Fonte: Reprodução da página @estudantes_indigenas_da_ufsc (instagram) publicada em 16 de maio de 2022".

[Entrevista] “A gente está fazendo tudo que a gente pode”: estudante indígena aborda lutas por moradia na UFSC e contra o marco temporal

Daniella Pichetti – Redação UFSC à Esquerda – 21/06/2022

Desde abril deste ano, os estudantes indígenas que residem na ocupação Maloca na UFSC estão em campanha para arrecadação de alimentos, materiais de limpeza e contribuições financeiras para auxiliar na permanência estudantil e na viagem à Brasília que está prevista para ocorrer no dia 22 de junho de 2022. Em entrevista para o jornal, Tschucambang Ndilli, da etnia Laklãnõ Xokleng, abordou como tem sido feita a campanha e os desafios de se manter em uma universidade que não garante condições de permanência para indígenas e suas famílias, apesar das diversas reivindicações.

Entre surtos de dengue e covid-19, a superlotação da moradia indígena

A Maloca, como é conhecida, é um alojamento provisório ocupado desde 2016 pelos estudantes indígenas da UFSC, localizado em uma antiga ala do Restaurante Universitário (RU). O estudante Tschucambang descreve a situação atual de moradia indígena como precária e insuficiente para abrigar as pessoas que já moram lá. A moradia em breve acolherá também cerca de mais dez  estudantes que estão voltando à universidade após o trancamento de matrícula no período da pandemia, e que estavam vinculados apenas pela disciplina fantasma ZZD2020 estabelecida pela Resolução Normativa n° 140/2020/CUn da UFSC.

Desde 2017 os estudantes indígenas trabalham em um projeto de moradia com o professor e chefe do Departamento de Arquitetura Samuel Steiner dos Santos, e estagiários do mesmo curso, que foi concluído no semestre passado. Após sua conclusão, foi realizada uma audiência pública de apresentação do projeto, que contou com a presença de vereadores, lideranças indígenas, reitoria da UFSC, Ministério Público e movimentos e entidades relacionados com a causa, mas desde então não houve respostas da reitoria sobre a construção do espaço. Tschucambang denuncia o descaso da reitoria com a volta às aulas presenciais e ausência de respostas sobre uma possível reforma, apesar da urgência de uma nova e maior habitação:

“Desde a volta com o ensino remoto, estamos tendo grande problema de alocação do pessoal. A sala abrigava cerca de 30 pessoas, agora estamos com 53 pessoas, está muito, muito apertado para a galera. A gente teve um surto de dengue por conta da precariedade do espaço lá atrás, lá em cima tem uma caixa d’água que é destampada. Quando a bóia sobe, a água passa por cima da caixa e não para de cair. Na laje é tudo alagado. (…) Tivemos surto de covid-19 também, até semana passada teve um rapaz que teve covid, é uma questão muito preocupante surto ali dentro. Tem quase 60 pessoas, e quando um fica com covid, o que a gente faz? Todos os quartos a gente divide com alguém, nem são quartos, são espaços que a gente separou para nós. A gente recuperou quadros de sala de aula no lixão da UFSC e fizemos divisórias ali dentro para ter mais privacidade. Agora todos os quartos a gente ocupa, e nos casos de covid não tem como separar, não tem o que fazer. Essa questão de alocação é uma questão muito importante para nós.”

Promessas nunca cumpridas e ausência de respostas

Tal cenário não é tão diferente do que foi descrito em carta ao Conselho Universitário da UFSC, em 2020, quando os estudantes manifestaram as preocupações frente à retomada das aulas através do ensino a distância sem amparo de políticas de permanência que garantissem a segurança para continuar na UFSC. Em reportagem de Rodrigo Barbosa e Jaqueline Padilha no Cotidiano UFSC, é facilmente constatável pelas fotos como a Maloca carece de reformas estruturais fundamentais e como os moradores dependem de doações externas para se organizarem  no espaço. A reportagem relembra o princípio de incêndio em 2019 e a explosão de um dos chuveiros que pôs em risco a vida de uma menina de 10 anos de idade. Todos esses acontecimentos vêm sendo denunciados à público e não há respostas contundentes da reitoria, que posterga as ações e silencia ante às demandas dos estudantes indígenas:

A reitoria estava com projeto de reforma de outra ala do RU, que é de 2019, que daria vaga para 60 pessoas, e eles queriam colocar uma placa lá na frente escrito ‘moradia indígena’. A gente brigou, dizemos que não vamos aceitar como uma moradia indígena. Essa sala que a gente está hoje fizemos vários pedidos de manutenção para eles, questões elétricas, hidráulicas, eles prometeram várias reformas, e nunca fizeram ali dentro, sabe. Nunca fizeram.”

Circulam pelos corredores notícias de que a Maloca se tornaria um almoxarifado, e na outra ala do RU ficariam todos os estudantes indígenas:

“Essa reforma da outra ala do RU está desde 2019 para fazer. Ano passado, na audiência, a gente cobrou essa reforma, eles falaram que tinham prazo até junho, mas até agora ninguém fez nada ainda, tem a questão da eleição da reitoria, é toda uma burocracia que vai vir ainda. E tipo assim, não deram retorno nenhum pra gente, sobre a moradia, como vai ficar. E se sair a reforma, queremos ficar com os dois espaços. O que adianta ir de um lugar que não cabem sessenta pessoas para outro que não é suficiente pra gente também? A gente vai ficar lotado também. Essa ala do RU que a gente tá hoje, eles falaram que após a reforma querem fazer um almoxarifado, a secretária do RU comentou sobre isso informal. Mas nossa ideia não é liberar o espaço.”

O movimento estudantil e as demandas por permanência dos estudantes indígenas

Em relação ao envolvimento das entidades estudantis e sindicais da UFSC com os estudantes indígenas, o estudante relata pouca ligação e o contato maior se dá com pessoas que individualmente os buscam:

“Aqui dentro da UFSC a gente não tem muito essa ligação com os centros acadêmicos, com o DCE não temos contato. O CARI [Centro Acadêmico de Relações Internacionais], a gente teve contato agora com eles. Com movimentos aqui dentro, são pessoas que chegam até a gente. Em abril, acampamos ali em frente à reitoria e veio um professor de relações internacionais e propôs uma conversa, teve uma palestra no CSE sobre permanência que convidou a gente semana passada, e nós levamos questões da nossa permanência. Agora estamos divulgando bastante sobre a nossa situação. São alguns professores e alunos que participam desses centros acadêmicos que se aproximam, e a gente fala. No curso de psicologia participei da assembleia dos professores, e coloquei nossa situação.”

Tschucambang relata que produtos de limpeza e alimentação dependem da contribuição dos próprios estudantes, “é algo que a reitoria deveria dar, mas nós pagamos tudo”. Em abril, os estudantes realizaram uma campanha para arrecadar alimentos, itens de limpeza e fundos para possibilitar a ida à Brasília e construir a mobilização frente ao marco temporal, que seria votado dia 23 de Junho, mas que novamente foi adiada.

Durante as eleições de reitoria na UFSC, os estudantes buscaram os candidatos para avaliar quais propostas estavam colocadas com relação à permanência, e em nenhum momento eles foram buscados pelos reitoráveis. Tschucambang compartilha que, com a nova gestão, ficam na expectativa de que o projeto de construção da moradia dê certo, mas que na gestão passada foi prometido e nada cumprido:

“A questão da moradia, com o orçamento da universidade não vai dar, o projeto tem orçamento de 19 milhões. Mas a gente fez um mapeamento com lideranças, Ministério Público, e todo esse dinheiro virá com emendas parlamentares. Não sei exatamente como está, mas tem algo em relação ao terreno, eles queriam fazer um ginásio do Colégio Aplicação nesse terreno. Mas agora não sei como está. O MP já destinou que aquele terreno será destinado para a construção da moradia indígena, é só a gestão querer.”

Luta contra o marco temporal 

Sobre a necessidade de lutas constantes para os estudantes indígenas se manterem na universidade, Tschucambang destaca o cansaço, o retorno às aldeias e muitas preocupações:

“A gente percebe em questão de estudo, o movimento, o espaço, a gente percebe o quanto isso cansa os calouros. A gente que está há mais tempo está acostumado, eu também não era do movimento quando entrei, mas já vai fazer cinco anos que estou aqui. Mas para a galera que está entrando, entram num momento de muito movimento, alguns já voltaram para suas casas, outros relatam problemas que estão tendo, questões psicológicas mesmo a gente vê bastante, e isso está preocupando muito. Mas o que mais a gente vai fazer? A gente está fazendo tudo que a gente pode.”

Além do movimento pela permanência estudantil indígena, Tschucambang refere-se ao envolvimento dos estudantes com outras lutas, como a mobilização contra o marco temporal. O julgamento do marco temporal no STF definirá os rumos do processo de demarcação das terras indígenas no Brasil. O julgamento foi suspenso e ainda não possui data para retornar. A tese jurídica já é defendida há mais de 10 anos por ruralistas e representantes do agronegócio e voltou a ter força como uma expressão da política bolsonarista que acirrou conflitos nos territórios indígenas.

Apesar do adiamento, as lideranças convocam os povos indígenas para se manifestarem em Brasília. No dia 24 de junho irá sair de Florianópolis um ônibus, que foi conseguido com a reitoria da UFSC. A viagem vem sendo organizada entre estudantes, apoiadores e pessoas das aldeias que também participarão do movimento. Sobre o marco temporal, Tschucambang fala como essa luta é uma questão histórica e que, se for aprovado, vai afetar todos os povos indígenas, inclusive o povo Xokleng:

“Tem toda uma questão dos territórios indígenas que está acontecendo hoje e complica muito para os povos indígenas, para nossa terra. É uma luta que pode vir a acontecer na minha terra também. Eu moro em uma terra que é rodeada por 4 municípios totalmente racistas, agricultores, plantadores de fumo, tabaco, fazendeiros, e é uma briga. A questão do marco temporal vai afetar muito mais eles. É um processo antigo que acontece desde o ano de 2002 da demarcação na nossa terra, mas agora entrou em pauta com marco temporal junto, vai ser duas coisas que vão ser votadas. É de repercussão geral, é uma questão histórica, vai afetar todos os povos indígenas. Se o marco for aprovado, nenhuma terra indígena vai poder ser demarcada, as brigas entre indígenas e não indígenas vai ser pior ainda com os ruralistas, vai haver um massacre. É uma coisa muito complicada.”

Por uma universidade para todos!

As políticas de permanência estudantil são um direito dos estudantes, que não devem depender da boa vontade de uma determinada gestão administrativa. A situação da moradia indígena não está descolada de todo o cenário de descaso com a moradia dos demais estudantes, bem como a crise urbana que se enfrenta coletivamente com a elevação absurda dos preços dos aluguéis na cidade. Vale lembrar que a moradia estudantil levou 18 anos para ser concluída e que o projeto inicial previa o acolhimento de 1400 estudantes, sendo que hoje apenas 165 moram no espaço, que também vem sendo denunciado pela insalubridade. 

Um avanço concreto na luta por permanência passa por uma séria discussão sobre a crise urbana, sobre o racismo estrutural e em defesa do sentido radical da permanência estudantil na universidade. Sem negar as urgentes demandas por manutenções, reformas, bolsas e demais recursos, é necessário que se lute pelo mais amplo desenvolvimento intelectual, filosófico, científico e artístico dos estudantes que decidem ingressar na universidade. É fundamental que não nos contentemos com o atendimento insuficiente das demandas da permanência, mas que se lute pelo efetivo significado que “permanecer” possui. Para além de uma política assistencialista e de vernizes filantrópicos, é preciso exigir uma universidade para todos.

Todo apoio à luta dos estudantes indígenas na UFSC e contra o marco temporal!

A página Estudantes Indígenas da UFSC tem divulgado campanhas para arrecadação de itens de alimentação e limpeza para a permanência dos estudantes que lutam para seguirem estudando na universidade e pelo direito a também viverem a experiência universitária amplamente. Contribuições financeiras podem ser feitas para o PIX de Thaira Antonia Pripá (0668041922) ou pelo PIX de Maria Lauri P. Fonseca (64822559220).

Abaixo, o cartão de divulgação das doações:

Fonte: Reprodução da página @estudantes_indigenas_da_ufsc (instagram) publicada em 15 de junho de 2022.

 

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