Foto: Boaventuravinicius. Edição: UFSCàE

[Opinião] Por que a pressa para aprovar o ensino remoto na pós-graduação? 

Júlia May Vendrami e Luísa Estácio – Redação UFSCàE – 30/06/22

Está em tramitação na Câmara de Pós-graduação da UFSC (CPG) uma resolução normativa, ainda sem número, que visa regulamentar o desenvolvimento de atividades de ensino remotas, síncronas e assíncronas, na pós-graduação stricto sensu. Em um momento de cortes cada vez mais bruscos no orçamento de custeio da universidade, que ameaçam atingir ainda mais a assistência estudantil e a distribuição de bolsas, chama atenção o caráter apressado para a regulamentação de aulas online na pós permanentemente.  

A possibilidade das aulas online na pós-graduação foi apresentada como emergencial antes do retorno presencial da terceira fase na UFSC, sendo um dos argumentos principais para a sua implementação o fato da universidade encontrar-se em um período transitório entre o remoto e presencial, e que na passagem entre essas duas modalidades os alunos precisavam de tempo para planejar seu retorno para as aulas presenciais. 

Agora, a nova resolução em tramitação versa a possibilidade da oferta permanente de disciplinas teóricas na modalidade remota, sem precisar passar pela maior instância deliberativa da UFSC, o Conselho Universitário (CUn), após deferida a Resolução Normativa Nº 154/2021/CUN em outubro de 2021. Em um dos artigos da Resolução, aparece a concessão da autonomia a CPG no que tange o estabelecimento de normas e procedimentos para desenvolvimento de atividades síncronas e assíncronas na UFSC. 

A resolução pode não parecer muito alarmante a princípio por estabelecer limite de carga horária possível a ser ofertada online, porém é aberta uma brecha para a institucionalização de uma carga cada vez maior de ensino remoto na pós-graduação. A assimilação gradativa da educação a distância na pós-graduação é agravada pela recusa da CPG em realizar uma ampla discussão pública para debater de fato sobre o ensino remoto e seus impactos na educação. Esse aspecto já havia sido alarmado nas discussões do ano passado sobre as reformas na pós-graduação. 

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A CPG é presidida até o momento pela pró-reitora de pós-graduação, Cristiane Derani. Todos os Pró-reitores são indicados pela reitoria. Já temos uma nova reitoria eleita, composta pelo professor Irineu e professora Joana, mas estamos aguardando a posse da nova gestão, prevista para dia 4 de julho, segunda-feira que vem.

Os argumentos usados pelos representantes da Pró-reitoria e pela relatora do processo se baseiam principalmente em quatro aspectos: 1) De que a normativa tem embasamento científico; 2) Que a oferta de disciplinas remotas poderia contribuir com a internacionalização dos programas, com a possibilidade professores visitantes darem aulas remotas nos programas da UFSC; 3) Que as vagas dos programas estariam preenchidas, “atraindo mais estudantes” que não podem viver em Florianópolis e alunos de universidades estrangeiras; 4) Por conta dos estudantes e professores que adoecem por COVID-19. 

Sobre o primeiro ponto, o embasamento científico que respalda a Normativa considera 3 artigos científicos sobre o ensino híbrido, favoráveis a modalidade. Mas existem diversos textos, artigos, livros e pesquisas sendo produzidas atualmente na área de Educação que indicam justamente o contrário: que a partir de uma vasta literatura apontam sobre efeitos negativos do ensino de educação a distância e como essa nova política educacional está sendo ditada por grandes oligopólios educacionais. Usar como justificativa de que é científico o modelo que está sendo escolhido para a universidade como se apenas algumas pesquisas conformassem uma opinião e a voz da ciência fosse uníssona é não só problemático, mas frágil do ponto de vista científico.

Ao invés de ter base em um, dois ou três artigos científicos, porque não existe uma preocupação de escutar diferentes vozes da comunidade acadêmica sobre o assunto? Porque um lado científico é sempre ignorado em detrimento daquilo que é do interesse da gestão? Além disso, para legitimar um processo e novas políticas para a pós-graduação, não será somente com base em um punhado de artigos científicos que legitimam e mostram transparências nos processos de aprovação quando uma comunidade inteira não sabe e não pode discutir aquilo que está sendo tramitado nas principais câmaras de graduação e pós-graduação de sua universidade.

É importante ressaltar que até o momento sempre se discutiu o ensino remoto em caráter emergencial. Qualquer medida que aprove de fato esse modelo na universidade precisa antes avaliar o que esse ensino deixou de marcas e efeitos na educação. 

Quando surgem argumentos como o da possibilidade de internacionalização dos cursos por conta de professores visitantes dando aulas remotas nos programas fica difícil compreender da onde surge o ânimo desses professores. Tempos atrás, era possível trazer esses mesmos professores de fora para darem aulas presenciais, e com isso, ter interações reais. Ouvir palestras on-line de pessoas que estão distantes de nós não só individualiza todo o ensino, mas mascara o problema que trouxe a modalidade remota, com a perda gradual de vínculo e uma desconexão cada vez maior com a universidade. As câmeras desligadas, as interrupções constantes por conta da falta ou instabilidade da conexão de internet, a dificuldade em ter uma estrutura adequada para estudos nos apontam para isso. Alguns podem assistir de suas casas as palestras desses professores estrangeiros, mas outros certamente aproveitarão alguma aula para conseguir trabalhar, ou escutarão a aula enquanto estão fazendo outra coisa. 

A internacionalização que queremos não pode ser essa restringida a participações e discussões online. A possibilidade de realizar intercâmbios para pesquisa e estudos é valiosa não somente no sentido de adquirir  conteúdo, mas como experiência cultural e humana também. Os novos intercâmbios online são uma realidade triste de precarização que temos atualmente dentro das universidades, como é o caso do programa AUGM, que com a UFSC sem as verbas antes da pandemia para manter o programa em vigor com as bolsas para estudantes de graduação, durante o isolamento social foram ofertadas vagas para intercâmbios remotos. 

Mas aqueles que celebram por um lado essas “novas possibilidades” também utilizam argumentos que tocam justamente num dos pontos mais sensíveis para os estudantes, que é o modelo remoto como opção para aqueles que não podem e não poderiam estar cursando a pós-graduação se esta fosse presencial. 

Sabemos que atualmente essa é uma das maiores dificuldades dos estudantes: sua permanência integral na universidade, conseguir estudar e pesquisar sem depender de trabalhos por fora ou realizar bicos para se sustentar. Sem bolsa, ficar em uma cidade que possui uma alta especulação imobiliária e uma das cestas básicas mais alta do país se torna um plano inviável. Mas a aparente preocupação desses conselheiros não indicam ir no caminho de discutir o que a política dos cortes significam para a pesquisa a longo prazo, a começar pelas discussões mais fechadas dentro dos conselhos e câmaras e a limitação da discussão para as coordenações dos cursos. 

É justa a preocupação e desejo do estudante que não pode viver na cidade de sua pós por conta de suas condições financeiras querer realizar sua pós de forma remota ou híbrida dada a conjuntura de precarização atual. Mas a adoção gradativa de uma modalidade como o ensino remoto de forma permanente sem discussões ampliadas, por mais que pareça solucionar problemas que estão sendo vivenciados com a dificuldade de estar presencialmente na universidade acarreta na falta de mobilização e crítica da própria comunidade acadêmica para pensar a realidade da universidade na qual estão inseridos, de refletir sobre essa realidade e elaborar as oposições necessárias que precisam ser feitas contra o desmonte da educação pública. 

A pressa em passar a resolução normativa confirma aquilo que vimos acontecer ano passado com as reformas da pós: é uma política atual passar processos de mudanças significativos da pós-graduação como se fossem apenas ajustes técnicos que não necessitassem de todo o envolvimento acadêmico em seu debate. 

Na reunião de hoje pela manhã da CPG (30/06) a Associação da Pós-graduação entrou com vistas no processo, suspendendo imediatamente a discussão para a elaboração de um novo parecer de vistas. 

*O texto é de inteira responsabilidade das autoras e pode não refletir a opinião do jornal.

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