Laboratório LAPOGE na UFSC sofre efeitos dos cortes no orçamento
Foto: Interior do Laboratório de Polimorfismos Genéticos - CCB/UFSC/Florianópolis/SC; por UFSC à Esquerda

[Notícia] Laboratório de Polimorfismos Genéticos do Centro de Ciências Biológicas da UFSC enfrenta condições precárias para manter suas pesquisas

Foto: Interior do Laboratório de Polimorfismos Genéticos – CCB/UFSC/Florianópolis/SC; por UFSC à Esquerda

Renato Milis – Redação UàE – 27.04.2018

O Laboratório de Polimorfismos Genéticos (LAPOGE) do Centro de Ciências Biológicas da UFSC tem sido afetado seriamente com os cortes no orçamento da educação e da ciência e tecnologia e com isso tem tido dificuldades para manter suas atividades. Para continuar com o trabalho do laboratório, as professoras têm muitas vezes dispendido seu próprio salário e o grupo como um todo (professoras e estudantes) lançaram uma campanha para arrecadar fundos: o acris3o. Na campanha sua atividade iniciou com a venda de alimentos em festas e no momento organizam uma calourada para a pós-graduação das ciências biológicas. Com o acris3o planejam também organizar eventos científicos e vender artesanatos que estão produzindo. Tudo para enfrentar as condições precárias de financiamento e manter a realização de suas pesquisas no laboratório.

Nossa equipe conversou com pesquisadores do LAPOGE para entender a situação, confira:

 

O LAPOGE

O Laboratório de Polimorfismos Genéticos realiza um conjunto de pesquisas e estudos que se debruçam sobre a variabilidade genética em ao menos duas áreas: doenças de etiologia complexa e identificação de espécies e conservação.

Na primeira, as professoras coordenam e realizam pesquisas com a temática de “Estudos de associação genética de doenças autoimunes e câncer”.  Sua pesquisa analisa doenças como o câncer de mama e de colo do útero, doenças auto-imunes como o lúpus, artrite reumatóide e psoríase e podem contribuir para o conhecimento de sua etiologias, identificação diagnóstica e modos de tratamento. Nesta linha, investigam o papel do gene HLA-G nas doenças autoimunes e em câncer de mama e colo do útero, de acordo com as pesquisadoras:

“Este gene exerce função crítica na regulação da resposta imune e têm um papel essencial nos mecanismos de defesa. A partir dos nossos estudos, esperamos ajudar no desenvolvimento de um novo marcador molecular que possa auxiliar em melhoras de diagnóstico e prognóstico, assim como, ajudar na escolha e delineamento de condutas terapêuticas mais eficazes e consequente aumento da sobrevida e qualidade de vida dos pacientes.”

Já na área de identificação de espécies as pesquisas se concentram na análise da variação de uma parte da sequência de nucleotídeos em um gene mitocondrial, o COI (citocromo oxidase I). Esta técnica, conhecida como DNA Barcoding, centra-se na sequência de nucleotídeos de COI, pois ela é variável o suficiente para diferenciar espécies, sendo que cada espécie terá uma sequência única, um barcode, mas não diferencia indivíduos pertencentes à mesma espécie, sendo possível que amostras desconhecidas possam ser identificadas por análise de DNA. Com isso realizam uma pesquisa, através do Projeto “Gato por Lebre”, de identificação molecular de alimentos comercializados em Santa Catarina, principalmente pescados – verificando a ocorrência de fraudes/substituições.  Ainda utilizando a técnica DNA Barcoding e outras ferramentas genéticasdesenvolvem pesquisa  na área de conservação de espécies e combate ao comércio ilegal da fauna silvestre.

Uma das pesquisadoras, por exemplo, realiza seu mestrado acerca do comércio ilegal de aves, , onde, embora as transações no mercado interno centram-se em aves adultas ou filhotes, o comércio exterior ilegal destes animais são realizados com os ovos dos mesmos. Este fato traz um desafio para a identificação das espécies contrabandeadas, inclusive de espécies ameaçadas de extinção. A pesquisa então objetiva propor um  protocolo padrão para identificar as espécies a partir de amostras de DNA extraídas de ovos – em condições distintas e precárias (similares às encontradas no comércio ilegal).

O laboratório abriga os trabalhos de pesquisa de professoras do Centro de Ciências Biológicas, cinco estudantes de doutorado, cinco estudantes de mestrado e quatorze estudantes em iniciação científica voluntária. Realiza, ainda, vivências em pesquisa com os alunos de graduação em ciências biológicas e promove atividades práticas ligadas às disciplinas de biologia molecular e genética.

A situação atual do LAPOGE

O laboratório tem enfrentado nos últimos anos uma situação crítica. A falta de recursos tem sido uma ameaça constante à continuidade dos trabalhos. Os pesquisadores lidam com condições bastante precárias para manter seus estudos, sem saber até quando terão à disposição o mínimo necessário para concluir as pesquisas.

Relatam que o último projeto aprovado no laboratório foi em 2013 e desde o ano passado os recursos deste projeto se encerraram. Já nos últimos anos a escassez de recursos levou as professoras a custearem matérias de consumo do próprio bolso, o que se intensificou desde 2017. Dentre os materiais, por exemplo, algo elementar como produtos de limpeza, que são imprescindíveis para que a sujeira não interfira nos resultados das pesquisas tem se dado por conta das professoras e do pessoal do próprio laboratório.

Convivem também com a escassez de reagentes químicos, material básico para a realização dos trabalhos no laboratório. Contam apenas com o material que tem em estoque e com o empréstimo solidário dos demais laboratórios. Relatam que a troca de reagentes entre os laboratórios tem sido uma constante entre os pesquisadores, no entanto é uma ação limitada pela baixa disponibilidade geral dos materiais.

Em relação aos equipamentos a situação também é difícil. A manutenção dos mesmos vem sendo demorada, ou inviabilizada pela falta de recursos. Até dois meses atrás, apenas um dos termocicladores, equipamento que permite aos pesquisadores utilizarem a técnica de PCR (Reação em cadeia da polimerase – técnica utilizada para amplificação de sequências de DNA), estava em funcionamento.  A PCR é uma das técnicas protocolares fundamentais em muitas das atividades realizadas no laboratório.

As pipetas, outro equipamento básico do laboratório, não são calibradas desde 2013. Com isso, os pesquisadores muitas vezes precisam utilizar uma maior quantidade de reagentes do que o necessário se o equipamento estivesse em perfeitas condições. Outro equipamento, o destilador do laboratório não está funcionando há cerca de um ano.

Em sentido semelhante, outro equipamento importante, o sequenciador de DNA do laboratório multiuso do Centro de Ciências Biológicas – que é utilizado pelo LAPOGE e por demais laboratórios, é de uma das primeiras tecnologias de sequenciamento desenvolvidas. Uma das pesquisadoras relata que, embora ainda seja um equipamento relevante, a tecnologia para o sequenciamento de DNA avançou e com outros equipamentos seria possível também avançar nas pesquisas.

A situação das bolsas para os estudantes também afeta o laboratório. Os estudantes de graduação que realizam iniciação científica (IC) no laboratório o fazem de forma voluntária – não recebem nenhuma bolsa de IC. Já os estudantes de pós relatam que o valor das bolsas não é suficiente para ao mesmo tempo manter suas condições de sobrevivência e manter as condições básicas das pesquisas (compra de reagentes, entre outras).

Os membros do laboratório relatam que há algum tempo não há editais de financiamento de pesquisas abertos. Na esfera municipal o projeto “Gato por Lebre”, que contribui na verificação da ocorrência de fraudes/substituição de pescados, era realizado em conjunto com a Prefeitura Municipal de Florianópolis e com o PROCON. A Prefeitura encerrou sua participação no projeto em 2016.

Com isso, os membros do laboratório têm sentido que a própria produção de conhecimento está limitada aos recursos disponíveis – gravemente afetados pela crise orçamentária.

Entenda: As verbas das universidades foram cortadas desde de 2014 em 20% no que se refere a custeio (despesas cotidianas) e 90% em capital (investimentos), iniciando o ano com orçamento previsto de R$ 5 bilhões para o conjunto das instituições – em 2017 a soma foi de R$8 bilhões e em 2015 R$15 bilhões. No orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações o orçamento foi reduzido em 25% em relação ao ano passado, e em 2017 as perdas já haviam sido de 44% em relação a 2016 (Dados ANDES/SN).

O acris3o

Em reuniões para verificar propostas para reduzir custos no laboratório, membros do grupo sugeriram realizar algumas atividades para contribuir com sua manutenção para não parar suas pesquisas. Criaram o – acris3o:

“Quando o dinheiro do nosso laboratório acabou e, em meio ao caos de cortes de verbas dedicadas à ciência, nos vimos diante de projetos importantes que podem morrer por falta de recursos. Em uma reunião do Laboratório de Polimorfismos Genéticos (LAPOGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tivemos o tal “Eureka”: vamos nós mesmos gerar nossos recursos financeiros. Não podemos deixar a ciência estagnar! Assim surgiu o Acriseo, sob o lema “Triplo C: ciência, crise e criatividade” representando a vontade e capacidade de se adaptar a situações diversas, assim como o polvo. Somos Acriseo, somos: A = sem crise = crise o = crise não tem gênero” (retirado da página do facebook: Acriseo)

O acris3o reúne os pesquisadores do LAPOGE para realização de ações que possam manter as pesquisas e os alunos do laboratório durante a crise, tanto comprando reagentes e materiais de consumo, quanto possibilitando a estadia dos alunos, proporcionando lanches e passes do RU ou de ônibus para que eles possam continuar frequentando o laboratório e que o Lapoge mantenha sua função de formar profissionais. Começaram com uma página de divulgação no Facebook, e participando com a venda de alimentos em duas atividades de integração do curso de graduação de biologia. Pretendem trabalhar em duas vertentes: a venda de artesanatos (que estão sendo produzidos por uma das pesquisadoras) e a organização de eventos.

 Símbolo da Campanha Imagem: ACRIS3O

 Alimentos produzidos pelos membros do laboratório para venda em festas. Foto: ACRIS3O

Planejam também organizar eventos científicos e sociais: promoção de cursos e pequenos congressos e atividades de integração. No dia 05 de maio, realizarão o primeiro evento próprio: uma calourada de integração aos estudantes da pós-graduação do CCB com o nome de Scientia celebratum.

Chama a atenção o sentimento das pesquisadoras em relação ao momento que vive o laboratório. Contam que a sensação com as atividades é dupla: por um lado o carinho e a empolgação com a campanha, que mostra o compromisso coletivo dos membros do laboratório com a produção de conhecimento e a seriedade com que encaram suas pesquisas. Por outro, demonstram também a indignação com o absurdo dos cortes e seus efeitos para a produção de conhecimento, fazendo com que tenham que despender tempo e energia que poderia ser dedicado diretamente às pesquisas para que as mesmas possam continuar em condições mínimas.

*Ressalta-se a contribuição das pesquisadoras para elaboração desta notícia.

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