Fonte: Montagem UFSC à Esquerda.

[Notícia] Ato “Assina Moisés”: mais uma vez governador não assina a titulação do território e a comunidade Vidal Martins é negligenciada 

Daniella Pichetti – Redação UFSC à Esquerda – 18/08/22

Na tarde de ontem (17/08), manifestantes se reuniram em frente ao Centro Administrativo do Estado de Santa Catarina para reivindicar a titulação do território quilombola Vidal Martins, localizado no bairro Rio Vermelho, em Florianópolis. A comunidade é a primeira regularizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no município, de acordo com a Portaria nº1.511, publicada em 21 de julho de 2022 no Diário Oficial da União. O ato foi organizado pelas lideranças e moradores do quilombo, exigindo a assinatura do governador Carlos Moisés. Há quatro anos a comunidade luta pelo acesso ao direito de regularização e não consegue uma audiência com o governador.

A concentração iniciou-se às 13:30, em frente ao Centro, momento em que o espaço foi fechado, impedindo inclusive que os manifestantes usassem o banheiro do local. Agentes de segurança receberam as pessoas, com a função de impedir a entrada. Assessores disseram que o governador não tinha conhecimento da pauta, e que portanto era necessário agendar uma reunião. A comunidade respondeu que há mais de 4 anos tenta se reunir com o governador, sem êxito, e questionam a demora para conseguir a titulação.

“É direito constituído, e nós somos brasileiros, somos povo, somos a minoria. Colocamos pessoas para nos representar através da política, mas quando precisamos falar com eles, é como se houvesse uma barreira intransponível. Tem que falar com guarda, assessor, secretário. Mas no dia de querer nossos votos, estão nas ruas, nos abraçando. Mas quando é para garantir nossos direitos, ficamos aqui esperando um tempão. Isso aqui é do povo, mas quando eles ganham [as eleições], já não é do povo, é da elite. O povo, a plebe não pode entrar, mas pode votar neles para eles estarem lá. Nós não vamos sair daqui sem vir um representante para garantir nosso direito que está na Constituição”.

O Quilombo atualmente é constituído por 28 famílias de descendentes de quilombolas e já possui 191 anos de existência, apesar de ter sido reconhecido enquanto território quilombola apenas recentemente. O direito dos quilombolas à propriedade de terras está garantido no artigo 68 da Constituição, com reconhecimento da importância da preservação e valorização da cultura negra no país. No entanto, o que se observa é que a lei não se aplica em muitas situações, tanto pelos entraves orçamentários, como por questões burocráticas e políticas. Legislações estaduais e federais regulamentam o processo de titulação; na esfera federal, o INCRA é o órgão responsável por titular as terras. De acordo com dados da Gerência de Políticas de Igualdade Racial e Imigrantes (GEIRI), atualmente existem 21 comunidades quilombolas distribuídas em 16 municípios de Santa Catarina, sendo que 19 destas estão certificadas.

Sem a titulação, que é a última etapa do processo demarcatório, as populações ficam expostas a todo tipo de violência e invasões. Também ficam prejudicadas no acesso às políticas públicas de saneamento, educação, saúde e moradia com a morosidade do processo. Perpassando questões de memória e identidade, a titulação permite um reconhecimento da presença dos quilombolas, para os quais a relação com o território está intimamente relacionada à reprodução da vida, à produção de cuidado, de educação e de subsistência. 

Conforme declaração de Heleno ao UàE, o processo de regularização iniciou-se em 2013 junto ao INCRA, e até agora os moradores lutam pela efetivação do processo regulatório. A demora implica em maior precariedade e vulnerabilidade dessas pessoas no local:

“A gente fez todo o laudo, tudo que tinha para fazer, já passou por todos os trâmites legais, tudo o que estava na Constituição. Mas agora estamos encontrando uma dificuldade, há mais de quatro anos a gente chega aqui e não é atendido. Na hora de votar eles estão na rua, é ‘Casa do Povo’, mas quando passam as eleições, a Casa do Governador é casa de uma elite, vira casa do Governador, o povo já não tem mais representação lá dentro. Estamos fazendo esse ato aqui na frente, que é pela reivindicação do nosso direito pela manifestação, porque nós não temos voz ali dentro. A voz do povo, de minoria, principalmente preto, é só na época das eleições. Acabou a eleição, falta voz lá dentro. Estamos aqui reivindicando um direito nosso. A gente não aguenta mais viver em uma nação onde a metade do povo brasileiro é mesclado, é mestiço com várias etnias, mas ainda há um racismo velado e um racismo estrutural que vem se propelando desde a escravatura, e ninguém aceita mais. A maioria tem que ter voz representativa lá dentro, porque nós estamos no país que mais cultura tem. Só que no Brasil é um problema, é uma minoria branca que domina o poder. Os povos que tiveram sempre regalia, vieram crescendo, conquistando as terras, e os povos de menos regalia foram sendo jogados para a periferia, para o morro. E hoje estamos reivindicando nosso direito, nossas terras, queremos ser ouvidos e queremos o fim do racismo estrutural.”

Disse Heleno: “Já estamos há quatro anos esperando, já passou por todas as instâncias, já foi para Brasília, já foi para o INCRA, a gente foi titulado, agora esperamos que não seja barrado na assinatura do governador Moisés”. A fala deixa evidente o quanto o aparato estatal não está a serviço da população, mas sim de uma elite.

Após longa espera e informações de que o governador não estaria presente, e portanto não seria possível entrar no Centro, a assessoria recebeu a comunidade e informou que poderia se reunir com as lideranças e encaminhar um ofício solicitando uma reunião com o governador. O Oficial do Gabinete do Governador, Lucas Jacques, falou que o encaminhamento possível diante da ausência de Moisés, que estava em Brasília, seria a elaboração de um ofício para agendar uma reunião.

Em seguida, em reunião com as lideranças da comunidade Vidal Martins, foi protocolado um novo documento com objetivo de que seja agendada uma audiência o com Moisés. A população queixou-se do encaminhamento burocrático e relatou que mais uma vez a comunidade é negligenciada em virtude de falta de vontade política e por atravessamentos do racismo estrutural. Conforme a declaração que Helena Jucélia Vidal de Oliveira deu ao UàE, a expectativa é de que a reunião seja feita diretamente com o governador, não mais com seus assessores.

O UàE conversou com professores na escola do Quilombo Vidal Martins, que abordaram também a enorme carestia para viver em Florianópolis hoje e as lutas pela regularização do território, que são urgentes. Denunciam que a comunidade tem sido alvo de frequentes ameaças, que o local precisa de reformas na infraestrutura para garantir a segurança de todos, e que diante dessa omissão do Estado na titularização, a comunidade se encontra em grande vulnerabilidade. Além disso, moradores falam da violência policial cotidiana e dos abusos pelo fato de serem negros. 

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O Jornal UFSC à Esquerda seguirá acompanhando a luta da comunidade quilombola Vidal Martins. Titulação já! 

Confira algumas imagens do ato registradas pelo Jornal.

 

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