil, a democracia representativa mostra-se ainda mais falida. O debate deixou de existir. Simplesmente um dos candidatos decidiu não dar à população o direito de ver ideias e propostas sendo confrontadas. A sociedade brasileira está condenada ao falatório privado e isolado das partes, ainda por cima transbordado por informações falsas (ditas fake news). Neste cenário, apenas uma coisa é certa: seja qual for a decisão, esta já está previamente condenada.

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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