Luísa Estácio– Redação UFSC à Esquerda – 06/10/2022
Após a deliberação contrária ao parecer de vistas da Associação de Pós-Graduandas(os) lido na semana passada na Câmara de Pós-graduação (CPG) da UFSC, hoje (06/10), foi aprovada em sessão a Resolução Normativa que dispõe sobre o ensino híbrido na pós. Pela primeira vez a sessão foi transmitida ao vivo pelo youtube, e para conferir a discussão basta clicar aqui. Agora, o próximo passo será a tramitação da normativa no Conselho Universitário (CUn), instância superior de deliberação da Universidade em matéria de ensino, pesquisa e extensão.
Política a conta gotas
Desde o ano passado, a APG chama a atenção, através de suas falas nos Conselhos e nos espaços de discussão que promove, para o que significado das normativas que tem sido institucionalizadas a conta gotas, e que muitas vezes sequer são discutidas e deliberadas amplamente com toda a comunidade universitária.
Desde a discussão das Resoluções normativas 095 e 015, quando estavam em tramitação no CUn em 2021, a APG e outros conselheiros já apontavam para uma possível brecha da permanência do ensino híbrido na pós, ao conter na 095 o artigo que instaurava a possibilidade de compartilhamento da docência em uma disciplina por meio de sistema de audio e vídeo em tempo real. Mesmo assim, nas discussões surgia uma defesa por parte de conselheiros de que a RN traria apenas “ajustes técnicos”. As mudanças político-pedagógicas são passadas de forma progressiva e naturalizadas aos poucos, diluindo seu sentido político entre as câmaras e entre a aprovação de uma resolução e outra.
Entretanto, é notável que o ensino remoto emergencial está sendo utilizado como uma prerrogativa para instaurar agora e legitimar a permanência do ensino híbrido, mesmo com toda a precarização que vivenciamos com o ensino remoto e mesmo sem nenhum tipo de discussão sobre as consequências da transformação da pós para o modelo híbrido.
A RN conforme aprovada hoje na Câmara propõe que 25% das disciplinas teóricas possam ser .ofertadas em cada período letivo, por meio do ensino remoto. Ou seja, se em um período são ofertadas 8 disciplinas, 2 poderão ser totalmente remotas. Será permitido cursar até 50% da carga horária exigida de disciplinas obrigatórias e eletivas no ensino remoto, abrindo a possibilidade de tornar um curso presencial em semipresencial. A resolução dispõe também da possibilidade de compartilhamento da docência em uma disciplina por meio de sistema de áudio e vídeo em tempo real, sem restrições sobre quanto uma disciplina será ministrada por um docente externo, regulamentando apenas que o docente da UFSC responsável pela disciplina esteja presente em aula. Além disso, será aberta uma brecha para que o estudante possa participar de forma remota em até 25% da carga horária de qualquer disciplina. Até o momento, nenhuma avaliação baseada em critérios-pedagógicos foi realizada para basear a RN, nem foram discutidas consequências como algumas apontadas pelos discentes do PPGE:
“[…] destaca-se o possível impacto no afastamento dos estudantes de suas atividades laborais para a realização da pós-graduação, como é o caso de professores da rede municipal e estadual matriculados no PPGE, gerando novas “modalidades” de precarizações das condições estudantis. Outro elemento que podemos elencar é o impacto na formação dos pós-graduandos que passam a fazer um curso de mestrado e doutorado com presença limitada no espaço universitário, visto que podem cursar disciplinas não presenciais, ter orientações online e defender seus trabalhos de conclusão de curso também remotamente. A elaboração de propostas para a Pós-Graduação na UFSC deve estar alinhada à proposta pedagógica dos Programas e relacionada aos desdobramentos na manutenção da qualidade da pesquisa desenvolvida no país.”
Como foi discutido no texto de opinião “Por que a pressa para aprovar o ensino remoto na pós-graduação?” , em um momento de cortes cada vez mais bruscos no orçamento de custeio da universidade – com a notícia recente de cortes do governo acima dos R$2 bilhões de reais nos orçamentos das universidades federais – nos chama atenção que a pressa maior seja em discutir a regulamentação de aulas online do que com a situação que ameaça atingir ainda mais a universidade e seu funcionamento.
Conselho Universitário não pode discutir a política universitária?
Além de ser reforçada uma naturalização do ensino híbrido nos espaços dos conselhos, foi reiterado nas falas de alguns conselheiros ao longo das discussões na CPG sobre a Normativa, que esta deveria ser estabelecida e aprovada pela própria Câmara, sem trâmites em outra instância como por exemplo o Conselho Universitário, instância superior. A defesa do argumento veio junto com um artigo da Resolução Normativa Nº 154/2021/CUN, o qual dispõe que a CPG estabelecerá o regulamento das aulas síncronas. Entretanto, que os parâmetros da RN sejam estabelecidos na CPG é uma coisa, mas que não sejam discutidos uma política para a universidade em sua instância maior de deliberação já seria outra completamente distinta.
A APG insistiu ao longo do processo para que fossem realizadas discussões mais amplas, e a partir disso foi realizado o seminário da Pró-Reitoria da Pós-graduação sobre o tema, o qual apesar de proveitoso, foi insuficiente para qualquer conclusão favorável sobre o ensino híbrido na UFSC por serem apresentadas relatos de experiências com o ensino remoto.
Com a preocupação de que o debate fosse circulado e discutido de forma ampla com a comunidade de estudantes, professores e técnicos-administrativos, a Associação da Pós-graduação leu uma carta no Conselho Universitário ao Reitor e Vice-reitora, a qual exigia a tramitação da normativa no CUn, por receio de que a Normativa, caso aprovada na CPG, entrasse em vigência logo em seguida.
Após a leitura da carta, a Reitoria se comprometeu em realizar a discussão ali no Conselho, afirmando ser um procedimento usual em pautas como essa.
Porém, após a leitura do parecer de vistas feito pela APG na semana passada (29/09), alguns conselheiros fizeram falas dizendo que o pedido da APG soou ofensivo à própria Câmara, que a exigência significaria deslegitimar o trabalho que estava sendo realizado até aquele momento. Em seguida, foram feitos pedidos para que fosse votada uma não tramitação da normativa no Conselho Universitário.
Após o ocorrido, a entidade se pronunciou:
“[…] Ora, mas como pode uma instituição que se fundamenta na construção do conhecimento crítico, tratar desta forma as divergências? Estes setores foram ainda mais longe, e, com base nesse argumento, propuseram que caso aprovada a normativa, fosse aberta uma votação em reunião da Câmara para o impedimento da votação da Resolução Normativa no CUn. Ou seja, foi sugerido, dentro da CPG, que o principal órgão de deliberação da universidade ficasse impossibilitado de realizar os debates necessários sobre a normativa, mesmo quando as diretrizes de ensino, da pesquisa e extensão traçam que o Conselho Universitário possui justamente atribuições sobre esses três pilares, como ressaltado pelo próprio Reitor na última sessão do Conselho.
Que essa proposta sequer seja ventilada em uma instância da UFSC já significa uma afronta à democracia universitária. O que significa uma política que visa impedir uma pauta no interior do CUn? Quais precedentes uma proposta como essa abre? Por que o debate no principal órgão deliberativo assusta tanto esses setores? Essas questões ainda não foram respondidas.”
Confira a carta aberta na íntegra.
São frequentes as deslegitimações da representação estudantil nos espaços da Câmara e a tentativa de ocultar divergências políticas que existem, como se as posições dos discentes fossem confusas e inadequadas. São questionados a todo o momento os pedidos de discussão ampliada em espaços deliberativos, como se a necessidade de toda a comunidade, principalmente a discente – aquela que é a maior categoria e que será a mais afetada com a nova Resolução – fosse uma questão menor.
Chama atenção também que hoje, mesmo após a fala inicial do Pró-reitor dentro da CPG sobre o pedido do próprio gabinete da Reitoria para que a RN fosse tramitada no Conselho devido as mudanças que traz, além da própria prerrogativa que possui o CUn em discutir as políticas universitárias – mesmo assim, no fim da sessão, ainda foram realizadas falas que expressam uma percepção do papel do CUn quase como uma instância meramente consultiva, como se a deliberação final da RN devesse retornar à CPG.
Dentro deste cenário de dificuldades em discutir a política em jogo atualmente na universidade e com a necessidade de aprofundar uma análise de conjuntura sobre as perspectivas futuras de luta na universidade a partir dessa transformação acelerada do ensino, a APG irá realizar um evento aberto para toda a comunidade de estudantes, docentes e técnicos na próxima segunda-feira (10/10) às 13:30, no Auditório da Reitoria da UFSC o evento “Ensino remoto: futuro da pós-graduação?”. Os debatedores convidados são Célia Vendramini e Allan Kenji Seki.
Mais detalhes do evento no site da APG: https://apg.ufsc.br/