Ao debater os sentidos do ensino remoto, Olinda Evangelista resumiu: “Se é remoto, não é ensino”. As universidades públicas brasileiras decidiram que, em meio a pandemia, precisa-se retomar as aulas custe o que custar. Sabemos que essa é uma decisão equivocada e que trará grandes perdas à comunidade universitária e, consequentemente, a sociedade como um todo. Como parte do trabalho jornalístico do UFSC à Esquerda, resolvemos compilar e divulgar as mais diferentes experiências dos estudantes, professores e técnicos com o ensino remoto na UFSC. Confira-os abaixo:
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“As aulas acabaram ficando corridas, sem tempo para debate”
“Estou cursando uma disciplina de mestrado, e sinto que perdi muito com o ensino remoto, principalmente em relação ao debate e troca de ideias entre alunos e professores.
Assim como a maioria, as atividades da disciplina foram divididas em síncronas e assíncronas, porém, segundo o professor, a orientação é que se mantenha um limite de tempo reduzido para as atividades síncronas, considerando que nem todos os alunos conseguem estar online no horário determinado, orientação que considero razoável. Porém, o debate e a discussão dos temas propostos na disciplina ficam prejudicados pela falta de tempo. As aulas acabaram ficando corridas, sem tempo para debate.
Há que se considerar ainda que o debate já fica prejudicado pela própria dinâmica do ensino remoto, uma vez que nem todos dispõem de microfone, ou se sentem confortáveis falando/ligando a câmera durante a vídeo aula. Muitos alunos se sentem intimidados em falar durante a aula virtual, ainda mais quando o professor já está sendo obrigado a correr com a apresentação do conteúdo que tinha previsto, devido ao tempo de aulas síncronas reduzido.
A Universidade é feita de interação. A socialização, o debate, o compartilhamento de ideias, de vivências, tudo isso faz parte da experiência universitária, e é fundamental para a construção e desconstrução das ideias. Não existe ciência sem o compartilhamento, e não existe inovação sem debate. Até o momento, na minha experiência com o ensino remoto, senti que perdi muito dessa experiência.
Considero louváveis os esforços dos docentes para que as aulas sejam produtivas, e para fomentar o debate. Mas a realidade é que o ensino remoto exclui muitas pessoas, seja por falta de acesso às ferramentas necessárias, seja por falta de familiaridade para o uso dessas ferramentas, e, de forma alguma, substitui a interação intelectual que a sala de aula propicia. Como levar em conta as vivências e especificidades das realidades dos alunos num ambiente frio, que isola, silencia e constrange muitas pessoas?”
Estudante da pós-Gradução em Ciência da Informação
15 set. 2020
“apesar de todas as matérias que estou fazendo nesse semestre serem teóricas, há a falta do contato, do afeto, do calor humano e principalmente da presença de meus colegas e professores”
“O ensino remoto está existindo, mas sinto falta da presença e tato humano.
Sim, conseguimos fazer aulas em ensino remoto, mas há diversas formas de acessarmos o saber, o saber no meio das artes, assim como muitos outros setores presentes na sociedade que se beneficiam muito mais na modalidade presencial. Sinto que, apesar de todas as matérias que estou fazendo nesse semestre serem teóricas, há a falta do contato, do afeto, do calor humano e principalmente da presença de meus colegas e professores, além do mais, a presença é essencial pra nós da arte, para fazermos qualquer trabalho com o mínimo de qualidade precisamos da presença, com a concentração no aqui e no agora, e para isso precisamos de estar com nossos sentidos direcionados a esse objetivo. Nós artistas precisamos do coletivo pra sobrevivermos, precisamos desse tato e desse calor, se não fosse por ele nem escolheríamos essa tão bela profissão que é um dos principais motores que nos anima para seguirmos em frente.”
Verônica Chalni, estudante de Artes Cênicas na UFSC, 9ª fase
7 set. 2020
“o auxilio para internet foi negado aos moradores com a desculpa de que na moradia há internet.”
“Sou estudante e moradora da Moradia da UFSC, como todos estão sabendo, a UFSC começou um cadastro para poder oferecer ajuda aos estudantes sem computador e sem acesso à rede de internet, mas o auxilio para internet foi negado aos moradores com a desculpa de que na moradia há internet.”
Lucero, estudante das últimas fases do curso de Letras Espanhol da UFSC
7 set. 2020
“me falta vocabulário que expresse a indignação que sinto ao ver aquilo que tanto prezo ser destruído em função de ‘cumprir trabalhos’”
“Acabei de sair de uma aula onde, ao questionar pela segunda vez aos professores qual o sentido que eles davam a ofertar uma disciplina teórico-prática, fui (finalmente) respondida com algo muito semelhante a ‘esse é meu trabalho e devo cumpri-lo’.
Me senti impotente. Não houve possibilidade de questionar, de manifestar o quão grave é um professor de psicologia dizer algo nesse tom a estudantes de psicologia numa sala de aula de uma Universidade que formará futuros psicólogos que poderão achar correto fazer um trabalho sem crítica.
O formato remoto impossibilita que uma aula possa acontecer. Estamos sentados em nossas cadeiras, sofás ou camas fingindo que há troca e diálogo, quando na verdade estamos fazendo colocações atrás de colocações, sem a possibilidade de uma troca real, de responder, de explicar melhor o que você quer dizer. E pior, ainda achamos que está tudo bem seguir desse jeito.
Minha angústia se aprofundou nessas seis aulas que tive desde segunda-feira ao ouvir professores e colegas dizendo que estão cansados de ficar em casa e que agora o ensino remoto está dado. Eu não estou cansada de ficar em casa — eu vou no mercado e na farmácia por uma mera obrigação. Meu cansaço está em me sentir isolada pensando nas 123.899 pessoas que morreram por conta da pandemia, na possibilidade de perder a minha família que continua trabalhando, na minha irmã que poderá ser obrigada a voltar presencialmente para as aulas em outubro.
Eu até mesmo esqueci qual a palavra que nomeia esse sentimento de inquietação ao ver universitários, aqueles que deveriam se colocar a frente na crítica daquilo que “está dado”, acatando uma pseudonormalidade sem questionar justamente os fundamentos desta. Realmente me falta vocabulário que expresse a indignação que sinto ao ver aquilo que tanto prezo ser destruído em função de ‘cumprir trabalhos’.”
Rita de Cássia Pereira, estudante de psicologia, 5ª fase
3 set. 2020
“em um curso que trata das humanidades fomos todos desumanizados”
“Hoje foi minha terceira aula online. O professor parecia ter envelhecido vários anos nesse período em que não nos vimos em decorrência da pandemia.
Um professor super ativo, animado, estava abatido, com cara de cansado.
E me doeu muito, quando durante a aula ele leu uma mensagem de uma aluna no chat: ‘Estou sem energia em casa, acompanhando a aula pelo 4g’.
O professor respondeu: ‘Infelizmente essas coisas vão acontecer…’
Ali, no espaço virtual, em um curso que trata das humanidades fomos todos desumanizados.
O professor cansado; os alunos desprovidos de meios para acompanhar a turma em pé de igualdade; as discussões entrecortada por falhas técnicas…
Meu ânimo foi morrendo ao longo da disciplina. O ensino remoto nos desumaniza e nos condena ao fracasso como um problema individual.”
Luana Gonsaga, estudante do curso de psicologia, 9ª fase
2 set. 2020
“O sentimento é de que eu sou um fracasso”
“Estou extremamente angustiada com o retorno às aulas. Nas ultimas semanas pensamentos suicidas tem rondado a minha mente, ainda que eu estivesse manejando bem a vida durante o isolamento. Precisei aumentar o número de sessões de terapia e acabo deixando de lado outros temas por não ter tempo. Tenho familiares doentes, estou sobrecarregada com tarefas domésticas e com medo de não conseguir voltar para Florianópolis. Depois de muito ouvir a sugestão de professores tranquei o curso no ano de 2019 e hoje luto para voltar. Grande parte dos meus amigos se formou, não tenho mais vínculo com os colegas das disciplinas que preciso cursar. Me sinto ansiosa ao pensar que talvez precise trancar novamente. O sentimento é de que eu sou um fracasso.
Nesse sentido, me pergunto como ficam os meus colegas que não dispõem das mesmas condições que eu. Alguns que sequer conseguiram fazer o reajuste de matrícula, que ouvem de professores — inclusive dos psicólogos do meu departamento — que a saída é que tranquem o curso.”
Agnes, estudante de psicologia, 10ª fase
31 ago. 2020
“é o primeiro dia de aula e não recebi nenhum computador”
“Não me sinto segura, disseram que haveria empréstimo de computadores, mas hoje 31/08 é o primeiro dia de aula e não recebi nenhum computador. Todos que têm possibilidade de acessar as aulas, estão assistindo e eu não. Acho que não é o momento de estarmos tendo aula, tendo em vista que o psicológico de muitos como eu está abalado. Não sei como vai ser, mas ao meu ver o ensino não terá a qualidade necessária e muitos alunos serão prejudicados, é frustrante terem votado a favor do ensino remoto (EAD disfarçado) sem terem ouvido aqueles que como eu têm dificuldades com isso.”
Daniela Aparecida de Andrade, estudante de psicologia, 2ª fase
31 ago. 2020
“Como dar aula sem ver rostos, ouvir as vozes, acompanhar as reações a cada sorriso, a cada fisionomia de dúvida, de desacordo, de alegria, de satisfação?”
“Hoje começou o ensino remoto na UFSC. Dei uma aula às 8h. Sabia que seria estranho, mas nunca imaginei que seria tão difícil. Tristeza, essa é a palavra…
Como dar aula sem ver rostos, ouvir as vozes, acompanhar as reações a cada sorriso, a cada fisionomia de dúvida, de desacordo, de alegria, de satisfação? Não sou o tipo de professora que consegue dar aulas – naturalmente – mesmo percebendo que a turma não está comigo. Preciso me sentir conectada a eles/as e sentir que eles/as estão comigo. Quantas vezes já parei a aula, por perceber que a atenção da maioria já estava em outro lugar, para entendermos, juntos, o que estava faltando, ou sobrando… Às vezes era um texto muito chato, uma semana de provas, ou, ainda, porque já estava perto da hora do almoço e era dia de estrogonofe do RU.
Conexão. E não é a “virtual”, mas sim a “real”. Pela primeira vez nessa quarentena essa falta de conexão gritou no meu peito. E doeu. E está doendo. Muito.
Sei que é “o que temos para o momento”, e que buscarei fazer o melhor possível dentro dessa situação tão caótica, mas não posso negar que esse primeiro dia me sufocou.
Que seja passageiro. Que seja breve. Que tenha afeto.”
Raquel Barros, professora de Psicologia
31 ago. 2020
“O moodle travou e não abriu”
“No retorno às aulas, na economia, as aulas que começariam às 8h20 não aconteceram. O moodle travou e não abriu, então os professores não conseguiram entrar nas salas de vídeo. Alguns estudantes até conseguiram entrar, mas a grande maioria não. O coordenador chegou a entrar em contato conosco falando que muitas pessoas tinham relatado dificuldades de acesso. Perto das 9h alguns professores resolver trocar de plataforma, então teve turma que foi para o google meet e teve turma que foi para o zoom. Segundo a coordenação ‘nesse primeiro dia um pouquinho de paciência será necessário’.”
Estudante de economia, 8ª fase
31 ago. 2020
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